Insônia

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De noite tudo parece igual. O mundo parece ausente de qualquer letalidade. As almas grudam nos corpos com a calmaria dos sonos, ao passo que muitas delas se descolam na mesma calmaria, na mesma velocidade. O silêncio impera como uma força que vem de cima para baixo e vai atingindo as pessoas, mas não todas elas, pois ainda ouço os sussuros, ainda ouço vozes e cânticos de anjos. E sei que cada um que esteja com insônia nessa noite não tem silêncio, cada um escuta a sua própria súplica.

Uma memória cruza os meus olhos cansados, uma visão daquele mundo que me causava encantamento e repulsa. Sinto saudade de repelir a multidão e caminhar na direção daquilo que me encanta. Já esqueci o gosto de tantas coisas, já esqueci as cores dos lugares que eu frequentava. Tudo o que eu faço é o que eu fazia e tudo o que eu amo é passado. Mas ainda lembro dos rostos, das suas vozes e seus trejeitos, porque tudo o que eu amo ainda existe, mesmo que esteja do outro lado da cidade.

Estou no lugar errado, assim como muitas outras coisas. E sei que nunca mais vou conseguir descansar no lugar errado, nunca mais vou dormir. E sei que não vou conquistar a calmaria que se conquista nos sonos... Vou me mantendo com as memórias que tenho ao meu dispor, com as vitaminas que tenho para tomar e com as coisas que preciso fazer...

O que eu tenho é um passado estranho, imperfeito e confortável. O que eu tenho é uma visão de um futuro estranho, esperançoso e idealizado. O meu presente não é nada, o meu agora não existe e o tempo não passa. As horas morrem, mas a semana é a mesma, o mês acabou e ainda há a terrível eternidade. A cada dois dias mal vividos, eu atravesso quatro noites
de insônia... E não há nada além da insônia. E atrás dela outra insônia. Nunca mais irei dormir.

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