Cap.1

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Luara

 

Mãe:
Oi, meu amor
Como você tá?
Já arrumou algum emprego?
Tá precisando de ajuda?

Leio a mensagem da minha mãe pela a tela de bloqueio e solto um suspiro cansado. Coloco o meu celular dentro da bolsa, não tô com cabeça pra responder ela. Já se passava das sete da noite, o ônibus estava lotado de pessoas cansadas do trabalho e jovens estudantes.

Fui demitida do meu emprego antigo, a clínica na qual eu trabalhava sofreu uma grande crise. Sem pacientes, o dinheiro foi diminuindo cada vez mais até não dando para pagar as contas. O estabelecimento fechou e agora estou praticamente na rua. Desde que soube da notícia que a clínica iria fechar, comecei a correr atrás de emprego. Entrego meu currículo em todo lugar possível, mas nunca me ligam de volta. Arrumar emprego hoje em dia tá realmente muito difícil.

Desço do ônibus respirando fundo. Meu apartamento fica algumas ruas do ponto em que eu parei, o que é bom, já que não tem muito perigo para voltar pra casa essas horas. Estou uma pilha de nervosos, minhas pernas e costas doem como se um caminhão estivesse acabado de passar por cima.

   A música do meu fone muda para Saudades do Tempo de Maneva. Ainda é cedo, a rua está movimentada como nunca. Sexta-feira, os bares já começam a encher mesmo não sendo ainda fim de semana.

   Mal coloco os pés no prédio e a dona Carla aparece na minha frente igual uma assombração. Coloco as mãos no peito respirando fundo, ela realmente sabe como assustar alguém.

  — Boa noite, dona Carla - sorrio, ou pelo menos, tento sorrir. Ela me olha de cima a baixo com um olhar julgador, velha enxerida.

  — O aluguel tá atrasado.

  — Eu sei, eu ainda não consegui achar um emprego.

  — E eu preciso do dinheiro - fecho meus olhos por um momento.

  — Eu vou pagar. Só preciso de uma semana, eu prometo - subo as escadas correndo para fugir dela.

   Escuto ela gritar "vou te colocar no meio da rua, menina". Pego a chave do apartamento e entro rápido. Não estou mesmo com cabeça pra escutar a ladainha da Carla.

   Jogo a bolsa no sofá e massageio os meus ombros. Estou exausta fisicamente e mentalmente. Acho que daqui a pouco quem vai precisar de um psicólogo sou eu.

A música no meu fone para e meu celular começa a vibrar, tinha até me esquecido que estava escutando música. Me jogo no sofá pegando o celular no bolso de trás. Meu gato, lula, vem correndo para os meus pés quando percebe que eu cheguei. Faço carinho nele enquanto atendo o celular.

— Boa noite, Luara. A senhora ainda não me respondeu, esqueceu que tem mãe? - minha mãe fala do outro lado.

  — Estava no ônibus, mãe. Acabei de chegar em casa.

  — Você tá bem, minha filha? Eu fico preocupada com a senhorita.

— Tô bem, mãe. Só tô passando por um momento delicado.

— Você tá livre amanhã? - quase solto uma risada. Mãe, eu tô desempregada. Tô mais livre que nunca.

  — Tenho que entregar mais currículo, mas de resto, tô sim. Por que?

  — Passe aqui em casa. Eu e o seu pai juntamos um dinheirinho para lhe ajudar, não é muito, mas dá para pagar as contas desse mês.

— Mãe, de novo não. Já foi o bastante a ajuda que vocês me deram mês pa... - não consigo terminar pois ela me interrompe.

  — Calada Luara, você é minha filha e eu quero lhe ajudar! Aceite esse dinheiro logo.

  — Mãe, eu não preciso. Vocês não podem tá gastando tanto dinheiro assim comigo.

  — Luara, você é uma menina teimosa que não aceita a ajuda dos pais, tá quase morrendo de fome e sendo despejada na rua. Aceite o nosso dinheiro, de bom coração.

— Eu não preciso.

— Luara, ou você aceita o dinheiro ou vai voltar a morar aqui com a gente. Não vou deixar você morar na rua. Amanhã, de meio dia, eu vou estar te esperando. Boa noite - ela desliga sem me deixar falar.

    Me levanto para ir à cozinha com lula nos meus pés. Coloco o resto de ração que sobrou e água pra ele. Procuro um remédio de dor de cabeça. Os armários estão quase secos, tirando por dois pacotes de miojo e um de sal.

   Como é desgastante ser adulto. É maravilhoso ter sua independência financeira, ter sua própria casa sem se preocupar com nada, mas também sinto falta de quando eu ainda cabia no colo, não só da minha mãe, mas também de toda a minha família que cuidam de mim e me acolhem até hoje.

   De um certo modo eu, e isso por influência de alguns acabei romantizando muito a vida adulta, acabei querendo sair logo da casa dos meus pais e ir me aventurar nesse mundo. Mas isso não aconteceu, acabei me enchendo de conta e sem emprego. Sinto que de alguma forma eu acabei me perdendo no meio do processo de ser feliz. Me cobrei muito e acabei me frustrando, me comparando demais. Tenho saudades de quando eu me preocupava de qual brincadeira eu iria brincar no dia, ultimamente, eu só me preocupo de qual forma é melhor de se matar. Brincadeira.

   Me sento na cadeira massageando a têmpora. Vou ter que aceitar. Por minha mãe. E se eu não for, com certeza ela me mata.

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