SER/ESTAR nos outros

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Quando o mundo ainda era mundo, eu costumava pensar que eu sabia escrever sobre outras pessoas e me achava incapaz de escrever sobre mim mesma. Mas agora, observando quantas vezes "eu" aparece nesses meus últimos textos, penso que talvez eu tenha escrito sobre mim mesma esse tempo todo. Nos últimos tempos, estive dentro de mim mesma mais do que em qualquer outro lugar, costumava estar nos outros, nas conversas, nos olhares, nos ouvidos, nessas coisas que eu, curiosa, apanhava no ar. Costumava estar nos outros nos corredores, nas bibliotecas, nas calçadas das ruas que aprendi a amar, no outro lado das longas mesas. Agora tudo isso que estava fora, está dentro. Tudo que antes eu olhava para fora para ver, eu olho para dentro. É assustador como a memória funciona quando nós sentimos um aperto no peito.

Antes, eu quase não sentia nada, me distraia estando nos outros e às vezes até me irritava quando acabava por estar muito neles, eu os ouvia muito. E eu ainda os ouço muito bem. Ouço demais. Acho que mesmo sendo eu, eu consigo ser os outros, talvez com menos intensidade do que era antes. Eu costumava ser os olhos em todo lugar, principalmente no papel, principalmente nas inventanças da vida, quando eu contava uma história em que eu era eu, e mesmo sendo eu, eu era outra, porque tudo o que eu conto é mentira. E se eu existo aqui, de verdade, toda vez que eu registrar essa verdade, essa eu não será eu, essa eu, será outra.

Acho que passei muito tempo aqui dentro. Eu gostava de estar lá fora. Gostava de estar nos olhos outros, de ser eu com eles, de ser eles comigo e de ser eles com eles. Agora eu sou só eu comigo. Agora eu só sou eu. E é exaustivo. Mas eu não consigo ser outra coisa. É exaustivo para você?  Eu quero estar nos outros, estar pelos outros. Eu tenho medo de ficar tão presa ao que está aqui dentro, que eu nunca mais consiga estar em qualquer outro lugar menos exaustivo. Quanto mais tempo eu fico aqui dentro, mais eu quero estar: fora de mim.

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