Capítulo 19: Condenação

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Evanora

Já me disseram que a sensação de perder alguém, desaparece gradualmente, como vapor. Também ouvi dizer que é como fogo em palha. Acende depressa, mas demora a se dissipar.

A última opção me pareceu mais realista, julgando pessoalmente.

Já fazia uma semana. E, honestamente, as chamas pareciam não estar perto de se apagarem.

Também havia quem acreditasse na teoria das fases do luto.

Tristeza, negação, raiva e aceitação. Mas porque parecia que as três primeiras, que dividiam espaço em mim, não me permitiriam atingir a liberdade?

Então, a única maneira em que eu acreditava à aquela altura, era que estava na hora de eu mesma me levantar e apagar o fogo.

Minhas asas pesavam em minhas costas. Era o que haviam se tornado: pesos. Mas não, eu me recusava a acreditar em tamanha injustiça. Para que ter asas, se não posso tirar os pés do chão?

Não, eu iria sim.

Me levanto, e fecho os olhos, respirando fundo. Fecho as mãos e faço força, para cima, para cima. Elas fazem barulho ao baterem, o vento de seus movimentos afobados e rápidos faz as páginas de um livro aberto sobre minha escrivaninha serem passadas. Meus pés saem do chão por um instante, e eu me convenço de que posso...

Quando caio sentada, como um baque.

Em um grunhido, me levanto novamente. Não, eu precisava conseguir, não poderia ser real.

Tento mais uma vez, com toda a força que posso, serrando os punhos, fechando os olhos com vontade.

Mas vou ao chão novamente, desiludida, sentindo os olhos ardendo, as lágrimas querendo sair. Não consigo evitar que elas desçam pelo meu rosto ao olhar pela janela, para o céu alaranjado, que já exibia as primeiras estrelas no céu. Será que meu destino seria estar a um passo do paraíso e jamais conseguir alcançá-lo?

Alguém bate à porta e eu seco os olhos com a manga de minha blusa, tentando ocultar.

- Entre, pai.

Ele adentra, segurando um prato de porcelana, repleto de biscoitos de manteiga de amendoim, como tia Clarice costumava preparar.

Então se senta ao meu lado no chão, colocando o prato sobre a escrivaninha bagunçada.

- Gostaria de perguntar como está, mas acho que para nós dois, essa resposta ainda não existe, não é?

Confirmo com a cabeça, me esticando para pegando um biscoito.

- Sabe que temos que conversar. - Ele indica minhas asas com a cabeça.

- Tia Clarice me contou tudo. - Olho para o biscoito em minhas mãos. - Não acho que possa me dizer mais do que eu já sei, pai, sem querer ser grosseira.

Ele olha para frente, como se não esperasse que eu já soubesse.

- Por que mentiu para mim durante todo esse tempo?

- Quando você nasceu, eles quiseram matar você. - Papai passa a mão pela testa. Claramente, eram memórias ruins para ele. - Eu fugi, perdi seu avô...Não foi o melhor dia. E eu não quis te colocar em perigo dando estas informações. Sua tia sempre me encorajava a dizer a você, e eu prometi que iria, quando fizesse 20 anos. E bom, com a universidade e todo o trabalho, não pude, e acabei adiando. Mas agora apercebo que não ter dito a você, poderia ter causado mais problemas. - Ele segura minha mão, com um toque tênue e amparado. - Mas não sabe o quão feliz eu estou por você estar aqui, segura. Mas, você não estava por aqui durante um tempo, não é? Nem Noah. Onde vocês estiveram? Valerie não os encontrou em lugar algum, quase achou que algo também houvesse acontecido com vocês.

As Peças Celestiais: Ascensão (Livro I)Onde histórias criam vida. Descubra agora