Ciclames

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O silencio predominava, afinal, já era tarde e todos do pequeno vilarejo estavam entregues ao sono. A lua refletia uma luz de aspecto níveo, quase ofuscada pelas nuvens que se metiam na frente dela, contribuindo para a sonolência vir junto com a aura da noite.

Ino ainda não havia conseguido pegar no sono, mas observar a vista desinteressante da janela do quarto em que estava só a deixou ainda mais ansiosa pelo dia seguinte: terminar de comprar tudo o que precisava, deixar encomendas feitas e, finalmente, seguir rumo para casa. Em situações normais, ela adoraria passar uma semana naquele vilarejo fazendo compras e se divertindo, mas algo de errado estava acontecendo em Konoha e, de alguma maneira, ela sentia ter alguma ligação.

Os pensamentos a respeito disso começaram quando ela foi fazer o pedido para a viagem até o local em que estava: ela notou perfeitamente que Kakashi só havia permitido a partida depois que Choji se prontificou em ir com ela. Depois, ela notou a mãe um tanto apreensiva sobre o relacionamento dela, o que não era comum. Quando começou a se questionar o que teria acontecido, ela também percebeu que a todo momento havia alguém com ela.

Poderiam apenas ser suspeitas infundadas, principalmente porque deveria ser apenas preocupação por parte dos amigos e da mãe, devido às mortes estranhas acontecendo, mas algo em sua mente teimava em achar o contrário.

Ela suspirou pesadamente, olhando o lado de fora mais uma vez. Sua percepção sempre indicava que Sai estava por perto em Konoha, ela achava ser apenas coincidência, mas não havia motivos para ele estar lá e, mesmo assim, ela continuava sentindo-o.

— Se nem namorando ele ficava perto, pra que iria vir atrás de você agora, Ino? — a jovem Yamanaka falou para si mesmo, tentando se convencer.

Ela levou as mãos para fechar a janela, mas parou ao notar um movimento estranho: alguém saindo de uma sombra qualquer e caminhando até um dos bancos do jardim da pousada, se sentando de frente para o prédio. A loira chegou a sentir certo arrepio, seja quem fosse, estava olhando para ela agora.

Haviam duas opções: fechar a janela de uma vez, as cortinas, deitar na cama e tentar dormir e parar de imaginar coisas ou ir até lá ver quem era aquele suspeito.

Com um sorriso de canto, ela se preparou para pular a janela, depois de fazer sua escolha. O sorriso se manteve pela distância curta que teve que andar, até ficar frente a frente com a figura misteriosa.

— Eu sabia que era você... — ela ajeitou a franja — Sabia que minha percepção não iria errar tanto.

— E eu sabia que iria vir. — Sai respondeu com um sorriso tranquilo.

— O que quer? — apesar da voz irritada, Ino queria mais sentar-se ao lado dele e agir como se nunca tivessem terminado, mas o orgulho falava bem mais alto.

— Eu não entendi bem o que houve, mas vim pedir desculpas por qualquer coisa que tenha deixado você magoada... — ele olhava um lado qualquer, realmente não havia entendido o que aconteceu entre os dois, mas sabia que não iam bem.

— Se chama aquilo de qualquer coisa! — ela cruzou os braços, tentando controlar a vontade de desferir um soco na face pálida.

O silencio predominou de novo.

Ele realmente não fazia a menor ideia do que teria feito, ou melhor, do que teria feito sem pedir desculpas logo depois.

— Sobre... As mortes? — o rapaz arrisca em perguntar — Eu não tive culpa, foram fatalidades, mas entendo que eu deveria ter avisado...

— As mortes? — o olhar de Ino era de surpresa, os braços foram descruzados e ela se sentou, sentindo as pernas bambas — Por que estaria me pedindo desculpas sobre as mortes?

— Eu deveria ter avisado antes... — ele suspirou, segurando cuidadosamente uma das mãos dela — Eu lamento por não poder contar tudo, espero que confie em mim ainda...

— Contar tudo? — a fala saiu em um sussurro e a loira segurou a mão dele com um pouco de força.

Os olhos azuis fitavam Sai com uma expressão mista de curiosidade e espanto. Não é como se a Yamanaka não confiasse no antigo namorado, mas aquelas palavras só deram a entender que ele havia feito coisas bem mais erradas do que ela pensava.

A verdade poderia ser descoberta de um modo bem fácil, do mesmo jeito que Inoichi fazia nos interrogatórios contra suspeitos, mas Ino não tinha a menor vontade de fazer algo do tipo por três motivos: ainda confiava em Sai; não poderia entrar na mente dele apenas por ter vontade por ser contra as regras do Clã e; por último, se ela realmente descobrisse algo, não poderia guardar para si e teria que avisar ao Rokudaime, para que ele decidisse as medidas à serem tomadas.

— Não precisa contar nada. — a loira tentou sorrir — Vamos mudar de assunto, certo? O que veio fazer aqui, tão longe? — apesar de tentar manter o jeito animado de sempre, ela continuava nervosa.

— Ver você e entregar isso... — ele pega algo no bolço discretamente — espero que goste. — ele puxou a mão dela que segurava, com cuidado, colocando algo pequeno e leve que ela não soube o que seria apenas em sentir — Eu preciso ir agora. — a voz transmitia toda a vontade que ele tinha em ficar.

Ele indicou com o queixo a luz do quarto vizinho ao de Ino acesa. Era o quarto de Choji, provavelmente ele iria assaltar a geladeira, mas com certeza, na volta, ele passaria no quarto da amiga para ver como ela estava.

A garota olhou curiosa para o presente, era uma pequena flor em tom rosa. Depois de um olhar minucioso ela percebeu que se tratava de um cíclame, ainda pequeno, mas que deveria ter sobrevivido à viagem longa.

— Cílames são como pedidos de desculpa, mas por que a cor rosa? — ao não receber respostas, Ino finalmente notou que Sai já havia sumido — Eu deveria estar acostumada... — ela murmurou um tanto emburra.

Flores brancas normalmente eram dadas para amigos, assim como as vermelhas eram normalmente dadas por namorados, talvez a flor rosa fosse uma mistura dos dois. Um sorriso se formou nos lábios da Yamanaka ao pensar sobre isso, e então ela continuou a analise: cíclames são como pedidos de desculpas, em geral por ciúmes e abandono, significando a conformação ou transformação sobre isso.

O sorriso se desfez e ela ficou bem mais séria. Sai não era ciumento, mas sempre a abandonava... por que agora ele iria estar indo atrás dela desse jeito?

Os pensamentos foram interrompidos por uma voz familiar:

— Aproveitando o clima fresco? — Choji falou de forma doce, quase tão doce quanto os bolinhos que ele estava comendo.

— Sim! — ela chegou a dar uma risada, o Akimichi era previsível demais — E você, aproveitando a geladeira estar indefesa?

— Eu fui ver se ela estava bem! — o amigo riu também — Ei, Ino... — ele ficou um pouco mais sério.

— Hun? — ela parou de rir e fechou a mão, deixando a flor protegida pelos dedos e olhou para o rechonchudo.

— Acha que a Karui vai gostar das comidas de Konoha? — ele coçou a nuca, sem graça — É que as comidas de Komugakure são fortes demais e... — ele é interrompido antes de completar a explicação.

— Você só pensa em comer!? — a loira falou irritada, se levantando e cruzando os braços — Deveria pensa nela e não nas comidas! — ela olhou-o zangada, antes de começar a marchar para o quarto, com passos pesados.

Choji ficou no mesmo lugar, terminando de comer seus bolinhos e pensando sobre o futuro. Agora era ele quem estava sem sono.

Crime das FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora