Eu ainda estava perplexa. Quanto mais a Júlia falava de como era ser irmã do Henrique, menos eu queria saber. Antes eu tinha ficado animada com a possibilidade de ter uma amiga... Não sei, ao mesmo tempo que era bom andar com meninos, era confuso, porque ou eles te olham com olhos maldosos ou te enxergam como um outro cara com uma garrafa de cerveja na mão coçando o saco. Mulheres são fáceis, previsíveis; homens são um bolo de nó.A gente atravessou a ponte e foi caminhando até a casa da Júlia. Não tinha ninguém lá, mas a porta estava aberta... Aquela também era a casa do Henrique, o que justificava a falta de importância que ele dava a coisas básicas... como segurança.
– Eu já estou cansada de mandar o Henrique deixar essa porta trancada.
– Acho que em todas as poucas vezes que vim aqui, a porta estava aberta.
– É... morar com o Henrique não é só festa.
– Nunca imaginei que fosse... – Rimos.
– Ma, você é uma garota legal... Eu vi o que rolou lá na escola... E não que eu não goste de te ter na família, pelo contrário, acharia incrível, mas o meu irmão não é um cara legal. Eu te falo isso por que já o vi, inúmeras vezes, com milhares de garotas. Ele sempre trata todas do mesmo jeito, e acho que nenhuma nunca se incomodou com isso. Como aluna, sei de no mínimo umas trinta namoradas dele, mas como irmã só conheci a Luísa, que na minha opinião foi a única garota de quem ele gostou; a única que ele, uma única vez, trouxe aqui em casa... e falou sobre nossa mãe na frente dela.
– Como assim, "falou sobre nossa mãe"?
– Minha mãe morreu quando eu era bem pequena. O Henrique e o Bruno, meu irmão mais velho, foram os que mais conviveram com ela. E ele nunca fala sobre ela com ninguém. Pra Luísa, ele só disse que ia visitar ela. E como a garota ficou confusa, ele explicou a história por alto. Juro pra você: foi a única prova de amor que eu o vi fazer. Depois de dois anos de namoro, ela terminou com ele, por fofoca dos outros. E ele, que já era ruim, piorou. Decidiu que ninguém mais inventaria nada sobre ele, porque iria ser o filho da mãe... desculpa o palavreado... que diziam que ele era.
Eu nem sabia o que responder. A única coisa que veio à minha cabeça foi: "Eu sei mais da sua mãe do que você imagina". O Henrique simplesmente tinha me contado muita coisa, talvez não tudo, mas uma grande parte. Eu não sabia se isso queria dizer que ele se importava ou se, sei lá, ele só queria mesmo alguém pra confiar, ou se era só mais uma tática. Ele é tão imprevisível que me faz duvidar.
– E essa Luísa? Estuda lá na escola?
– Não, ela se mudou alguns meses depois que eles terminaram.
– Ah, entendi. Poxa, meus sentimentos pela sua mãe. – fiz que não sabia. Pelo jeito que ela agia, não era um bom assunto para se tocar.
– Tudo bem, eu não lembro direito do rosto dela, só por foto. E eu acho até bom que seja assim. Eu não sou muito boa em sentir, principalmente coisas difíceis como... saudade.
– Nisso a gente se parece. Eu sou uma tragédia quando o assunto é sentimento. Quanto ao seu irmão, foi só uma tentativa de ser amiga de alguém que eu acreditava que existia por trás daquela capa. Não deu certo, eu já aceitei. – Ri uma risada nervosa. Péssima em sentir, em respirar, em mentir... Mais alguma coisa útil em que eu era péssima?
– É só um aviso. Ele estragou a chance de ser seu amigo. Espero que isso não estrague minha chance também. – Ela riu e as mesmas covinhas do Henrique surgiram na bochecha dela... Me sensibilizei. A Júlia era simplesmente a pessoa mais querida que poderia existir no Universo. Ela pedia desculpa por falar palavrão, e raramente falava. Ela era toda certinha, me emprestava os deveres, ria de tudo. Melhor do que isso, ela sabia o quão chata eu era, sabia que eu odiava o irmão dela, mas ainda assim se dispôs a ser minha amiga. Até que há males que vem para o bem.
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Nem Todos Os Amores Se Chamam Henrique
Roman d'amourMaria Alice passa por uma série de mudanças e, no meio de todas elas, conhece pessoas que mudam sua vida - pra sempre.