Capítulo 11

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Cheguei em casa e senti uma vontade absurda de tocar violão. Isso só acontecia quando eu estava feliz, mas preferi pensar que era falta do que fazer. Minha mãe ligou para avisar que chegaria tarde, pensei em ver filme de terror, mas sou muito medrosa pra isso. Apesar de ter TV a cabo aqui em casa, não gostei de absolutamente nada do que havia na programação. Coloquei uma roupa quentinha (o frio não dava trégua) e fui a uma locadora. É bem no fim da rua, depois dos prédios e da última casa. Me apressei. Liguei lá pra conferir se estava aberta. Com a minha sorte, era bem capaz de não estar. Descobri que era uma locadora 24 horas. Que eficiente! Aluguei Se ela dança, eu danço, 1, 2 e 3. Estavam numa promoção. E são os meus favoritos. Sempre tem aquele filme que a gente não cansa de ver. Comprei uma pipoca de micro-ondas, daquelas com manteiga de cinema, pra quê melhor?! Fiz um chocolate quente (não era o mesmo sem a Mari, mas eu tentei), me esparramei no sofá, achei a melhor posição, mas quando dei play, a campainha tocou.

– JÁ VAI!

Todas as pessoas normais olham primeiro quem é e depois abrem a porta. Depois desse dia, eu realmente aprendi a fazer isso.

– Oi...

– Cara, a gente se viu não tem nem trinta minutos, que foi?!

– É que eu vi você passando em frente a minha casa, correndo... Só queria saber se está tudo bem. O carro da sua mãe não está aí, imaginei que ela não estava em casa... De qualquer jeito, está tudo bem?

– Me senti espionada agora. – Ri desconcertada.

– É que você é mulherzinha demais pra ficar sozinha.

Quando ele disse isso, fez um barulho MUITO alto de trovão, e pela primeira vez vi uma pessoa mudar de cor em segundos. Ele ficou amarelo, parecia que ia desmaiar.

– Tá tudo bem?

– Claro, só não curto esses raios, sei lá, parece que vai cair alguma coisa em mim.

– Bom, no momento, a única coisa que pode cair em você é água...

– Por falar em água, me dá um copo d'água?!

– Já experimentou abrir a boca e virar o rosto pra cima?

Abri a porta e fui em direção à cozinha. Ele veio atrás, de intrometido que é, e ficou observando minha casa.

– Legal aqui.

– Também acho, mas não tem muito a minha cara, é executivo demais.

– Sua mãe que escolheu?

Assenti. Outro trovão. Esse veio com um raio que clareou a casa toda, foi muito forte. O Henrique suspirou, meio nervoso. Eu ri. Ele sabia o porquê da minha risada e riu também.

– Quando eu era pequena, tinha medo de raios também, mas depois meu pai me disse que eles não iam me machucar... Acreditei.

– Quando eu era pequeno, meu pai viajou e me esqueceu. Estava chovendo muito, um raio bateu na árvore que tinha no meu jardim e ela caiu na direção do meu quarto. Levei uns pontos por causa do vidro que voou longe, e até hoje não sou fã de chuva, raios... nem trovões.

– Como seu pai te esqueceu? – perguntei um tanto quanto horrorizada.

– Geralmente minha mãe lembrava das crianças; e meu pai, de regular o carro, quando a gente ia viajar. Depois que ela morreu, ele ficou meio perdido.

– Deve ser difícil pra ele também...

– Deve ser. Mas se é, ele não mostra... A gente não se bate muito, sabe?

– Eu também não era muito fã da minha mãe, mas percebi que isso era porque nós duas éramos completamente iguais. Vai ver é esse seu problema com seu pai. Mas qualquer dia desses vocês vão sentar juntos e rir das coisas.

– Você fala como se me conhecesse... – Ele riu e depois suspirou.

– Eu conheço.... não você, mas o seu tipo.

– E que "tipo" é esse?

– Que não se apega, que manda todo mundo pro espaço e só liga pras próprias vontades; tem mil colegas, porém nenhum amigo; faz o que quer... e pra não sentir saudade do que não está ao alcance, prefere não ter as coisas e nem as pessoas, porque acha que elas sempre vão embora. E você desconta suas frustrações no mundo; e bebe o dia todo, pra não se prender em uma linha de raciocínio que te leve a refletir; além de brincar com todas as pessoas, não importa em qual situação. E quando você já está cansado de tanta ressaca, fuma, mas você nem gosta de cigarro, é só porque dizem que acalma. No fim da noite, quando deita pra dormir, percebe que não é diferente de ninguém, exceto por ser mais babaca, e sente vontade de mudar, mas seu ego te acomoda e você se recusa a sair da zona de conforto. Acertei?

– Não.

Eu tinha acertado, porque ele ficou pensativo por uns cinco minutos, depois voltou a rir e fazer graça de tudo... Tão Henrique.

– Então... você bebeu a jarra de água praticamente toda, já pode ir.

– Eu já te disse que amo pipoca?

– E eu já te disse que sou egoísta? E que não gosto de você?

– Que filme é esse?

Ele se sentou no sofá como se estivesse em casa.

– SAI DAQUI! Como você é chato! Qual parte do "colegas" você não entendeu? Ainda não quero ser sua amiga.

Começou a trovejar com muita frequência. Até eu estava ficando assustada. Chuva sempre me deu um certo medo que eu nunca expresso.

– Você disse que eu só tenho colegas, e eu costumo ir sempre na casa deles. Deixa eu ver o filme com você, daí se hoje for muito chato e você perceber que eu sou insuportável, eu aceito a condição de "colegas" e não te perturbo mais, combinado?

– Combinado, mas com uma condição...

– Qual?

– Se durante o filme você abrir a boca, encher o meu saco ou comer minha pipoca, você tá fora.

– A parte da pipoca é sacanagem.

– Tá, pode comer a pipoca, mas silêncio, ok? E nada de ir comentar sobre isso com seus amiguinhos, só estou sendo agradável com o seu medo de chuva.

– Não é medo.

Ri e dei play. Assistimos aos dois primeiros filmes com muito vigor, mas na metade do terceiro já estava muito tarde, e eu derrotada, morrendo de sono. Acordei com a televisão desligada, uma coberta fofinha em cima de mim e um bilhetinho na tela do meu celular, um desses lembretes que dizia: "Você dormiu, então não vi problema em comer o resto da pipoca. Você perdeu a parte em que eles dançam, é a melhor. Sua mãe ligou, mas não atendi, aí ela deixou uma mensagem na secretária avisando que já estava chegando. Pra você ver o quanto eu sou legal, tranquei a porta e pulei a janela. Não quero que você seja assaltada. Boa-noite. Até que não foi tão ruim assim. E você ronca, mas não conto se você não contar sobre a chuva pra ninguém".Confesso que tinha sido legal. A gente brigava mais do que ria, mas eu me diverti. Sabia que ele ia acabar com minha pipoca... Esses meninos magros demais são um problema. Eu ia subir pro meu quarto, mas o sofá estava acolhedor. Acordei com um beijinho da minha mãe, mas nem abri os olhos. O feriado estava interessante. Eu nunca pensei que um dia diria isso, mas até que não foi tão ruim assim conhecer o Henrique e os defeitos dele.

Nem Todos Os Amores Se Chamam HenriqueWhere stories live. Discover now