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Dan pega a minha mala e leva para o quarto de hóspedes.

— Cadê a tia Rachel? - pergunto.

— Trabalhando, só volta no final de semana. - responde - Quer me contar o que está acontecendo ou terei que tirar a informação a força? - pergunta ao me guiar até a cozinha pra servir o café da manhã.

Embora esteja acabada por conta da viagem longa e do fuso horário, devoro as panquecas enquanto conto literalmente detalhe por detalhe de tudo que vem me incomodando desde o estupro.

Acabo incluindo situações que aconteceram antes, e quando termino de falar é como se tivesse tirado um peso enorme das minhas costas.

Daniel escuta tudo atentamente enquanto se reveza entre prestar atenção no forno e em mim, e eu sorrio, sabendo que tia Rachel odeia papai pelo motivo mais plausível do mundo: o machismo.

Não lembro muita coisa sobre minha tia ao longos dos últimos anos, porque papai a pintava como o próprio diabo, entretanto eu sei que ele falava que ela não presta porque ela assim como eu, foi estuprada e gerou Daniel.

Pois é.

Arranquei essa informação de mamãe alguns anos atrás quando insisti sobre papai ser muito machista e ela negou, defendendo ele.

Por um tempo também julguei minha tia, mas agora que sei que não é bem assim que as coisas funcionam, sinto nojo do meu progenitor.

Agora fico pensando como Daniel se sente quando se dar conta de que foi gerado a partir de um ato violento e, me sinto um pouco grata por não ter ficado na mesma situação que tia Rachel.

— Você é a vítima, Camila. Seu pai é um monstro que não merece viver em sociedade por que só serve pra fazer garotas incríveis ficarem tristes. - garante - Mas você precisa saber pisar nele. Com força. - sorri e eu rio do seu jeito de falar.

— Só de está longe daquele lugar já me sinto melhor. - confesso.

— Ótimo, porque pelos próximos 15 dias faremos bastante coisa pra ocupar essa cabeça e te fazer entender que é maravilhosa. - diz.

Shawn
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Sete dias sem nenhuma resposta da miúda. Porra. Com certeza falei o que não deveria. E o pior é que nem posso despencar para Toronto e dar um jeito de vê-la.

Tudo o que posso fazer é falar com Lara, que também não sabe nada. Só que ela sumiu e deixou o telefone em casa.
Sabia que ela estava mentindo quando disse que estava bem. E agora simplesmente foi embora.

— Hora da entrevista, garoto. - Jamie diz e eu assinto.

Trabalho totalmente no automático.
Nunca pensei que uma mulher poderia me deixar deste jeito, tão desnorteado.

Respondo as perguntas de sempre e odeio ter que repetir as mesmas respostas das mesmas coisas.

Quando a sessão com os jornalistas terminam, corro pra pegar minhas coisas no hotel antes de embarcamos para o show em Londres.

Converso com meus pais por alguns minutos via chamada de vídeo antes de sairmos e durmo durante boa parte da viagem.

Sou recebido por dezenas de fãs no aeroporto e sorrio enquanto atendo cada uma. Infelizmente tenho que sair quando aparece cada vez mais gente.

Antes de ir pro hotel, concluo algumas coisas com Jamie, que parece irritado com o não fechamento do show que está para ser marcado num evento no Brasil.

— Se não der, não tem problema. - falo.

— Claro que tem problema, Shawn. Se você não chamar tanta atenção, tudo vai acabar. - ele diz e eu balanço a cabeça.

Discutir com ele é perda de tempo e eu já tenho coisas demais rondando minha mente perturbada.

A miúda foi embora, e eu me sinto culpado por não sei o que.

Preciso compor e agora estou com bloqueio.

Tenho que dar mais atenção a minha família e nem sei como.

Preciso voltar a terapia, mas não consigo.

É muitas coisas me deixando preocupado e nenhuma atitude sendo tomada pela falta de tempo.

Agora mesmo estou encarando a vista deslumbrante de Londres e implorando ao cara lá de cima para que a miúda me contate em algum momento.

Só queria saber se ela está bem, onde quer que esteja. Sei que não posso entender como ela se sente, ou tudo o que passou com aquele crápula que chama de pai.

Não serei hipócrita de dizer que compreendo, porque a minha família nunca foi disfuncional, mesmo com os defeitos. Perto do que Camila deve ter enfrentado durante toda a vida dela eu vivi no paraíso. Mas nenhum de dois ficou imune aos problemas, certo?

Deitado na cama a preocupação com a miúda fica cada vez maior. Só queria que ela me dissesse que está bem, e eu a deixaria em paz até achar que está bem.
Daqui a dois minutos completará oito dias sem nenhuma notícia dela.

Lara estava em prantos, e Brian ficou com ela o tempo inteiro, tentando fazê-la entender que Camila precisava de um tempo sozinha.

Não a culpo porque eu também me encontro nesse dilema, e as vezes sinto que não fui bom o suficiente pra fazê-la ficar, embora não tivesse ideia de que ela estava planejando ir embora.

Agora o que me mata é o fato de não saber se ela vai voltar. Do jeito que tenho azar com qualquer mulher não seria surpresa perder a que eu amo desse jeito.

Não vejo a hora de subir no palco amanhã e por duas horas esquecer de tudo isso, enquanto me perco na música e na conexão com meus fãs.

Duas horas extasiado é tudo o que estou precisando no momento, enquanto nada mais é certo.

Olho para o relógio, já passou de meia-noite.

Oito dias.

Eu sinto muito a falta dela.

Saio da cama e vou até a sacada do quarto. O vento gelado me atinge, mas sequer sinto frio enquanto encaro a cidade adormecida.

Não consigo dormir nem depois de ter tomado o remédio.

Odeio essa inquietação e sensação de que tudo vai ruir a qualquer momento.

Quero voltar pra casa, pra minha família e me sentir acolhido, mas isso não parece certo quando a miúda surge em meus pensamentos, desejando o mesmo, mas não tendo uma família para lhe acolher.

Queria que ela conhecesse meus pais e a minha irmã. Que soubesse como é bom ter pessoas boas ao seu lado, porque parece que Lara, Brian e eu não fizemos o suficiente. De alguma forma acho que ficar sem a gente pode ser bom pra ela. E isso dói.

The Way I Loved You [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora