Capítulo 23: Assombrar

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Elijah

- Isso não é engraçado, e eu espero que você saiba disso. - Repreende Aithan.

Ele havia seguido Neriah e eu pela noite, e nos tirou do depósito de Hagatha, antes que alguém nos descobrisse. E era a última coisa que eu queria que acontecesse. Preferiria ter sido pego ao ver o olhar nos olhos dele quando nos encontrou.

Minha intenção nunca foi magoá-lo, de forma alguma. Meu irmão era meu melhor amigo, com quem eu poderia me sentir à vontade a todo o tempo, e me sentir seguro. E claro, Maria me fazia sentir do mesmo modo. Sendo a mulher que eu considerava minha mãe, desde que perdi a minha, embora fosse minha cunhada.

Não falávamos muito sobre o fato de Aithan e eu sermos filhos do falecido Supremo, o homem que reinou antes dos Líderes destruírem tudo o que ele construiu. Nem eu gostava de falar sobre o assunto, me recusava a lembrar. Como eu estava escondido debaixo da minha cama, e ouvi os gritos da minha mãe vindos da sala, sendo arrastada para fora por aqueles homens terríveis, que riam e a chamavam de vadia. Meu pai grunhindo e lutando, até que um homem atravessou uma espada contra o estômago dele, e eu mordia o lábio com força para não gritar, pois sabia que me encontrariam e eu teria o mesmo destino, mesmo sendo apenas uma criança. Não eram memórias felizes. Minha pele se arrepiava todas as vezes em que minha mente as trazia.

E Aithen era a única parte dos meus pais que eu tinha, como um pedaço deles. Ele se casou com Maria, e eles me "adotaram" como um filho. Ele me salvou, e eu apenas quis retribuir o favor. Já havia perdido gente demais.

- Não fiz para ser engraçado. - Digo, após alguns instantes. - E você não deveria ter saído da cama.

Ele me encara. Os olhos azuis em uma linha repreendedora, mas empática ao mesmo tempo. Todas as vezes em que eu olhava para eles, lembrava-me do meu pai. O cabelo loiro dos dois era idêntico, a voz firme, a postura impecável. Embora meu pai fosse mais doce e carinhoso, e agora, Aithen estava mais para raivoso e decepcionado.

- Você tem noção do que poderia ter acontecido se alguém tivesse visto os dois? - Ele franze o cenho, apontando para fora. - Não só levariam você, como Neriah.

- E acha que eu não pensei nisso? - Olho para meus pés. - Ela insistiu em vir, não pude forçá-la a ficar aqui.

- Não me importa o que ela quis. - Ele caminhava de um lado para o outro, incapaz de se aquietar. -  Já pensou se fosse outra pessoa que tivesse entrado lá? O que vocês dois fariam, correriam?

- Eu só quis ir até lá para buscar aquela maldita erva, Aithen. Você está doente, e está fraco. O que vamos fazer caso...

- Não vai acontecer. - Aithan tosse, uma ação que contradiz com sua afirmação anterior. - Escute, não quero mais saber de você fora de casa depois do toque de recolher. Eu não vou prestar serviços à eles, nem que me obriguem. Eles mataram nossos pais. Não faria isso, nunca.

- E como você me garante isso? Como pode ter tanta certeza de que eu não vou perder você, como perdi todo mundo?! - Exclamo, sem poder evitar um breve falhar em minha voz.

Ele respira fundo e se senta ao meu lado na cama. Os olhos já não estavam tão irados.

- El, você precisa entender uma coisa: Na vida, as pessoas vêm e vão, como ondas. Não se pode prever quando a próxima tempestade vai fazer o mar se agitar. Eu estou tentando me manter na areia. Faça o mesmo.

As Peças Celestiais: Ascensão (Livro I)Onde histórias criam vida. Descubra agora