Capítulo 8

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Acordei por livre e espontânea pressão. Minha mãe começou a gritar. Já eram 7 horas. Não entendi por que ela achou que eu ficaria desesperada com isso. Pelo visto, o Pedro também tinha acordado atrasado. Assim que eu levantei e olhei pela janela, ele estava correndo de um lado para o outro, pra se arrumar.O lado bom de não ter privacidade é exatamente isso: não ter privacidade. Tomei um banho bem rapidinho e coloquei meu uniforme, que só não era pior porque não tinha uma foto dos meus professores estampada na blusa. Quando eu desci, o Pedro já estava comendo meu cereal. Fomos pra escola, conversamos sobre os meninos, sobre como seria o dia. Ele disse que teria aula e futebol à tarde, e eu perguntei se podia ver ele jogar, só para saber como era. As aulas passaram voando, por incrível que pareça. Quando fui guardar algumas coisas no meu armário da escola, caíram alguns bilhetinhos com uns números que eu nunca vi e uns recadinhos do tipo "Me liga!". Senti muito pelas árvores que morreram e tiveram que ir para o lixo para dar existência àqueles papéis. Almocei na lanchonete da esquina. Eu e o Pedro dividimos uma macarronada; ele pediu outra só pra ele e fomos para a área verde da escola.

– Podemos ficar embaixo dessa árvore?

– Você pode ficar onde quiser, eu vou pro vestiário me trocar; daqui a pouco tem jogo.

– Nossa, morde!

– Tá tristinha? Se consola com seus bilhetinhos... - Ele deu uma risada que, pela primeira vez, me deu vontade de arrancar dente por dente daquela boca gigante.

– Tá com ciúmes?!

Eu ri como se não houvesse amanhã, e ele me ignorou. Quando entramos no ginásio, me senti enrolada em luzes natalinas: todo mundo me olhou. Segurei na mão do Pedro como uma espécie de proteção, mas logo soltei. Não era apropriado. Algumas pessoas ficaram acenando, olhei umas cem vezes pra ver se não tinha alguém atrás da gente.

– Pedro, você ganhou na loteria?

– Você é a nova escolhida.

– Como assim?

– A queridinha e lindinha da escola.

– É por isso aqueles bilhetes no meu armário? E esses meninos me chamando pra sair?

– Exatamente novata gost... – Interrompi ele com um empurrão, carinhosa como sempre... Eu já havia avisado.

– AI, MA!

– Eu avisei!

– Torce por mim?

Ele saiu correndo que nem uma criança em loja de brinquedos, feliz e contente; corria que nem uma gazela, mas era engraçadinho. Caiu umas mil vezes, umas sem querer e outras de propósito. Acontece. Futebol hoje em dia é quase uma arte marcial. Ele fez um gol e disse que era pra mim, mas tinha umas mil meninas atrás de mim gritando o nome dele, então não confiei... Modéstia à parte, ele é bom, porém, pra mim, futebol e nada têm o mesmo significado. Gosto de assistir, mas ainda assim não vejo sentido. Quando o jogo acabou, ele veio me abraçar todo suado, menino nojento! Esperei durante umas duas horas ele tomar banho e sair do vestiário.

O Pedro tem um lado meio metrossexual. Quando saiu, estava com uma cara azeda, disse que precisava me falar uma coisa, mas depois fez sinal pra eu esquecer, ele iria resolver sozinho. Eu não queria saber mesmo. Passamos numa lojinha de doces que tinha uma senhora superagradável, comemos uns bolinhos de caneca e fomos pra casa jogar. Depois que ele me deixou ganhar umas partidas e eu disse que o mérito era todo meu, a gente foi pra minha casa, jantar. Mais tarde ele foi embora e eu liguei pra Mari. A gente conversou sobre como estava tudo lá e aqui. Ela me disse que estava pensando em passar umas semanas comigo; achei ótimo, eu precisava. Ela ficou dois dias falando sobre os meus convites pra sair e sobre os bilhetinhos. Eu ri. A Mari sempre melhorava qualquer situação.A semana foi um saco, as aulas chatas, os dias parados, uns bilhetes no meu caderno, bolinha de papel na minha cabeça, e gente que eu nem conhecia falando comigo. Minha preocupação era tão grande que eu fui plantar uma árvore no jardim de casa. Lá o aspecto estava meio morto.

– Quer ajuda?

– Oi, é... o que você tá fazendo aqui?

– Eu preciso passar por aqui pra ir pra casa. Eu sei que você está me evitando e não te culpo por isso, mas você está fazendo isso errado...

Ele desceu do carro, me viu com aquela jardineira horrorosa, com o cabelo todo bagunçado, toda suja de terra, e riu. Arrumou meu cabelo atrás da orelha, pegou a tesourinha que estava na minha mão e disse que pra abrir o buraco na terra se usava outra coisa, que eu não entendi. Eu estava mesmo irritada com ele, mas não pareceu ter tanta importância ali, naquela hora. Ele plantou a minha árvore, e foi tudo tão fácil e simples como respirar. Só aconteceu. Ele foi embora, eu fui fazer minhas coisas, deitei, e a rotina terminou nessa parte.

Eu não consegui dormir; minha mãe passou pelo meu quarto, disse que era coisa de menina apaixonada. Deus que me livre de uma coisa dessas! Eu sempre fui meio alérgica a gostar de alguém. Penso que é algo que te deixa doente, sem fome, chorando e de cama. Tento evitar.

Tomei um chá bem quente às 1h30, às 4 horas eu já havia desistido de dormir. Tomei um banho e fiz o café. Um tempo depois, o Pedro chegou, e mais um dia iria começar. Era estranho saber que ele iria começar diferente de ontem. Assim que eu cheguei na escola, meus olhos começaram a procurar, por mais que eu soubesse que não havia nada a ser encontrado. Eu não queria achar, pelo contrário, eu queria fugir. Alguns chamam de covardia... Prefiro pensar numa espécie de sabedoria. Melhor prevenir do que remediar.

Nem Todos Os Amores Se Chamam HenriqueWhere stories live. Discover now