Tudo ou Nada

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Meu nome é Elisa Campbell, 35 anos vivendo à sombra de outras pessoas por decisão minha. Sempre fui tímida e medrosa demais pra me destacar em alguma coisa, esse perfil é um oferecimento da proteção exagerada que eu acabei recebendo dos meus pais. Hoje eles são separados mas antes disso, destruiram o meu psicológico primeiro. Fiz escolhas precipitadas nesse tempo. Conheci um idiota aos dezesseis anos e engravidei. Tive meu filho, que hoje está perto de completar a maior idade, e é completamente diferente de mim. Cresceu sabendo que a vida é dura e não no mundinho cor de rosa em que eu cresci. Sabe lidar melhor com os problemas do que eu.
Me graduei em Administração e hoje sou bacharel mas, apesar de sempre ter trabalhado nessa área, descobri que amo psicologia. Se eu me permitisse sonhar, diria que o meu sonho profissional seria aliar as duas graduações e trabalhar psicologia organizacional nas empresas. Por que? Sou vítima da síndrome de Burnout, uma doença que afeta psicologicamente e fisicamente inúmeros profissionais de diferentes áreas que não lidam bem com pressão e ambientes tóxicos de trabalho. Essa doença me tirou quase tudo, após 4 anos trabalhando nesse tipo de organização que não respeita seus colaboradores. Enfim... Quero e preciso me recuperar! Mas pra isso eu preciso de um emprego e vim pra Chicago nessa intensão. Deixei meu filho em Bluebird City, onde vivem meus familiares. Uma pequena cidade que não me permitiu muitos momentos bons na vida. Meu filho gosta de lá e se deu bem mas eu precisava pelo menos tentar voar em um lugar com mais oportunidades. Saí com as minhas economias e meu fusquinha vermelho, depois do meu filho, a minha segunda paixão.
Divido um apartamento com minha única amiga aqui em Chicago, a Sarah. Temos a mesma idade mas Sarah é infinitamente mais de bem com a vida do que eu. Ela é médica pediatra e ama o que faz. De certa forma, Sarah me incentiva a querer ser uma pessoa um pouco melhor.
Namorei alguns caras depois que o John nasceu mas sei lá... Ninguém se encaixou nessa bagunça que é o meu mundo e sempre aparecia uma mais gostosa e mais interessante do que eu.  Mas antes só do que em péssima companhia. Bom, essa sou eu brevemente apresentada.

Olho pela milésima vez para o meu relógio de pulso e me arrependi amargamente de ter chegado tão cedo para a entrevista. Considerando que eu sou um poço de ansiedade, ficar ali esperando e repassando possíveis perguntas não era uma boa opção.

"Merda! Olha essas garotas. A mais velha delas deve ter o que... Uns 24 anos?"

Essa era a minha quarta entrevista nessa semana e, apesar da cara de paisagem dos recrutadores, eu sei que minha idade tem sido sim um diferencial. Já estava desistindo de processos seletivos na minha área e essa vaga era a minha última tentativa. Caso não desse certo eu teria que repensar toda a minha vida profissional e isso era um gatilho perigosíssimo para a minha síndrome. 
Essa empresa era uma das mais fortes no setor publicitário norte-americano. A vaga? Assistente pessoal do CEO. Se você já leu algum livro sobre chefes e assistentes/secretarias sabe que não existe nada mais clichê, obviamente se considerarmos a protagonista uma menina de 24 anos e um CEO gostosão de 28 anos solteiro e cobiçado. Nem de longe era o caso aqui. O CEO, o Sr. Edward Bradford, era um homem no auge dos seus 45 anos, pai de dois jovens e casado há 22 anos com uma socialite. Pelo que eu pesquisei, porque sim eu sou dessas, é uma ótima família de propaganda de margarina. Eu pesquisei tudo a respeito dele e da Publisher para saber com quem estava lidando antes de entrar naquela sala.
Me arrumei da forma mais formal que eu consegui, pois por mim eu teria vindo com o meu jeans rasgado, a minha camiseta preta e meu all star. Ainda bem que eu tenho a Sarah na minha vida pra me dar uma segurada nessas horas.

- Senhorita Campbell, sua vez. Queira me acompanhar, por favor. - disse a secretaria muito gentilmente. Estranhei, pois ela aparentava já os seus 50 anos mais ou menos. Haveria esperança pra mim? Me levantei tentando controlar o meu nervosismo pela respiração e, sendo fã da área de gestão de pessoas, eu sabia tudo o que um candidato não precisava fazer. Pena que quando é com a gente a coisa fica mais complicada.
Entrei tentando manter uma pose confiante e vi um homem com a aparência bem mais carrancuda do que nas fotos do google.

- Senhorita Elisa Campbell! - disse me apontando uma cadeira. - Sente-se. Temos dez minutos. - assenti me sentando na cadeira enquanto ele se sentava na dele. O observei discretamente enquanto ele tirava seu paletó que deveria custar mais do que a Brigitte, o meu fusca. Era um homem muito bonito, apesar das expressões rudes e cansadas. Os olhos eram de um verde raro e sua boca tinha um formato que lembrava um coração. Nariz perfeito também e o corpo era bonito, forte mas sem exagero de músculos pulando pra fora da camisa social. O conjunto da obra estava em sintonia com a roupa, a postura e o ambiente. Parecia ter sido planejado para aquela vida. Ele olhou meu currículo, que era sim muito bom, e depois me encarou. Por mais enigmáticos, assustadores e... Sedutores que fossem, eu sabia que precisava focar naqueles olhos para passar confiança.
- Então, Srta. Campbell, aqui diz que tem uma longa experiência em setores administrativos de várias empresas. - já ia me sentir orgulhosa mas... - por que nunca parou em nenhum emprego por mais de 4 anos?
- Quando não havia mais engajamento ou algo que me motivasse a ficar eu saía antes de perder meu rendimento.
- Interessante... - olhou novamente para o papel e eu mordi meus lábios nervosa. Ele afrouxou um pouco sua gravata que parecia estar incomodando. - Por que Chicago e por que a Publisher?

"Porque eu preciso pagar as minhas contas sem precisar vender a Brigitte!"

- Bom, vi em Chicago uma oportunidade de crescer profissionalmente e a Publisher pode ser uma excelente porta de entrada. - Merda... Disse que a empresa dele era só um trampolim  para eu me dar bem aqui. Ele me olhou sorrindo irônico. Mais uma entrevista perdida. - olha, eu preciso trabalhar, ok. Essa é a minha quarta entrevista nessa semana e eu não quero voltar pra Bluebird City. - ah, foda-se! Tava cansada demais pra ficar pagando da candidata perfeita. Já tava tudo perdido mesmo então não custava nada tentar me divertir com a cara dele um pouquinho. - sei que não é a resposta certa para uma entrevista mas na minha situação é a ideal. Não sei mais quantas perguntas tem aí no seu roteiro mas garanto que tenho uma resposta maravilhosa pra cada uma delas.
- Se sabe dar respostas tão precisas, Srta. Campbell, por que essa é a sua quarta entrevista de emprego aqui em Chicago? Por que ainda não conseguiu uma colocação. Ou no seu caso, uma recolocação, considerando a sua idade e o tempo que está desempregada? - Filho da mãe, arrogante e idiota! Grosso!
- Justamente por pré-julgamentos como o seu! - me levantei pegando a minha bolsa fazendo ele se levantar também. - Olha, minha experiência ta aí, meu telefone e endereço também. - apontei para o currículo. - se quiser contratar alguém que realmente esteja a fim de trabalhar, sabe onde me encontrar. Desculpa ter ocupado o seu tempo. - quando peguei a maçaneta da porta chique para abrir sua voz me fez virar.
- Começa amanhã às oito, Srta Campbell. Garanto que meu roteiro de entrevistas é diferente de tudo o que a srta estudou na faculdade de administração e iria adorar saber um pouco mais de você se houvesse me permitido. Passe no RH com os seus documentos ainda hoje. - eu estava sem palavras e já nem disfarçava mais a minha cara então ele abrandou o tom de voz e suavizou o olhar. - eu não sei o que aconteceu na sua vida para que você se tornasse tão agressiva e amarga, mas saiba que todos nós temos histórias complicadas. Não é agindo assim que vai provar pro mundo que é capaz. Pode ir.

Saí atônita em busca do elevador e, quando este abriu e me vi sozinha, me permiti deixar as lágrimas caírem. As limpei imediatamente e respirei fundo. Desde quando alguém me jogava as coisas na cara assim? Estava com ódio dele mas no fundo eu sabia que, de alguma forma ele estava certo.

Cheguei morta em casa! Um mix de fome, tristeza e raiva me dominava e até a Brigitte sentiu, pois pirraçou um bocado antes de sair do estacionamento da empresa, despertando alguns olhares curiosos.
- E aí, me conta? - Sarah que terminava o jantar vinha ao meu encontro. - ficou o dia todo fora, Lis! Já estava preocupada. Deixei 200 mensagens no seu Whatsapp. - Uma coisa sobre Sarah: ela fala muito e não tem filtro. Peguei uma cerveja na geladeira, tirei a merda do salto e sentei no sofá da sala.
- Precisava ficar sozinha. Fui caminhar no parque, tomei um café, fui a uma livraria... - bebi um longo gole da minha Heineken enquanto resumia o meu dia após a entrevista.
- Então não deu certo... - disse ela tentando entender tudo. - olha, Lis, é assim mesmo... Tem pouco tempo que você ta aqui e ainda tem parte das suas economias. Quem sabe semana que vem...
- Começo amanhã às oito. - disse me levantando em direção às escadas que davam para os quartos.
- Como assim? Que cara é essa então? - ela me olhava incrédula. - Não era pra você ta tipo feliz?
- Seu jantar ta queimando. - disse parando no meio da escada. - eu só preciso de um banho e da minha cama agora. 

Demorei a dormir tentando não pensar no que me aguardaria amanhã. A primeira impressão que eu causei foi péssima mas, se o Sr. Todo Poderoso, me contratou é porque eu sou uma boa profissional, apesar do meu gênio. Como o dele também parece que não fica pra trás, seria bom tomar cuidado. Definitivamente, não seria ali que o meu Burnout seria curado.

Lis Campbell: Uma Segunda Chance Onde histórias criam vida. Descubra agora