Capítulo 27

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Fui dormir pensando em maneiras de dar um soco forte que não doesse. Seria bem isso que eu faria se contasse tudo pro Pedro. Decidi andar. Acho que me sinto menos impotente quando estou indo pra algum lugar. Andei a rua toda, depois uns três quarteirões, até que ouvi uma risada irritante o suficiente pra me chamar a atenção. Quando olhei, confesso, me arrependi de ter saído de casa: vi a Mariana no carro do Henrique. Estava escuro, mas eu podia reconhecer os rostos de longe. Minha vontade foi ir até lá e tirar um par ou ímpar pra saber quem era o mais canalha, mas não valia a pena. Voltei pra casa e me senti suja pelos dois. Tomei um banho e tentei dormir, mas não tive êxito. No outro dia, na hora de ir pra escola, o Pedro estava com uma cara toda de neném falando sobre a mensagem que a Mariana tinha mandado pra ele, dizendo que o amava e que no fim de semana queria levá-lo pra almoçar com os pais dela. Que garota falsa! Na verdade nem havia um adjetivo que a definisse.

– Viu, Ma, ela é um amor de pessoa, é só dar uma chance.

Como eu podia machucá-lo com palavras duras? Não dava, não naquela hora. Não seria eu a contar.

– Vi. Aliás, vi bastante coisa. Ela é realmente uma pessoa indescritível. – Sorri docemente, como se fosse um elogio, pelo menos eu não estava mentindo.

Fomos pra escola. Assim que cheguei lá e não vi o Henrique, senti vontade de ir à casa dele só pra dar um soco naquela cara cínica. Enquanto eu montava um ringue na minha cabeça, ele entrou pela porta da sala, mas entrou diferente, com aquele ar de superioridade.

– Bom dia, Ma; bom dia, Pedro.

– Bom! – concordou o Pedro.

– Henrique, preciso falar uma coisa com você, vem aqui fora rapidinho, ainda faltam uns minutos pra aula começar.

– Claro! – Ele estava todo sorrisos; pena que isso acabaria em dois segundos. Arrastei ele o mais longe da sala que eu consegui. Minha expressão foi mudando de adorável pra monstruosa. Ele podia tentar me atingir de todos os jeitos... mas com o Pedro, era sacanagem.

– O que foi aquilo ontem?

– Calma, Ma, eu já te disse que só queria te mostrar a cara que eu queria que tu fizesses quando eu te beij...

– Estou falando da Mariana! – Ele ficou amarelo.

– Que Mariana?

– Para de ser assim! Eu vi tudo ontem. Eu decidi caminhar pra refletir um pouco sobre as coisas e fui surpreendida com... – Nem terminei, ele já havia entendido.

– Ah! Ela que me procurou... Foi lá em casa dizer que tinha esquecido a bolsa, só que ela estava com uma bolsa na mão... Depois disse que estava calor e tudo o mais. A Júlia estava em casa, daí eu disse que a levaria para algum lugar. Eu tentei deixar ela na casa do Pedro, mas tu sabe como ela é. Quando eu vi, a gente já estava três ruas depois da casa dela.

F I L H O D E U M A M Ã E , BA BAC A , INCONSEQUENTE! Não existem adjetivos suficientes no mundo que consigam descrever do que eu queria chamar ele.

– Você sabia que o Pedro gostava dela.

– Ele ainda gosta. E se tu ficar quieta, vai continuar gostando.


– Você tirou todas as minhas dúvidas.

– Como assim?

– Agora eu tenho certeza absoluta de que foi uma aposta e de que nada daquilo foi verdadeiro, foi só um sonho, sabe? Você é exatamente o que aparenta ser agora: alguém que só liga pra si mesmo, egoísta e fútil. Nós nunca seríamos amigos. Se sexo é mais importante do que o fato de que sua atitude vai magoar alguém, você merece exatamente meninas assim... que saiam da casa do namorado pra irem atrás de você passar uma noite rindo, e o resto dela ao lado de quem realmente importa, que por acaso não é você.

– Se conta em alguma coisa, eu não transei com ela.

– Que pena, porque pra mim não conta em nada. Você tem até às 19 horas pra Mariana falar tudinho pro Pedro, ou eu mesma vou dizer o que vi.

– Vá em frente, você sabe que ela não vai fazer isso. Respirei fundo pra não afundar a cara dele na parede e voltei pra sala. Era aula de Filosofia, praticamente aula livre. Sentei ao lado do Pedro e decidi falar tudo. Então fui dizendo e ele ficou olhando pro chão. Não disse quem era o garoto no carro (não queria causar cena nem confusão dentro da escola). Por fim, depois que contei cada partezinha da história, ele olhou pra mim, riu e disse a frase que me fez nunca mais querer olhar na cara dele:

– Você espera mesmo que eu acredite nessa sua invenção? Todo mundo sabe que você estava com ciúmes da Mariana. Você só está falando isso porque está sozinha agora. Descobriu que o Henrique é um babaca, que a Júlia é irmã dele e que eu não tenho todo o tempo do mundo pra você. Até entendo que fique brava... agora inventar esse tipo de coisa, é demais.

ENTÃO VAI SE FERRAR, BABACA! FICA COM ESSA GAROTA E CONTINUA SENDO CORNO PRA SEMPRE! Era tudo o que eu queria dizer, mas eu só balancei a cabeça e voltei pro meu lugar. Ele saiu da sala e o ouvi falando com a Mariana. Por fim, ele disse: "Eu sabia que era mentira!", e voltou pra sala. Eu sabia que passaria por mentirosa. Gente apaixonada é burra. Graças a Deus sou imune a essa doença. Eu queria chorar, gritar, bater no Pedro por ele ter sido tão idiota, mas eu só fiquei brava e quieta no meu lugar.

– Ele não acreditou, né?

– Não.

– A Mariana é boa em mentiras.

– Você também. Isso não é nenhuma novidade nesta cidade. Agora dá pra prestar atenção em alguma coisa que não seja a minha vida?

– Eu só queria ajudar.

– Então para de tentar, porque obviamente você não consegue.

Que ótimo que ele queria me ajudar. Ele podia me dar um milhão de reais e uma casa imensa. Algumas garotas querem ter amigos legais, pessoas que confiem nelas, alguém pra gostar e fins de semana que arranquem sorrisos. Mas... e eu? Eu não, só a casa e o dinheiro estavam de bom tamanho pra mim. Na hora da saída, a Mariana apareceu na escola, olhou pra mim com ar de deboche e saiu com o Pedro. Fui pra casa sozinha, mas só até a metade do caminho.

– Ma!...

– Oi!

– Você contou pra ele?

– Contei.

– Ele vai acabar percebendo, não fica assim...

– Eu estou assim porque percebi quem ele é. A Mariana não é problema meu, só ele era.

– Ele só ficou daquele jeito porque sabe que pode ser verdade e não quer enxergar. Dá um tempo pra ele. Você vai ver que ele ainda vai ficar com uma garota que faça ele feliz.

– Tanto faz sabe, Ju? Eu só quero que esse aperto no peito passe e tudo se acalme. Ah, amanhã minha melhor amiga vem pra cá. Acho que vocês vão se dar bem.

– Aí, é uma ótima chance pra você se distrair.

– É, talvez seja. Não me leva a mal, mas eu preciso ficar um pouco sozinha, tá?

– Têm um ônibus com o número 1847... ele é de passeio e sempre vai pra uma cachoeira. Depois da árvore de flores amarelas, tem uma cabana com um laguinho do lado... é perto daqui... Talvez você goste de ir lá pra pensar. Eu faço isso quase sempre, funciona.

– Obrigada.

– Vai ficar tudo bem.

– Eu só espero que ele entenda.

– Na hora certa, vai entender.

A Júlia não parecia uma criança. Na verdade, ela era a única adulta por ali.

Nem Todos Os Amores Se Chamam HenriqueWhere stories live. Discover now