Isso é tão Black Mirror

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Rosadalle, Toronto, Ontário, Canadá - Sábado - 07h30

Isso é tão Black Mirror

Millie

Desde às 7h carregava para lá e pra cá instrumentos, pastas, roupas e objetos que precisaríamos para a apresentação de mais tarde. Charlie, e os outros meninos, tinham se oferecido ajuda na organização, mas a presença de Robert e do meu avô em casa me fizeram recusá-las imediatamente. Paige não podia fugir dos dois, muito menos Kelly. Sem alternativas, tomo coragem e amontoou as coisas nos bancos e porta-malas do carro novo e exagerado, como a tudo nos Browns, saindo sem rumo certo pelas ruas de Rosadelle. 

Na intenção de comprar café e alguns biscoitos integrais, paro em frente a panificadora do bairro, vendo nossos vizinhos saírem do estabelecimento felizes, acompanhados dos filhos sorridentes. Eles acenam, imaginando ser Paige ou Kelly, retribuo o gesto, ciente de que eles não estavam vendo de verdade, por causa dos vidros fumê. Segundos após eles se afastarem sou abraçada pelo pânico. A sensação de sufocamento, seguida dos tremores incontroláveis e da dor forte no peito eram familiares, mas desde os acontecimentos do ano passado, elas se intensificaram, passando a surgir mais frequentemente, me paralisando. Encosto a cabeça no volante, puxando o ar em lufadas altas e desesperadas, imaginando que se algum guarda de trânsito passasse neste momento, estaria duplamente ferrada. O pensamento piora consideravelmente o ataque.

O torpor ensurdece meus ouvido e apenas um zumbido desesperador embala o crise. Desesperada, afundo as unhas nos pulsos, usando a dor como estímulo para me recuperar mais rapidamente, imediatamente a pressão alivia, mas precisava de mais. Mordo a língua até sentir o gosto metálico do sangue ganhar meu paladar e revirar o estômago vazio. Não sei exatamente por quantos minutos, mas a dor vai se esvaindo, deixando apenas o sentimento de vazio e exaustão de sempre. Pesados pelas lágrimas, meus olhos demoram a focar na estrada, a respiração entrecortada dificulta a concentração. Necessitava de algo, qualquer coisa para voltar a realidade e conseguir ligar o carro. Sem aviso o sorriso doce, cheiro de laranja e hálito de chicletes ganham meus sentidos. Finnie. Meus dedos, melados de sangue e suor, batem no painel angustiados, procurando o contato do mesmo na lista, mas travo. Não podia o assustar assim. Tomo fôlego e busco o contato de Nick, eles estariam juntos. 

LIGAÇÃO ONN


-Alô. - atende.

-Oi, estou com um problema. Se o Finn estiver por perto, finge estar me ajudando com o carro. - digo. Minha voz soava esganiçada e chorosa.

- Sem surto! Trabalha a respiração.- pede ele. 

Trocamos algumas palavras rápidas, Nick fingia explicar a mecânica do carro e, lentamente consigo voltar ao controle da situação, podendo finalmente conversar com meu camisa 99. Soando preocupado do outro lado da linha, minha consciência pesa ao mentir, mas não falaria sobre a síndrome a ele, pelo menos não agora. Finn, ao meu ver, é puro, bondoso e curioso, por isso, enganá-lo ou feri-lo seria tão errado quanto fazem qualquer anjo chorar, pelo menos para mim.  

-Amanhã vamos ter aquelas aulas de direção, tá? Depois disso você não anda mais sozinha assim. - avisa, supondo que meu nervosismo estava relacionado ao fato de dirigir. 

- Nem acredito que vão fazer isso, sério. - agradeço, já saindo da vaga. - Vou voltar para a estrada. Nos vemos daqui a pouco na Future. 

-Estou indo pra lá. Vamos te ajudar. - diz. Ouço o som de passos. 

- Você devia descansar. - a parte racional e zelosa de mim mandavam dizer, mas queria tanto o ver antes do jogo que nem me esforcei em o convencer.  

I've Got You - Fillie Onde histórias criam vida. Descubra agora