▪︎ 1: Muito Cedo: Parte 1

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Sérgio Guizé.

— Não se preocupe, você está lindo. — Disse Bianca ao meu ouvido, puxando-me para um beijo rotineiro.

Olhei para ela com um sorriso amável, sobretudo sem vida, e ajeitei as mangas do terno que estavam saindo do lugar constantemente. Andávamos em passos apressados até os bastidores dos Melhores do Ano, que conseguimos nos atrasar gerosos minutos pelo trânsito e uma discussão ao sair de casa por um motivo besta criado por ela.
Eu e minha esposa não estávamos obtendo bons resultados da relação haviam alguns bons meses, e por noites como essas, eu me perguntava como que conseguia dividir o mesmo teto que ela. Me envergonhava mentalmente de fazer essas perguntas, em seu geral. Talvez pela devoção que tinha por uma Bianca que uma vez existira e que hoje... Estava perdida. Ou talvez tivesse sido uma invenção minha, a ilusão causada pela paixão desenfreada.

Apesar de seus braços estarem em volta do meu, me sentia completamente gelado quando se tratava dela aquela noite. O desconforto dos pensamentos de um futuro divórcio me deixava assim, sem expectativas para qualquer resquício de sentimento. Por sorte e talvez, ser uma herança das nossas próprias profissões, conseguia esconder bem essa sensação em algum lugar da minha alma e fingir se tornava bem fácil, de modo que Bianca só pudesse perceber posteriormente.

Chegamos a um salão lindo, arrumado com total delicadeza e já tomado por muitas pessoas. Desde participantes de novelas concorrentes aos próprios participantes e quem sabe, ganhadores do prêmio. E eu era um deles pelo papel que certamente, virou minha vida ao avesso. Lembrar dos motivos disso me causou uma pontada na garganta, tendo em vista que... A minha ferida não curada poderia estar por aí, talvez até melhor que eu.
Se eu pudesse conter meu coração, teria dado um jeito nos meus olhos curiosos. Mas não poderia de maneira alguma, o que me fez procurar pelo o que eu sentia falta com certa ansiedade.
E nem havia sido tão difícil achá-la. Só foi complicado quando nossos olhos se encontraram, tirando o sorriso que ela tinha antes de me olhar. O suspiro insatisfeito solveu dos seus lábios perfeitos e ela saiu andando, para qualquer lugar que eu não pudesse vê-la o resto da noite.
Saí do meu transe quando senti um aperto firme em meu braço, seguido de um balanço suave. Pisquei algumas vezes e desviei o olhar para Bianca com mais um sorriso que não era de alma.

— O que estava olhando? — Perguntou ela, inocentemente.

— Nada, apenas... Um lugar para sentar. Vamos? — Perguntei, esperando que ela assentisse para, enfim, sair andando.

O meu "nada" tinha um nome: Paolla Oliveira. E era completamente o oposto do que eu havia a categorizado no momento.
Que tínhamos feito a novela juntos e encenamos um casal astronômico era fato, e todos nos aplaudiam pela nossa categoria. Até mesmo eu sou capaz e habilitado de nos dar esse crédito. O que ninguém sabia e talvez jamais saberão foram os ocorridos de fora. Uma sequência de encontros a sós nos camarins foram suficientes para darem início a uma paixão proibida e condenada, destinada de qualquer jeito a um fim. Por semanas eu vivia para a amante que mostrava a cor ao meu mundo, de forma que viver se tornava interessante. Por Bianca, talvez eu fizesse as coisas por gratidão e respeito. Por Paolla, eu faria até mesmo o impossível. As noites que tivemos juntos foram as únicas do ano que pude realmente me sentir nas nuvens, me acendendo uma chama única que pensei ter sentido anteriormente e somente com ela havia sentido. Estava cego e completamente apaixonado. E talvez ainda estivesse louco para tê-la em meus braços como somente minha... Mas resolvi recuar alguns meses atrás, ou seja, lidar com a consequência de um término desconhecido por todos era triplamente complicado.
O dia em que disse que estava impossível carregar o fardo talvez tenha sido o mais insuportável de toda a minha vida. Me sentia culpado pelos boatos que surgiram, ver Bianca sofrendo me trouxe um lampejo de empatia que durara bem pouco. Mas era tarde. O que restava era apenas a saudade que ardia no peito toda vez que sonhava com ela e a culpa por não ser sincero com Bianca.

Já sentados, fui obrigado a ouvir uma das milhões de histórias da minha esposa com a empolgação fingida e seca por dentro que eu poderia oferecer, o sorriso fraco ainda indicava que a briga havia acabado com o ânimo de ouvir ela falando pelo resto do mês.
Meus olhos escaparam novamente e encontraram o meu raio de sol conversando sorridente, seus cabelos acompanhando graciosamente seus movimentos. Ela se deslocou e começou a caminhar. Me fazendo querer pagar pelos pecados, passou por nós e eu senti o perfume dela. O que eu amava sentir em seu pescoço, quando meu nariz passeava livremente em sua pele. Meus dedos coçaram para não segurá-la por um dos cotovelos. Mas a presença privativa da minha esposa me manteve parado na mesma posição, ouvindo mais do mesmo.
Agradeci a Deus quando meus colegas nos interromperam e vieram me elogiar pelo meu trabalho bem feito como Chiclete e como queriam que os outros do elenco ganhassem para representar nossa novela que deu tanto o que falar. Talvez eu tenha me empolgado para me enturmar somente aquele momento de liberdade da prisão e do amor doloroso. Só não conseguia me controlar, meus olhos a seguiam para onde ela ia. E os seus eram igualmente mantidos em mim, com expressões dolorosas e até de duas pessoas esnobes, mal resolvidas.

Apenas a perdi de vista quando vi a produção avisando que logo mais começaria a cerimônia da entrega dos prêmios para os respectivos ganhadores, sendo tirado dali para ficar numa mesa com os meus colegas de elenco que também esperavam um prêmio. E logo a tive de volta no meu campo de vista, no outro lado da mesa, com uma carranca expressa em seu rostinho bonito. Soltei um longo suspiro e olhei para qualquer outra direção, me segurando para não manter qualquer contato que fosse. O medo das faíscas começarem eram grandes, mas algo lá dentro de mim gritava que seria impossível mantê-la longe por tanto tempo.
Prêmios foram, prêmios vieram. Muitos dos meus amigos foram vencedores, e isso me deixou muito contente e até mesmo ansioso para a minha vez. Quando fui chamado pela produção, saí correndo da mesa com o coração na mão e fui me juntar aos outros concorrentes: Armando Babaioff e Malvino Salvador.
Cumprimentei ambos com apertos de mão e interagíamos falando de nossas expectativas, às vezes a câmera pegava e falávamos com o Faustão... Por tabela.
Quando fui notificado que havia ganho o prêmio pela terceira vez, abracei meus companheiros e fui todo desajeitado para o palco, não adiantava, eu sempre ficava sem jeito.

Peguei o prêmio em mãos muito emocionado, ouvindo todo o discurso do Faustão e enfim, tendo minha oportunidade para falar e agradecer com sinceridade.
E além de tudo, deixar uma mensagem nas entrelinhas. Para quem merecia meu carinho.

— Poxa, a Paolla é um presentão. Que honra trabalhar com ela. Numa das primeiras cenas românticas eu tropecei com ela, ela bateu a cabeça no vidro...

— E ela continuou trabalhando com você? — Perguntou o Faustão.

— Ôh, me deu mó força. O que seria do Chiclete sem a Vivi Guedes? — Disse, esperando mentalmente que ela entendesse o recado.

Depois de toda as entregas de prêmios e tudo mais, fomos para a After Party do MDA, onde eu esperava que todos estivessem.
E realmente, todos estavam. A festa estava lotada de pessoas, todos os atores que eu conhecia, tinha afinidade ou não. Uma música agradável tocava em algum lugar e havia uma pista de dança, onde todos se divertiam. As risadas eram contínuas e todos pareciam bem contentes, com minha exceção. Bianca grudada em meu braço e fingindo que estava tudo bem, fazendo a aparência que eu não fazia questão de tentar também.
Ela se aproximou do meu ouvido e seu perfume doce, enjoado e característico dela inebriou meu nariz e me deu certo desgosto.

— Eu vou falar com umas pessoas... Depois te encontro. — Ela beijou meu rosto e eu balancei a cabeça positivamente.

Olhei em volta meio desolado, até que foquei novamente nela. Minha garota linda, com os cabelos balançando e sorriso bobo nos lábios. Senti as borboletas no estômago baterem suas asas contínuamente e meu coração disparar. Ela ativava tudo de romântico em mim. Paolla olhou para mim também, e sinalizou com a cabeça em direção ao banheiro, parecia brava. Mas não estava ligando para isso, eu iria de qualquer forma. Apenas tê-la perto de mim seria suficiente.
Andei em passos rápidos pelas pessoas, trombando nelas de vez em quando e pedindo desculpas todas as vezes.
Quando cheguei lá, ela estava de costas para mim e de frente para o espelho. Sua expressão não era de bons amigos, mas puxei ela com delicadeza por um dos seus cotovelos, virando-a para mim. Mas mantendo a distância respeitosa.

— Por que você simplesmente foi embora? Terminamos, mas não podemos ser amigos, droga? Você é essencial pra mim, Gui. — Ela manteve um tom firme todo o tempo, mas choramingou na última frase.

Continua...

Medo BoboOnde histórias criam vida. Descubra agora