Chris Redfield e Barry Burton estavam recarregando as armas na sala dos fundos do esconderijo
em Paris, quietos e tensos, nenhum deles falando. Foram péssimos dez dias, sem saber o que
aconteceu com Claire, sem saber se a Umbrella a tinha viva...
... pare, sua voz interna disse firmemente. Ela ainda está viva, tem que estar. Considerar a
alternativa era impensável.
Ele vem dizendo isso há dez dias, e já estava cansado. Foi ruim o bastante saber que ela esteve
em Raccoon City atrás dele. Leon Kennedy, o amigo policial dela, tinha escrito para eles sobre seu
primeiro encontro. Ela sobreviveu a Raccoon só para ser seqüestrada por Trent a caminho da
Europa, ela, Leon e os três renegados do S.T.A.R.S.; eles terminaram encarando outro grupo de
monstros da Umbrella, em um complexo em *Utah. Chris não sabia nada disso, achava que ela
estava a salvo estudando na universidade.
Ouvir que ela tinha se envolvido na luta contra a Umbrella era ruim – mas saber que a Umbrella a
tinha capturado, que sua irmãzinha poderia estar morta... estava matando ele, consumindo−o por
dentro. Era tudo o que podia fazer para não invadir o quartel general da Umbrella com
metralhadoras exigindo respostas, mesmo sabendo que isso seria suicídio.
Barry enchia o cartucho enquanto Chris os pegava e embalava, o forte e familiar cheiro de pólvora
no ar. Ele estava aliviado por seu amigo de longa data parecer entender sua necessidade de
silêncio, o constante click−click do recarregador era o único som na sala.
Também era um alívio ter algo para fazer depois de uma semana parado e rezando, esperando
que Trent entrasse em contato trazendo notícias, ou oferecendo ajuda. Chris nunca conheceu
Trent, mas o estranho misterioso ajudou o S.T.A.R.S. algumas vezes no passado, trazendo
informações internas sobre a Umbrella. Apesar de suas motivações serem desconhecidas, seu
objetivo parecia claro o bastante – destruir a divisão secreta de armas biológicas da companhia.
Infelizmente, esperar por Trent era um tiro no escuro; ele sempre aparecia quando era conveniente
para ele, e sem saber como encontrá−lo, a ajuda dele parecia cada vez mais distante. Click−click. Click−click. O repetitivo som era tranqüilizante, um silencioso processo mecânico na
quietude do esconderijo alugado. Todos tinham trabalhos específicos em sua busca pela
destruição da Umbrella, tarefas que mudavam de dia para dia conforme a necessidade. Chris tem
ajudado Barry com as armas na última semana, mas geralmente cuidava da vigilância do quartel
general. Eles receberam uma mensagem de Jill algumas semanas atrás, ela estava a caminho de
Paris, e Chris sabia que sua juventude mal gasta viria a cair bem para reconhecimento interno.
Leon veio a ser um hacker decente, ele estava no computador na sala ao lado; ele mal dormiu
desde a captura de Claire, passando a maior parte do tempo tentando rastrear os movimentos
recentes da Umbrella. E o trio de S.T.A.R.S., que veio com Claire e Leon para a Europa –
Rebecca, do S.T.A.R.S. de Raccoon, e dois S.T.A.R.S. de Maine, David e John – estava
atualmente em Londres, negociando com um vendedor de armas. Depois de tudo que passaram
juntos, os três trabalhavam bem juntos.
Não há muitos de nós, mas temos as habilidades e a determinação. Já Claire...
Com seus pais falecidos, ele e Claire desenvolveram um relacionamento muito próximo, e achava
que a conhecia bem; ela era esperta, durona e independente, sempre foi... mas também era
apenas uma universitária. Diferente do resto deles, ela não tinha nenhum treinamento formal de
combate. Ele não podia evitar pensar que ela teve sorte até agora, e em se tratando da Umbrella,
sorte não era o suficiente.
“Chris, venha aqui!”. Era Leon, e parecia urgente. Chris e Barry olharam um para o outro, Chris
vendo sua própria preocupação espelhada no rosto de Barry, e ambos se levantaram. De coração
na garganta, Chris seguiu na frente pelo corredor até onde Leon estava trabalhando, empolgado e
com medo ao mesmo tempo.
O jovem policial estava de pé ao lado do computador, suas expressões ilegíveis.
“Ela está viva”. Foi tudo o que Leon disse.
Chris nem tinha noção do quanto as coisas tinham sido ruins para ele até ouvir aquelas três
palavras. Foi como se seu coração tivesse sido libertado depois de ter sido preso num torniquete
por dez dias, a sensação de alívio físico como se fosse emocional, sua pele ganhando cor.
Viva, ela está viva –
Barry bateu no ombro dele, rindo. “Claro que ela está, ela é uma Redfield”.
Chris sorriu, voltando sua atenção para Leon – e sentiu seu sorriso sumir ao ver as cuidadosas
expressões do policial. Havia algo mais.
Antes que ele perguntasse, Leon apontou para o monitor respirando fundo. “Eles a prenderam
numa ilha, Chris... e houve um acidente”.
Com um passo, Chris já estava sobre o computador, ele leu a breve mensagem duas vezes, a
realidade dela difícil de engolir.
Infecção a aproximadamente 37S 12W seguido de ataque, motivo desconhecido. Nenhum cara
mau sobrando, eu acho, encurralada no momento. Tome cuidado, eles sabem a cidade se não a
rua. Tentarei voltar em breve.
Chris levantou, olhando silenciosamente para Leon enquanto Barry lia a mensagem. Leon sorriu,
mas parecia forçado.
“Você não a viu em Raccoon”. Ele disse. “Ela sabe se virar sozinha, Chris. E ela conseguiu achar
um computador, não foi?”.
Barry se estendeu, pegando o gancho de Leon. “Isso quer dizer que ela não está presa,”. Ele disse
seriamente. “e se a Umbrella conseguiu outra contaminação, não iria se preocupar com outra
coisa. O importante é que ela está viva”.
Chris acenou ausente, sua mente já pensando no que levaria para a viagem. As coordenadas a
colocavam num ponto incrivelmente isolado, bem no Atlântico Sul, mas tinha uma dívida para
acertar com um velho amigo da Força Aérea, ele podia levá−lo de avião até Buenos Aires, talvez
até Capetown; ele podia alugar um barco lá, equipamento de sobrevivência, corda, kit médico,
muita munição...
“Eu vou com você”. Barry disse, lendo suas expressões rigorosamente. Eles eram amigos há muito
tempo.
“Eu também”. Leon disse.
Chris balançou a cabeça. “Não, de jeito nenhum”.
Ambos começaram a protestar e Chris ergueu a voz para se sobressair.
“Vocês viram o que ela disse sobre a Umbrella estar perto de mim, de nós”. Ele disse firmemente.
“Isso significa que nós devemos mudar, talvez para uma dos estados fora da cidade – alguém tem que ficar aqui, esperar Rebecca e os outros voltarem, e precisamos achar uma nova base de
operações. E não se esqueçam da Jill, ela deve chegar em breve”.
Barry franziu, coçando a barba, sua boca apenas uma linha. “Eu não gosto da idéia. Ir sozinho é
uma má idéia...”.
“Nós estamos numa fase crucial agora, e vocês sabem disso”. Chris disse. “Alguém tem que cuidar
da casa, Barry, e você é o cara. Você tem a experiência e conhece todos os contatos”.
“Tá bom, mas ao menos vá com o garoto”. Barry disse, apontando para Leon. Leon não reclamou
do título, melhorando a postura, ombros para trás e cabeça erguida.
“Se não for por você, faça por Claire”. Barry continuou. “O que acontecerá com ela se você for
morto? Você precisa de um reforço, alguém para segurar a barra”.
Chris balançou a cabeça, imóvel. “Barry, você sabe que isso deve ser o mais discreto possível. A
Umbrella já deve ter enviado uma equipe de reforço. Apenas um, entrar e sair antes que alguém
perceba”.
Barry ainda franzia, mas não pressionou mais, nem Leon, apesar de Chris poder ver que estava
tentando; o policial e Claire tinham obviamente ficado mais próximos.
“Eu vou trazê−la de volta". Chris disse, suavizando o tom de voz olhando para Leon. Leon hesitou,
mas depois acenou, suas bochechas corando, fazendo Chris imaginar o quanto realmente tinham
se aproximado.
Mais tarde eu me preocupo com as intenções dele se voltarmos vivos –
– quando voltarmos vivos, ele se corrigiu rapidamente. “Se” não era uma opção.
“Está decidido”. Chris disse. “Leon, procure um bom mapa da área, geográfico, político, tudo,
nunca se sabe o que pode ajudar. Responda a mensagem de Claire em caso de ela ter outra
chance de ver mensagens – diga que estou a caminho. Barry, eu quero levar muita coisa, mas tem
que ser leve, algo que eu possa escalar sem muitos problemas, uma *Glock talvez... você é o
especialista, você decide”.
Ambos acenaram e viraram para começar, e Chris fechou os olhos por apenas um segundo,
rapidamente fazendo uma oração em silêncio.
Por favor, por favor, fique a salvo até eu chegar aí, Claire.
Não foi muito – mas Chris sabia que teria muito tempo para rezar nas próximas longas horas.
A sala de monitores secreta estava atrás de uma parede de livros na residência particular dos
Ashford. Depois de voltar para seu lar, atrás da mansão de recepção “oficial”, Alfred pendurou o
rifle e imediatamente andou para a parede, tocando a lombada de três livros numa rápida
sucessão. Ele sentiu uma centena de pares de olhos o observando nas sombras do hall de
entrada. Apesar de ter se acostumado com a dispersa coleção de bonecas de Alexia, ele desejava
que às vezes elas não o olhassem tão intensamente. Havia momentos em que ele desejava mais
privacidade.
Enquanto a parede girava, ele ouviu o som dos morcegos escondidos e franziu, apertando os
lábios. Parecia que o telhado foi danificado durante o ataque.
Sem problemas, sem problemas. Preocupações para outro dia. Ele tinha negócios mais
importantes que exigiam sua atenção. Alexia aparentemente se trancou em seus aposentos mais
uma vez, o que era melhor; Alfred não a queria mais preocupada, e a notícia de um possível
assassino em Rockfort certamente a deixaria. Ele entrou na sala secreta e fechou a parede atrás
dele.
Havia setenta e cinco câmeras diferentes que ele podia escolher para observar em um dos dez
monitores na pequena sala – mas a maioria dos equipamentos do complexo foram danificados ou
destruídos, deixando ele com apenas trinta e uma ativas. Sabendo dos tolos objetivos de Claire,
roubar informações e procurar Alexia, Alfred decidiu se concentrar na aproximação dela partindo do
presídio. Ele não tinha dúvidas de que ela apareceria em breve; alguém como ela não tinha os
bons modos de morrer no ataque ou depois... apesar de suas expectativas estarem crescendo
junto com seu interesse no jogo, ele começou a se sentir ansioso com o fato dela já poder estar
morta.
Aliviado, sua aposta inicial estava correta. Outro prisioneiro cruzou o portão principal do presídio,
seguido logo depois pela Redfield. Impressionado com o progresso deles, Alfred observou
enquanto Claire tentava alcançar o jovem rapaz, prisioneiro 267 de acordo com as costas do
uniforme, e não tinha idéia de que estava sendo seguido.
Ao chegar no topo da escadaria depois da ponte, ele parou incerto entre o palácio de recepção e o complexo de treinamento, Alfred digitou 267 no teclado sob sua mão esquerda e achou um nome,
Steve Burnside. Não era familiar para ele, e enquanto o garoto hesitava indeciso, Alfred voltou sua
atenção para a outra detenta, curioso sobre a jovem mulher que seria sua adversária em breve.
Claire estava andando pela ponte danificada sobre o abismo um momento ou dois atrás de
Burnside, andando como uma atleta. Ela parecia bem auto−confiante, cuidadosa, mas sem se
importar com o direito de cruzar a ponte... e também não olhava para a escuridão cheia de névoa
logo abaixo, as grandes paredes do precipício estendendo−se dezenas de metros abaixo, e não
hesitou. Na quente segurança de sua casa, Alfred sorriu, imaginando o delicioso medo dela... e foi
pego lembrando da brincadeira que Alexia e ele fizeram com um guarda uma vez.
Eles tinham seis ou sete anos de idade, e Francois Celaux era o comandante do turno, um dos
favoritos de seu pai. Ele era muito bajulador, um puxa−saco, mas só com Alexander Ashford. Pelas
costas de seu pai, ele ousou rir de Alexia ao tropeçar durante a chuva, sujando seu novo vestido
azul de lama. Tal ofensa não ficaria impune.
Ah, como nós planejamos, discutindo tarde da noite sobre uma punição cabível para seu
imperdoável comportamento, nossas mentes infantis vivas e pensando em todas as
possibilidades...
O plano final foi simples, e o executaram perfeitamente apenas dois dias depois, enquanto
Francois trabalhava como guarda no portão principal. Alfred tinha implorado docemente ao
cozinheiro para levar o café da manhã para Francois, uma cortesia para funcionários favorecidos...
e a caminho da ponte, Alexia adicionou um ingrediente especial à amarga mistura, apenas umas
gotas de uma substância paralisante que ela mesma tinha sintetizado. A droga paralisava a carne,
mas permitia que o sistema nervoso continuasse funcionando, para que a vítima não pudesse se
mover ou falar, mas sentir e entender o que estava acontecendo.
Alfred se aproximou dos portões bem devagar, tão devagar que o impaciente Francois foi ao seu
encontro. Sorrindo, Alfred estava ciente de que Alexia tinha retornado para a mansão e estaria
olhando e ouvindo pelos monitores – Alfred estava usando um pequeno microfone – ele se
aproximou do parapeito antes de oferecer a meia−xícara para Francois. Ambos os gêmeos
observaram deliciados enquanto o guarda bebia. E em segundos, ele estava ofegando, se
apoiando fortemente no parapeito da ponte. Para alguém olhando, parecia que ele e o garoto
estavam olhando para o abismo... exceto por Alexia, claro, que mais tarde disse ter aplaudido sua
performance de inocência.
Eu olhei para ele, para as congeladas expressões de medo em suas indelicadas feições, e
expliquei o que tínhamos feito. E o que iríamos fazer.
Quando ele finalmente entendeu que estava indefeso contra uma criança, Francois conseguiu dar
um leve grito apesar da mandíbula fechada. Durante uns cinco minutos, Alfred xingou alegremente
Francois de cria dos porcos, caipira ignorante e espetou a coxa dele com uma agulha de costura
incontáveis vezes.
Paralisado, Francois Celaux só conseguiu agüentar a dor e a humilhação, certamente arrependido
de sua estúpida conduta contra Alexia enquanto sofria em silêncio. E quando Alfred se cansou da
brincadeira, ele chutou os sujos calcanhares do guarda algumas vezes, descrevendo cada
sentimento seu por Alexia enquanto Francois deslizava paralisado sob o parapeito e mergulhava
para a morte.
E então eu gritei, fingindo chorar enquanto os outros corriam para a ponte, tentando
desesperadamente consolar seu jovem patrão enquanto perguntavam um ao outro como tal coisa
terrível podia ter acontecido. E mais tarde, bem mais tarde, Alexia foi até meu quarto e beijou
minha bochecha, seus lábios quentes e suaves, seus cachos sedosos fazendo cócegas em meu
pescoço –
Os monitores afastaram sua atenção das doces lembranças, Claire parada no mesmo ponto onde
Burnside tinha hesitado. Bravo consigo mesmo pela falta de cuidado, Alfred passou um tempo
procurando pelo jovem machão, passando de câmera em câmera até achá−lo nos degraus da
mansão de recepção. Rapidamente, Alfred checou o painel de controle do console para ter certeza
de que todas as portas da mansão estavam destrancadas, suspeitando de que o garoto
conseguiria se virar bem sozinho –
– e cacarejou de prazer quando viu Claire escolhendo o mesmo caminho que seu companheiro.
O quanto esquisito será seu terror ao implorar por sua vida ajoelhada no sangue resfriado do Sr.
Burnside...
Se ele quiser recebê−los propriamente, ele precisava partir agora mesmo. Alfred levantou e abriu a parede mais uma vez, sua empolgação crescendo enquanto a fechava e ia para o hall principal. Ele
queria muito contar seus planos para Alexia antes de partir, compartilhar algumas de suas idéias,
mas sabia que tempo era um fator –
“Estarei observando, meu querido”. Ela disse.
Assustado, Alfred olhou para cima e a viu no topo da escadaria, não muito longe da boneca gigante
pendurada no teto, uma das favoritas de Alexia.
Ele ia perguntar como ela sabia, mas percebeu o quanto boba a pergunta era. Claro que ela sabia,
ela conhecia seu coração; era o mesmo que batia entre seus seios cor de neve.
“Agora vá, Alfred”. Ela disse, presenteando−o com seu sorriso. “Aproveite por nós dois”.
“Irei, minha irmã”. Ele disse, devolvendo o sorriso, mais uma vez agradecido por ser irmão de tal
criação milagrosa, tinha sorte por ela entender suas necessidades e desejos.
Era como uma distorção bizarra da realidade, Claire concluiu, fechando as portas da mansão. Do
desorganizado frio cheio de morte do presídio até onde estava agora... era difícil de acreditar, mas
não tinha escolha.
O grande, rebaixado e bonito saguão belamente projetado abria−se diante dela com somente
algumas pegadas sujas no chão de lajotas, e alguns borrões de sangue numa das paredes cor de
creme. Havia também algumas rachaduras perto do teto, e uma única marca escura de mão num
dos pilares decorados da parede oeste, gotas de sangue escorridas na base da palma.
Então os prisioneiros não foram os únicos a terem uma péssima tarde. Era classista e insignificante
para ela, mas a fez se sentir melhor saber que os superiores da Umbrellla também levaram um
chute no traseiro.
Ela parou onde estava por um momento, aliviada por ter saído do frio, e ainda chocada com as
diferentes faces do complexo de Rockfort. Atrás dos pilares à sua esquerda havia uma porta azul, e
uma segunda porta no canto noroeste do saguão. Bem à frente havia uma mesa de recepção de
mogno polido e um lance de escada que corria junto à parede da direita levando até o balcão
superior decorado com um retrato estranhamente danificado. O rosto da pessoa pintada foi
arranhada por algum motivo.
Claire desceu os degraus, agachou e passou o dedo numa das pegadas de lama; ainda fresca, e
mais pegadas indo para a porta do canto. Ela não podia dizer se eram de Steve, mas havia boas
chances. Ele deixou um rastro, o portão aberto do presídio e algumas balas fora da mansão, junto
com dois cães mortos. Para um cara certamente perturbado, até que atirava bem...
... então porque estou passando por tantos problemas para ajudá−lo? Ela pensou mau humorada.
Ele não quer minha ajuda, não parecia querê−la, e não é que não tenho nada melhor para fazer.
Quando ele partiu correndo, ela não o seguiu imediatamente, querendo receber uma mensagem de
Leon o quanto antes; ela também se sentiu forçada a vasculhar o escritório em busca de um kit
médico, algo para ajudar Rodrigo, mas não tinha achado nada útil –
“Ajuda! Me ajudemmm!”. Um berro abafado, em algum lugar do prédio.
Steve?
“Me tirem daqui! Ei, alguém me ajude!”.
Claire já estava correndo armada para a porta do canto. Ela pulou na pesada porta de madeira, a
porta abrindo em um longo corredor. Steve gritou de novo, o som vindo do fim do corredor. Claire
hesitou tempo o suficiente para ver que os três corpos no chão não se levantariam mais e então
correu, escolhendo a porta diretamente à frente.
“Socorro!”.
Deus, o que está acontecendo com ele? Ele estava em pânico, sua voz falhando.
Chegando no final do corredor, Claire empurrou a porta e varreu o local com o revólver – e não viu
nada, uma sala com vitrines de vidro e sofás estofados. Um alarme estava tocando em algum
lugar, mas não conseguia ver a origem.
Havia movimento à esquerda. Claire girou, desesperada pelo alvo – e viu que um filme estava
sendo projetado numa tela na parede, silencioso e instável. Um casal de crianças loiras e bonitas,
olhando intensamente um nos olhos do outra. O menino estava segurando algo, algo se movendo
–
– uma libélula, e ele está –
Claire desviou o olhar involuntariamente, enojada. O menino estava arrancando as asas do inseto,
sorrindo, ambos sorrindo.
“Steve!”. Por que ele não gritava mais, onde ele estava? Só podia ser a sala errada –“Claire? Claire, aqui dentro! Abra a porta!”.
A voz dele vinha de trás da tela de projeção. Claire correu pela sala, vasculhando a parede, sem
notar que a criança no filme tinha colocado a libélula torturada num recipiente cheio de formigas e
estavam observando o inseto ser devorado.
“Que porta, onde?”. Claire gritou, correndo suas ansiosas mãos pela parede, empurrando a vitrine
de vidro, puxando a tela de projeção –
– e a tela retraiu, desaparecendo no suporte. Atrás estava um painel, um teclado e seis desenhos
em duas fileiras de três, um botão sob cada um.
“Claire, faça alguma coisa, eu to derretendo aqui!”.
“O que eu faço, como você entrou aí? Steve!”.
Sem resposta, e pôde ouvir o desespero crescendo em sua voz, pôde senti−lo corroendo seu
cérebro –
– concentre−se. Faça, agora.
Claire lutou contra o quase pânico, a clara voz de intelecto em sua mente. Se ela entrar em pânico,
Steve morre.
Não há porta. Só um painel com pictogramas.
Isso, essa era a chave. Steve gritou outro apelo aterrorizado, mas Claire apenas olhou concentrada
para os desenhos, cada um é diferente, um barco, uma formiga, um revólver, uma faca, um
revólver, um avião –
Não eram todos diferentes, havia dois revólveres, porém de diferentes modelos, os botões
etiquetados como “C” e “E”. Nada mais combinava, e sua primeira impressão era de que se tratava
de um daqueles testes de inteligência, em que dois tinham algo em comum. Sem questionar seu
raciocínio, Claire acionou os dois botões, acendendo os dois desenhos –
– e a sua direita, uma vitrine de vidro deslizou da parede. O alarme parou, e um sopro de calor
seco foi expelido da abertura, envolvendo ela. Meio segundo depois, Steve cambaleou para fora e
caiu de joelhos, seu rosto e braços vermelhos. Ele estava segurando um par de armas iguais, o
que pareciam ser *Lugers douradas.
Acho que escolhi os desenhos certos.
Ela se curvou sobre ele, tentando se lembrar quais eram os efeitos do superaquecimento – enjôo e
náusea, ela pensou. “Você está bem?”.
Steve levantou a cabeça para olhar para ela. Com suas bochechas vermelhas e leves expressões
de vergonha, ele não parecia nada além de um garotinho que tomou sol demais. Então ele sorriu, e
a ilusão foi perdida.
“Por que você demorou tanto?”. Ele disse, levantando sem ajuda.
Claire enrijeceu, fazendo cara feia. “De nada”.
O sorriso dele sumiu um pouco e abaixou a cabeça, tirando o cabelo da testa. “Desculpe... e me
desculpe por antes, também. Obrigado, mesmo”.
Claire suspirou. Quando ela decidiu que ele era um total idiota, ele resolve sem gentil.
“E olha o que eu achei”. Ele disse, erguendo as duas armas e mirando numa das vitrines. “Elas
estavam penduradas na parede lá dentro, completamente carregadas e tudo. Legais, né?”.
Ela teve que resistir a súbita vontade de agarrar os ombros dele e chacoalhar. Ele tinha coragem,
ela tinha que reconhecer, e obviamente tinha algumas habilidades de sobrevivência... mas ele não
entende que teria morrido se ela não tivesse escutado seus gritos?
Este lugar deve estar cheio de armadilhas, também; o que eu faço para evitar que ele fuja de
novo?
Ela o viu fingir atirar numa estante, imaginou vagamente se o lance machão era apenas um modo
de lidar com o medo – e uma abordagem diferente lhe ocorreu, uma que tinha chances de
funcionar.
Ele queria bancar o Sr. Cara Durão, que seja. Apele para seu ego.
“Steve, eu entendo que você não quer companhia, mas eu quero,”. Ela disse, fazendo o possível
para parecer sincera. “eu... eu não ficar sozinha lá fora”.
Ela pôde ver seu peito estufar, e sentiu um grande alívio, sabendo que tinha funcionado bem antes
que ele dissesse uma palavra. Ela também sentiu um pouco de culpa por estar manipulando ele,
mas só um pouco; era por uma boa causa.
Além disso, não é exatamente uma mentira. Eu realmente não quero ficar sozinha lá fora.
“Eu acho que você pode vir comigo”. Ele disse expansivamente. “Digo, se você estiver com medo”.
Ela só sorriu, apertando os dentes, ciente de que se abrisse a boca para agradecer, não saberia o que sairia.
“E, além disso, eu sei como tirar a gente daqui”. Ele adicionou, sua pose desaparecendo, seu
jovem entusiasmo voltando. “Tem um pequeno mapa debaixo da mesa da recepção. Segundo ele,
existe uma doca a oeste daqui, e um aeroporto depois dela. O que significa que nós temos uma
escolha, apesar das minhas habilidades de pilotagem estarem um pouco duvidosas, eu escolho
navegar. Nós podemos ir agora”.
Talvez ela o tenha subestimado um pouco. “Sério? Ótimo, isso é...”. Claire parou. Rodrigo, ela não
podia se esquecer dele, nós podíamos carregá−lo até a doca...
“Você não quer voltar comigo para a prisão, primeiro?”. Ela perguntou. “O cara que me tirou da cela
está lá, ele está muito ferido –“.
“Um dos prisioneiros?”. Steve perguntou, animado.
Ô – ou. Ela podia mentir, mas Steve acabaria descobrindo. “Hum, eu acho que não... mas ele me
deixou sair, e eu devo uma a ele –“.
Steve estava franzindo, e ela completou rapidamente. “– e essa parece a coisa, eh, honrável a se
fazer, ao menos levar um kit médico, num é?”.
Ele não estava caindo nessa. “Esquece, se ele não é um prisioneiro, então trabalha para a
Umbrella, ele não merece. Além disso, eles vão enviar tropas em breve; é problema deles,
deixem−os cuidarem disso. Então, você vem ou não?”.
Claire olhou para ele quadrada, vendo raiva e dor em seus olhos escuros, certamente causados
pela Umbrella. Ela não podia culpá−lo pelo que sentia, mas não concordava com ele, não no caso
de Rodrigo. E ela não tinha dúvidas de que Rodrigo morreria antes da Umbrella aparecer.
“Eu acho que não”. Ela disse.
Steve virou, deu alguns passos na direção da porta e parou, suspirando fundo. Ele virou para ela
claramente exasperado. “De jeito algum vou arriscar meu pescoço para ajudar um empregado da
Umbrella, e sem ofensas, mas eu acho que você é totalmente maluca querendo... mas eu vou te
esperar, está bem? Dê um band−aid para ele ou qualquer coisa e me encontre na doca”.
Surpresa, Claire acenou, menos do que ela desejava, porém mais do que ela esperava,
principalmente depois de seu esquisito discurso pessoas−vão−te−desapontar –
– ah!
Pela primeira vez, ela pensou no motivo porque Steve disse todas aquelas coisas, porque estava
negando o trauma do que tinha acontecido, do que estava acontecendo. Ele estava lá sozinho,
afinal... como não abandonar o problema?
Claire sorriu gentilmente para ele, lembrando do quanto se sentiu irritada quando seu pai morreu
quando era pequena. Ser afastado da família não devia ser muito melhor. “Vai ser bom voltar pra
casa”. Ela disse suavemente. “Aposto como seus pais ficarão felizes –“.
A desprezível interrupção de Steve foi imediata e extrema. “Olha, vá para a doca se quiser, pois eu
não vou esperar o dia inteiro, entendeu?”.
Espantada, Claire acenou calada, mas Steve já estava saindo da sala. Ela desejou não ter dito
nada, mas era tarde demais... mas ao menos ela sabia o que não dizer. Coitado, ele deve sentir
muito a falta dos pais. Ela vai ter que ser um pouco mais compreensiva.
Com uma última olhada na pequena sala, Claire foi para a porta, imaginando o que fazer com
Rodrigo. Steve estava certo, a Umbrella já deve ter uma equipe a caminho, eles cuidariam dele,
mas ela queria estabilizá−lo antes de partir. Ela tinha que achar aquele anticoagulante; ela não
sabia muito sobre primeiros socorros, mas ele parecia achar que funcionaria. Ela abriu as duas
portas restantes no corredor a caminho do saguão, parando brevemente na primeira para ver
alguns retratos pintados, algum tipo de galeria histórica de uma família chamada Ashford. Havia
uma urna quebrada no canto, nada interessante. Na outra porta havia uma sala de conferência,
apenas alguns papéis espalhados e silêncio.
Claire voltou para o saguão principal, decidindo olhar o andar de cima antes de voltar por onde
veio; escada acima depois da ponte que levava à prisão – e ela não queria cruzar aquele pesadelo
rangente de novo – ela ignorou uma porta a fim de seguir o rastro de Steve...
Uma pequena luz vermelha no chão chamou sua atenção, como um daqueles indicadores laser,
sua professora de geometria usava uma. O ponto vermelho andou em sua direção e Claire olhou
para cima, acompanhando o feixe fino até –
Gah! Ela procurou cobertura assim que o primeiro tiro acertou uma lajota a centímetros de onde ela
estava, estilhaços de cerâmica voando. Ela se jogou atrás de um dos pilares decorados quando o
segundo tiro trovoou no saguão quebrando mais lajotas do piso. Ela ficou de pé, tentando ficar o mais espremida possível, imaginando se realmente viu o que
achava ter visto – um magro homem loiro usando um rifle com mira laser, vestindo o que parecia
uma jaqueta de clube de iatismo, vermelha, completa com echarpe bufante e tranças douradas.
Como se fosse a idéia de uma criança sobre o que uma nobre autoridade deveria usar.
“Meu nome é Alfred Ashford”, uma irritante e esnobe voz soou. “Eu sou o comandante desta base –
e eu exijo que você me diga para quem está trabalhando!”.
O quê? Claire desejou ter algo brilhante para dizer, alguma resposta rápida, mas não conseguiu
achar nada melhor.
“O quê?”. Ela perguntou bem alto.
“Ah, não há porque fingir ignorância”. Ele continuou, sua voz zombante mudando de lugar, como se
descesse a escada. “Srta. Claire Redfield. Eu sei o que você tem planejado. Eu sabia desde o
começo – mas você não está lidando com qualquer um, Claire. Não quando lida com um Ashford”.
Ele riu, uma alta e afeminada risada, e na hora Claire decidiu que ele era pirado, ela estava
conversando com um maluco.
Isso aí, faça ele falar, você não quer perder a localização dele. Ela podia ver a luz vermelha
tremendo na parede atrás dela enquanto ele tentava manter o pilar na mira.
“Tá bom, eh, Alfred. O que eu estou planejando?”. Ela verificou sua 9mm para ter certeza de que
tinha uma bala engatilhada, o mais quieta possível.
Foi como se ela não tivesse dito nada. “Nosso legado de profunda supremacia e inovação está
além da contestação”. Alfred disse arrogantemente. “Nós podemos traçar nossa hereditariedade
até a realeza européia, minha irmã e eu, e algumas das maiores mentes da história. E eu não
acredito que os seus superiores não te contaram isso, não é?”.
Meus superiores? “Eu não faço idéia do que você está falando”. Claire gritou, observando o ponto
vermelho, decidindo que podia dar uma espiada do outro lado do pilar, talvez dar um tiro antes que
ele a visse. Quanto mais Alfred falava, mais ela sentia que conhecê−lo cara a cara seria uma má
idéia. Pessoas mentalmente perigosas eram imprevisíveis.
Ele tinha mencionado uma irmã... as crianças no filme da libélula? Ela não tinha provas, mas seus
instintos gritavam um grande sim. Parecia que ele não tinha mudado muito. De criança perturbada
para perturbado.
“Claro, se você quiser se render,”. Alfred falou, “eu posso poupar a sua vida. Desde que você
confesse traição a seus superiores –“.
Agora!
Claire levou a mão em volta do pilar, armada –
– e bam, madeira e gesso explodiram perto do rosto dela, o tiro estilhaçando o reboco do pilar
enquanto ela recuava. Ela jogou todo seu peso contra o pilar, sua respiração rápida e seca. Se ele
tivesse sido um fio de cabelo mais preciso...
“Você é uma coelhinha veloz,”. Alfred disse, sua surpresa inconfundível. “ou devo dizer uma rata?
É isso que você é, Claire, uma rata. Apenas uma rata enjaulada”.
Novamente, aquela risada insana e forçada... mas desta vez não estava avançando, e sim
acompanhando ele escada acima. Passos, e então uma porta fechou, e ele sumiu.
Isso não completa bem as coisas? O que seria um desastre biológico sem um doido ou dois? Era
quase engraçado, se ela não estivesse tão assustada. Alfred era um maluco.
Claire esperou um momento para ter certeza de que ele tinha ido embora, e então respirou fundo,
aliviada, mas não relaxada. Ela não iria, não podia relaxar até estar bem longe de Rockfort,
deixando a Umbrella, os monstros e a insanidade para trás.
Deus, ela estava cansada dessa encrenca. Ela cursava o segundo ano de faculdade, ela gostava
de motos e de dançar, e de um bom leite quente em um dia chuvoso. Ela queria Chris, e queria ir
pra casa... e sendo que nenhum dos dois parecia provável no momento, ela decidiu que cederia a
um bom e sólido ataque nervoso, completo com gritos histéricos e socos no chão.
Era quase tentador, mas isso teria que esperar, também. Ela respirou fundo. Alfred tinha subido as
escadas, e Claire achou melhor verificar a outra porta que deixou passar depois da ponte, ver se
conseguia achar algo lá para Rodrigo.
Pelo menos as coisas não vão ficar piores, ela pensou triste, sentindo um estranho senso de déjà
vu enquanto abria a porta principal. Parecia Raccoon... mas aquilo foi muito pior, pior que um
desastre isolado como esse.
Bem diferente.
Claire não tinha como saber o que iria encontrar pela frente, as coisas nem tinham começado a piorar.
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*Utah – Estado dos Estados Unidos.
*Glock – Fabricante austríaca de armas com componentes plásticos.
*Luger – Pistola semi−automática alemã.
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Resident evil 6# Código Verônica
HorrorEm sua luta contra a Umbrella, Claire Redfield invade um prédio da companhia e é capturada, sendo levada presa à Ilha Rockfort, palco de mais um incidente biológico. No sexto livro de sua série, S.D. Perry relata as aventuras da personagem, seu irmã...