Noite XX

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Escuto um alarme de longe. É noite, aqui sempre é noite. Estou no quarto azul, as luzes estão apagadas, não há como ter certeza se ele ainda é mesmo azul. Estou longe do conforto, longe da rotina, longe do sono, longe de mim. Tão longe de mim, pois longe de tudo que mais amei eu me mantenho. Apática. Sem fome, sem falta de apetite, sem dores, sem risos; enérgica e com sono, exausta e com insônia. Acordada. Independente de tudo, estou acordada.

O corpo dói, a cabeça dói, a alma dói. Ouço barulhos e é apenas quando ouço os barulhos, que meu tormento começa. Gostava da noite, costumava dormir exausta depois de um longo dia, costumava acordar com os restos da noite ainda em voga... Agora já não gosto mais. Estou sempre cansada, não a ponto de ficar exausta, não a ponto de cair no sono. E os barulhos... Eu fico imaginando o que são.

Às vezes parece que são nuvens gigantescas trazidas por fortes ventos que vão soprar as casas da terra. Às vezes parece que são essas mesmas nuvens que estão prestes a engolir o mundo inteiro num único movimento de sua bocarra. Ou podem ser os céus se abrindo, ou o mundo fechando a cara, ou só o tempo fechando. Ou OVNI's se aproximando. Ou um foguete caindo. Não, o barulho não é tão forte assim... Bom, talvez um avião. Espero que não esteja caindo. Espero que os passageiros estejam bem. Por que ouço tantos aviões ultimamente?

Escutei uma moto. Tudo bem. Ainda estou na Terra, ainda estou aqui e talvez o mundo ainda seja mundo. Acho que estou muito mais perto da estrada do que eu imaginava. Acho que antes só estava cansada demais para ouvir os caminhões. Mas tem muito mais caminhões e carros do que normalmente. Ou estarei eu errada? Ou talvez todos estejam fugindo escondido durante a noite e eu estou sozinha, acordada, escutando enquanto executam seu plano de fuga. E como, como os caminhões nas estradas parecem os aviões nos céus?

Acho que esqueci como é o barulho sob o asfalto. Os motores, as buzinas, o vento batendo nas janelas, tudo aquilo que era bom, embora ensurdecedor. Agora eu estou aqui, longe dos carros, com medo deles, imaginando mil coisas, sem dormir.

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