Vinho & Bolo

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Nossos amigos estão comprando vinhos caros e se aprontando para as próximas importantes noites da existência humana, isso, se você considerar que todos os seres humanas, de um jeito ou de outro, são amigos uns dos outros por se tratarem da mesma espécie, o que não é bem verdade... Mas nossos amigos, para usar o termo mais polido, estão comprando vinhos, talvez não caros, e se aprontando para as próximas importantes noites da existência humana. Não que faça mal o vinho em si, não que faça mal a festa, o que faz mal é outra coisa.

O nível de insanidade em que chegamos é absurdo. Insanidade e histeria. Qualquer pessoa que se diz hoje absolutamente feliz está mentindo e quem realmente acredita que está tudo bem não passa de um histérico. Mas nossos amigos continuam comprando vinhos caros para as festividades...

Nos últimos dias pensei muito sobre o que escrever, o que eu geralmente faço muito, por ser parte do ofício, e o que faço com mais frequência quando me sobra tempo, sobretudo em quase meios de dezembros, que é o período em que estamos. Agora você sabe exatamente o que quero dizer. Mas pense você, no meu lugar, se pondo a escrever qualquer coisa nesse período de absurdos e encontrando entraves tão grandiosos quando a própria humanidade. Não se pode ser sério demais, banal demais, alarmado demais, leviano demais... Não se pode escapar por completo, não se pode  ser real demais, até porque em matéria literária tudo o que se escreve sempre será real de menos.

Eu imagino o que poderia divertir os outros, sendo que pouca coisa agora me diverte. Eu penso em escrever um romance, penso em rascunhar um poema, penso em escrever um roteiro de cinema. Acredita? Imagine tal coisa. Certa vez, li que um diretor de cinema, sempre em duelo com os críticos, disse que se os filmes dos outros eram pedaços de vida, os seus eram pedaços de bolo. E me pus a pensar amargamente no que essas pequenas fatias de divertimento poderiam significar.

Gosto de cinema. Gosto muito. Não sei se o entendo. Porque não o faço, se o fizesse talvez entendesse mais. Mas gosto de assistir. Gosto de assistir desses filmes, pedaços de bolo, sem cor, sem pé na realidade, ainda que com um dos olhos voltados para ela, filmes mais mentirosos do que as coisas que costumo escrever ou pensar. As pessoas precisam de pedaços de bolo ou pedaços de vida? E eu me sentiria culpada de poder oferecer só uma dessas fatias? Ou eu seria o suficiente para poder oferecer tudo? E o que é esse tudo? E o que é essa função que tento buscar nas coisas sem função nenhuma?

Mas como eu posso oferecer o pedaço de bolo para quem não tem as coisas primeiras do pedaço de vida? E como eu posso querer oferecer um pedaço de bolo aos nossos amigos compradores de vinho? Eles já têm o vinho! Eu não tenho a droga do vinho e aposto que você também não. E eles não nos darão uma única gota!

Droga! O que eu estava dizendo?

Mentiras Do Tempo Fugido Onde histórias criam vida. Descubra agora