verticordia

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Na penumbra do quarto vazio me recordo
De loucos sonhos eu então acordo
Enxergo os olhos sensíveis em promessa
Que não sentem e dizem com pressa

Os rubros lábios sussurram a canção
De povo antigo, de sombria revelação
E com as pálpebras pesadas se abrindo
Nas sombras vermelhas vem surgindo

O incenso puro e persuasivo
O bater de asas paciente e passivo
As cortinas se abrem para então enxergar
Em meio às sedas, colocando em um altar

Aquilo que se ama, se preza e deseja
Aquele que o seu peito almeja
E a língua que falava em algo venenoso
Se enrola e perde o discurso maldoso

O gelo se parte, o fogo se acende
A névoa leva a fumaça e ascende
Para as estrelas perdidas na imensidão
Diamantes oblíquos na escuridão

O que era cético agora se abre então
Para ela passar, a impiedosa paixão
E quem está por trás, sem misericórdia
A doce e bela deusa Verticordia

Que purifica as almas e corações
A que confunde todas as emoções
Ela passa pelo limiar, em sua túnica
Com seu cetro e seu pêssego, é a única

Um espelho me entrega e faz olhar
Lá vejo tudo que quero encontrar
Os mares perdidos de um reino qualquer
Entrego ao teu puro azul o que quiser

E a Vênus para tua imagem sorri
Neste momento, sei que perdi
Tão facilmente deixei-me levar
Por tuas palavras me deixei cativar

Ela tomou todo meu coração
Entregou a ti, sem contradição
E o que faz, erudito, com o que possui
Não importará, com o tempo não diminui

Agonizo sem ver onde irá parar
Perco a razão em um louco cantar
E tudo que penso me faz enxergar
Aquele que desejo ao no espelho olhar

Não são mais meus olhos aqueles que observam
Não é mais meu corpo, que danças elevam
Não é mais razão, que tomei como minha
Em cristais se torna tudo que eu tinha

Do pêssego provei em uma forte mordida
Entreguei à emoção toda minha vida
Pergunto à deusa que purifica o que farei
Das minhas próprias palavras beberei?

E com elas sufocarei engasgada
Tudo que reprimi a troco de nada
Ah sim, Venus cruel e impiedosa
Criei-me assim como botão de rosa

E agora que se vai com a luz da manhã
Eu pergunto a ela
Por quê tirou meus espinhos?












Consonância (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora