As a friend

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Hey, como está tudo aí do outro lado?

Espero que vocês estejam se cuidando e usando máscaras. 💞

Peço perdão pelo atraso de postar o capítulo, acabei ficando doente e atrasei minha escrita. Mas espero compensar vocês com mais um capítulo ainda amanhã!

Espero que gostem, e agradeço de coração por cada comentário e por quem ainda continua por aqui.

❤️

                              ***

- hey! – Toquei em seu braço, procurando virar sua atenção para mim. – Não estou me sentindo muito bem, acho que a bebida me fez um pouco mal. – Eu tinha uma mão mantida em meu estômago, mas estava mentindo sobre a dor.

- Ah, você já vai? – A voz dela era alta, uma mistura do efeito do álcool com o tentar sobressair ao som das enormes caixas de sons. Balancei a cabeça afirmando. – Espera, vem cá.

Ela me puxou até às mesas do canto, onde nossas bolsas estavam.

- Vai no meu carro.

- Não, Hetty, claro que não! Eu pego um uber. – Empurrei educadamente as chaves.

- Wave, de qualquer maneira, eu não ia dirigir. Olha bem pra minha condição. – Ela apontava pro próprio rosto e ria. – Acredite, você está muito mais sóbria que eu.

- Então fica com a chave do meu carro. – Abrindo minha bolsa, retirei o pequeno chaveiro. Meu carro havia ficado na garagem do seu prédio, e sendo assim, eu não iria prejudica-la caso fosse necessário ela precisar de transporte no dia seguinte.  – Amanhã fazemos a troca.

Hetty me abraçou forte pelos ombros enquanto concordava com o que eu havia dito.

- Divirta-se por mim! – Gritei com minha boca perto do seu ouvido e ela jogou os braços no ar sorrindo. Era óbvio que ela estava fazendo exatamente aquilo.

Peguei minha bolsa e a pendurei no ombro direito, tentando desviar das pessoas que dançavam freneticamente no meio do bar. O carro estava estacionado na lateral, e não tive dificuldade alguma para encontra-lo. A rua estava movimentada, afinal de contas, não haviam muitos bares em Purgatory e a maioria se concentrava ali no centro da cidade. Girei a chave na ignição e segui meu caminho de volta pra casa. Pensei em voltar pra casa da Hetty, mas achei que seria inconveniência minha pedir as chaves do apartamento.

O sinal ficou vermelho acima da rodovia, e fui obrigada a parar. Eu sentia minhas mãos escorregarem na direção, eu estava suando. Me agarrei firme, enquanto eu sentia meu peito subir e descer rápido demais. Eu estava tendo uma crise de ansiedade?

Calma, Waverly. Era o que eu procurava repetir várias e várias vezes dentro da minha cabeça, mas eu ainda podia sentir o gosto da sua boca em mim. Saltei do banco quando uma buzina ecoou atrás do carro, e percebi que o sinal havia ficado verde há alguns segundos. Dirigi por mais alguns metros, até que encostei o carro em um lugar qualquer.

Abri as janelas, permitindo que o ar frio da madrugada invadisse meus pulmões e tentasse me acalmar. Eu fui uma estúpida em ter ido embora, e só naquele momento havia me dado conta disso.

- Coragem, Waverly. – Disse para o reflexo dos meus olhos no retrovisor. Essa era a frase que eu mais repeti nos últimos dias.

Vasculhei minha bolsa em busca do meu telefone, mas uma notificação ainda brilhava na tela. E me dei conta de que eu ainda não havia respondido as mensagens de Charlotte, e uma hora ou outra, eu teria que fazer. Soltei o ar preso dentro de mim, e disquei seu número. Eram três da manhã em Purgatory, e oito da manhã em Londres. Eu sabia que ela estaria de pé, seu turno sempre era o primeiro.

O período de espera foi curto, mas eu já imaginava que ela estaria grudada a espera de uma ligação minha.

- Fiquei me perguntando por quanto tempo você ia me ignorar. – Havia um certo rancor em sua voz.

- Hey... – Tentei parecer sorridente. – Desculpa, meu celular simplesmente morreu, não sei o que aconteceu.

- É, sua irmã me disse. – Respondeu seca.

Ficamos em silêncio na ligação, ela esperava que eu dissesse alguma coisa, e eu sabia disso. Mas o que eu diria? “Oi, Charlotte, tudo bem? Então, sabe aquela minha ex namorada? Transei com ela outro dia desses, e acho que quero repetir a dose.” Seria uma ótima maneira, não?

- Me desculpe. Eu deveria ter te dado notícias através do celular dela, mas acabei me atolando em coisas por aqui. – O que de certa forma não era mentira.

- Tudo bem. – Após segundos em silêncio, ela soltou o ar com força do outro lado da linha. – Droga, eu senti sua falta. Estava preocupada, achei que pudesse ter acontecido algo grave, não sei. Não faça mais isso, você sabe como eu sou um tanto quanto ansiosa com pessoas que gosto.

- Eu sei, me desculpa, de verdade. Você acredita que fui designada a tomar conta de quatro cavalos? – Tentei fugir do assunto.

- Como se isso fosse algo que você estivesse detestando, não é? – Ela soltou um riso fraco. – Como você está, afinal?

Como eu estou? Essa pergunta nem eu sei responder.

- Estou bem, um pouco cansada, estava em um bar com Hetty agora a pouco. Mas me dei conta de que eu não sirvo mais para esse tipo de coisa. E as coisas por aí?

- Falando assim você até parece que envelheceu 40 anos. – Ela ria. – A correria de sempre, pacientes e mais pacientes. Acho que eu deveria te seguir e pegar meses de férias.

- Wynonna me disse que você pegou uma licença. – Eu sabia que ela estava esperando que eu tocasse no assunto.

- É, eu consegui antecipar minhas férias. Ela contou que pensei em ir visitar vocês?

- Ela contou sim, por isso estou te ligando. – Menti. – Quando que você chega?

- Não tenho certeza, ainda estou esperando a autorização da coordenação do hospital, você sabe como esse lugar é cheio de protocolo. Mas Waverly... – Ela pausou antes de prosseguir. – Eu não quero que você pense que estou indo pra, sei lá, te vigiar ou algo do tipo.

- O que? – Minha voz saiu fina. – Eu não pensei nisso.

- É que, você sabe... Nós... – Ela limpou a garganta.

- É. – Cortei seu raciocínio. – Mas eu sei que você adoraria conhecer a Alice. Wynonna ficará animada com sua presença.

- Mas e você? Fica também?

Minha cabeça caiu no volante, eu não queria chegar nesse assunto, muito menos agora.

- Claro que sim. – Falei.

- Sabe, eu acho que precisamos conversar, você não acha? – Ela perguntou. – Digo, você sabe, eu nunca te pressionei e não seria agora que eu faria isso. Sempre fomos abertas e maduras para esse tipo de relação, e acima de tudo, somos grandes amigas, não é? Mas... – Ela suspirou. – Eu ainda sou um pouco humana. – Ela riu fraco. – E ainda tenho meus sentimentos por você.

Eu sabia, e sempre soube de tudo isso. E sim, éramos maduras o suficiente para admitir o que sentíamos, ou não, uma pela outra. E definitivamente, eu não sabia exatamente o que sentia por ela.

- Eu sei, Lotte. Eventualmente iremos conversar quando você chegar aqui, não? – Ela fez um som do outro lado da linha, concordando. – Me avisa quando souber a data, tá bem?

- Tudo bem, Wave. Eu preciso ir agora, estou atrasada e você sabe que eu odeio atrasos! Mas ei, vê se agora não me ignora mais. – Ela disse sarcástica, mas soltando uma risada charmosa em seguida.

- Eu prometo.

- Se cuida, Waves. Eu... – por favor, não. – Eu amo você, tá bem? Até breve.

Ela desligou antes que eu respondesse, e em meu interior agradeci por isso. Eu sentia minha testa latejando da pressão no volante, mas sequer me importei. Não havia sido uma conversa ruim, afinal, mas eu ainda sentia aquela pontada de que tinha feito algo errado. O que eu deveria fazer?

- Eu. Sou. Um. Completo. Fracasso. – Pronunciei pausadamente cada palavra, enquanto batia de leve com a testa na direção, como se aquilo fosse clarear minha mente de alguma forma.

Duas mulheres. De um lado, Charlotte, poderia dizer que a mulher mais madura que já conheci na vida. Talentosa, uma excelente ouvinte, alguém que me acolheu quando eu sempre precisei, e até quando não. Sem contar com a excelente habilidade que ela tem com as mãos. Em tudo. E do outro lado, a mulher que mais amei na vida, magnífica em praticamente tudo que fazia, isso eu jamais poderia contestar. Havia um peso maior desse lado, porque foi a primeira pessoa que eu realmente me entreguei de corpo e alma, e a que eu menos esperava que fosse me deixar quebrada. Eu e Nicole tínhamos essa ligação incontestável, que eu nunca conseguia me desviar. Ela era como um enorme imã, onde bastasse estar no mesmo ambiente que eu e então todo o meu corpo era atraído para perto. E para ser bem sincera, uma parte de mim sequer lutava contra isso.

- Droga! – Ergui meu olhar pro espelho do carro, massageando a marca vermelha da pressão na minha testa. – Ah, quer saber? Foda-se.

Peguei meu celular outra vez, e em uma súbita onda de excitação lhe enviei uma mensagem.

“Estou indo pra sua casa.”

Girei as chaves novamente, e deixei meu corpo me guiar para onde ele realmente queria ir.

                             ***

Quando abri meus olhos, fitei o teto branco acima. Minha cabeça latejava sem motivo algum. Girei minha cabeça para o lugar vazio ao meu lado.

Ah não.

Deduzi que Nicole estava na cozinha quando senti o cheiro de café entrando no quarto. Passei alguns minutos pensando o que eu diria quando encontrasse com ela depois da noite passada. Após a minha mensagem, corri até sua casa como se fosse a única salvação possível pros meus pensamentos turbulentos. E para minha surpresa, ela sequer demorou para vir ao meu encontro. Na madrugada Nicole chegou poucos minutos depois que enviei a mensagem, desesperada buscando minha boca, mas o cheiro forte de bebida era gritante. E por mais que meu corpo implorasse por seu toque, não era daquela maneira que eu queria. Como uma velha amiga, eu não podia deixá-la daquela forma. Troquei suas roupas e a coloquei na cama. Em alguns momentos, ela delirava pronunciando palavras que sequer entendi, e não tive a capacidade de deixar ela sozinha.

Deitei ao seu lado e dormi com o mesmo vestido apertado que usei no bar porque não tive coragem de abrir suas gavetas em busca de uma camiseta. Na cômoda em frente a cama, uma foto de Nicole com alguns amigos. Ela estava ao lado de Grace, rostos colados enquanto a loira depositava um beijo em seu rosto. Perfeito. Como eu não reparei naquela foto antes? Aliás, ela sempre esteve ali? Joguei de lado o lençol que cobria parte do meu corpo e busquei forças para me levantar. Meus sapatos estavam na entrada da casa, então descalça me arrastei até o banheiro para lavar o rosto e encará-la. Será que ela lembrava de algo? Caminhei em passos silenciosos até a cozinha, e encontrei Nicole sentada em um banco, com uma mão apoiada na cabeça enquanto a outra segurava uma xícara de café.

- Precisa de uma aspirina? – Meus pés estacionaram na entrada da cozinha, enquanto ela erguia o olhar assustado.

- Wave, por Deus. – Ela levantou e parou próximo a mim, puxando uma de minhas mãos para si. – Desculpa.

- Desculpa por...? – Perguntei confusa.

- Não sei dizer ao certo, mas seja pelo que for. – Nicole abanava as mãos na frente do rosto, como se quisesse limpar sua mente. – Eu fiz café, você aceita um pouco?

Ela caminhou até o balcão, despejando o líquido em uma xícara pequena e colocando na bancada diante da sua. Sem jeito, segurei a xícara e levei o líquido quente até meus lábios. Estava realmente bom. Ela puxou o ar com força antes de continuar.

- Eu preciso perguntar... Nós duas... – Questionava enquanto mantinha um dedo no ar, revezando entre eu e ela. – Você sabe...

- Não, não! – Abanei a mão no ar. – Claro que não.

Ela me olhava séria, como se eu tivesse falado algo errado.

- Digo... – Continuei. – Não foi por falta de vontade, obviamente, mas eu não tenho fetiche de transar com cadáver. – Bebi meu café.

- Ouch! – Havia uma careta em seu rosto. – Doeu. Bom, mas felizmente agradeço que nada aconteceu, definitivamente eu gostaria de lembrar. – Disse lançando um olhar malicioso.

- Desculpa, mas você estava muito bêbada. – Encolhi os ombros.

- Tudo bem... E de qualquer maneira, eu não poderia imagina que você iria me procurar logo em seguida. – Ela deslizava o dedo na borda de sua caneca. – Waverly, o que significa isso?

- Isso? – Apontei pro líquido em minha mão. – Significa que estamos tomando café, e aliás, parabéns está realmente bom. – Dei outro gole.

- Eu estou falando sério. – Ela girou os olhos.

- O que você espera que eu diga?

- Calma, Waverly, não é como se eu estivesse te pedindo em namoro, nossa.

- Até porque você já namora. – Limpei o canto da boca com o polegar.

- Que? – Ela estreitou os olhos. – Eu não namoro.

- Tanto faz, Nicole. – Dei de ombros.

- Eu sinceramente não entendo porque você está agindo dessa maneira.

- Que maneira? – Apoiei os cotovelos na mesa.

- Assim. – Ela ergueu os mãos no ar. – Como se o que tivemos não significou nada.

- Porque foi exatamente isso. Não significou. – Ela cruzou os braços, se apoiando na bancada. – E foi você quem me mostrou isso.

De repente, me recordei da dor que senti quando ela me traiu e tudo só ficou ainda mais intenso quando lembrei da foto em cima da cômoda no seu quarto. Nicole nem fez esforço em me responder, ficou apenas me encarando. Levantei da cadeira, colocando minha bolsa sobre o ombro e caminhando até a porta.

- Espera. – Ela me seguiu, segurando meu braço. – Desculpa se parece que estou te pressionando. Sei que você não quer ter essa conversa agora, e eu respeito. Além de que, minha cabeça não está tão boa agora. Mas em algum momento, vamos precisar cruzar essa linha.

- Eu concordo com você, mas agora eu preciso ir. Preciso devolver o carro da Hetty.

- Tudo bem. Obrigada por... cuidar de mim ontem. – Seu olhar era sincero.

- Não precisa me agradecer por isso. – Girei os olhos, encarando meus pés em seguida.

- Claro que preciso.

Nicole não me soltava, o lugar que ela segurava em meu braço já estava quente com seu toque. Olhei para a mão que me segurava, devagar ela foi me puxando pra perto, e selou os lábios nos meus, suavemente.

Antes de cruzar a porta, sem hesitar, retribui.

                               ***

Uma semana passou, sem contato algum. Nem uma mensagem ou ligação, e muito menos alguma visita para trazer algum documento de trabalho pra minha irmã. Das poucas vezes que fui ao centro da cidade fazer compras, evitei passar em frente e delegacia. Não queria que ela visse meu carro e achasse que eu estava espionando, ou sabe lá o que. A última vez que a vi tinha sido tão ruim assim? Digo, não tivemos nada, nem acabamos discutindo ou coisa parecida. Por que será que ela não me procurou? Eu que não ia fazer isso! Meus pensamentos egoístas foram apagados quando meu celular vibrou em cima da mesa.

- Wave! Graças a Deus você atendeu, eu já estava pedindo para todos os deuses do Olimpo que você não me ignorasse.

- Oi pra você também, não é? O que houve?

- Você sabe que eu não te pediria nada do tipo sem um aviso prévio, eu sei que você adora se programar sobre tudo o que vai fazer e...

- Hetty, cala a boca. – Ri da sua fala desesperada. – Sabe o que eu estava fazendo nesse exato momento? Olhando pro nada e pensando: “eu adoraria fazer um favor pra Hetty.”

- Alguém já disse que você é um anjo?

- Já, mas pode repetir. – Ela ria. – Em que posso te ajudar, afinal?

- Então... – Ela bufou. – A Michelle viajou com o papai, parece que teve um imprevisto do trabalho dele. E você sabe como ela é, jamais deixaria ele viajar sozinho. – Revirei os olhos. – E claro, ela jamais deixaria as crianças sem ir a escola, então eles estarão comigo nesse final de semana.

- É, eu lembro muito bem como ela pegava no meu pé.

- Exatamente! E ligaram da escola,  parece que a Mel não está se sentindo muito bem. Mas não posso buscá-la, tenho uma reunião importantíssima em meia hora. Caso de vida ou morte!

- Você sempre foi exagerada, Hetty, mas parece que os anos te deixaram pior. – Ela ria sem jeito. – Claro que eu posso buscar a Mel, onde ela estuda?

- Nossa, adivinha?! Purgatory tem tantas escolas, não é? – Disse irônica. –  Tenho certeza que você lembra do caminho até lá.

- Idiota. – Calcei meu tênis o mais rápido que consegui, colocando a chave do carro no bolso. – Estou indo lá agora, tá bom? E não se preocupe, quando você estiver livre pode me ligar, ela estará segura.

- Eu sei que estará! Muito obrigada, Wave, você não tem ideia de como está salvando minha pele. Preciso ir agora, ok?

- Boa sor... – Ela desligou antes que eu terminasse de falar. – Sorte na reunião.

                                 ***

Em poucos minutos eu estava estacionando em uma vaga qualquer na entrada da escola. Um sorriso abriu devagar quando sai do carro e caminhei até a porta da frente. Tudo estava exatamente igual como eu lembrava, uma pintura nova aqui e ali, mas nada extraordinariamente diferente. A sala da direção ficava no mesmo lugar, e me peguei recordando do dia em que Nicole brigou com Champ no meio do corredor. Senti saudade. Não dá briga em si, mas dos pequenos e bons momentos que pude viver naqueles corredores. Parei em frente ao expositor de medalhas e troféus da escola, e em uma prateleira qualquer encontrei uma pequena fotografia minha, segurando uma medalha. Sorri diante de tantas lembranças.

- Earp? Waverly Earp?

Uma voz masculina me puxou das lembranças.

- Treinador? – Abri um sorriso. Ele ainda estava por aqui?

- Não posso acreditar! – Ele caminhou em minha direção com os braços abertos. – Achei que estivesse vendo uma miragem. – Seu abraço era apertado, como sempre. – Você não mudou nadinha! Ah, claro, está ainda mais bonita.

- E o senhor ainda não trocou os óculos, pelo visto? – Ele gargalhou.

- O que te trás de volta por aqui? E como anda o nado medley?

- Ó céus! – Soltei um riso pelo nariz. – A essa altura eu devo até ter esquecido como nadar, treinador.

- Oh, é claro que não! Nadar é como andar de bicicleta, querida. Não tem como esquecer. Mas – Ele me sacudiu pelos ombros. – Não vou te segurar aqui, tenho alguns pequenos para treinar agora. Foi bom te reencontrar, Earp.

E retribuindo com um sorriso, ele seguiu adiante no corredor. Eu não podia esquecer o real motivo que me fez voltar aquela escola.

Em frente a sala da direção, avistei Mel. Ela estava sentada abraçada em sua mochila, com os pés balançando no ar. Sequer notando a minha presença quando me aproximei.

- Oi paçoquinha. – Afastei uma mecha que caia em seus olhos.

- Waverly! – Ela largou a mochila no chão, saltando com os braços em minha cintura e encolhendo as pernas para ficar em meu colo enquanto soluçava baixinho. Ela já era grande para que eu a segurasse daquela forma, mas meu coração não podia suportar. E eu não me importava. Apesar de todo o tempo que fiquei longe dela, eu faria o que estivesse ao meu alcance para não vê-la daquela forma.

- Ei... – Agachei diante dela, encarando seu nariz vermelho. – O que houve?

- Bobeira. – Disse limpando o nariz com a palma da mão.

- Hetty está ocupada em uma reunião, e pediu para que eu viesse buscá-la. Ela disse que você não estava se sentindo muito bem, então não é bobeira.

- Depende do ponto do vista. – Ela deu de ombros.

- Você quer me contar o que houve? – Segurei firme em sua cintura tão pequena.

- Tudo bem, mas podemos fazer isso em outro lugar? É que eu falei pra Rebecca que eu estava com dor de barriga, mas eu menti. – Mel sussurrou. – A dor vem daqui, ó. – Disse apontando pro coração. E só assim entendi do que poderia se tratar. – Você precisa assinar o papel na secretaria, pra minha liberação.

Assenti, e só depois de assinar o que fosse necessário, caminhamos de volta ao estacionamento. Mel encostou a cabeça em meu ombro, deitando no lugar enquanto andávamos. Acariciei seus fios loiros, o que só fez abrir caminho para um choro. Enrosquei meus braços ao redor do seu corpo magro.

- Você está triste, não é? – Ela concordou contra meu corpo. – E sabe, está tudo bem ficar triste.

- Mas eu não quero me sentir triste, Wave. – Sua voz saiu mais doce que o normal, fazendo-a parecer muito mais nova do que era. E senti meu coração ficar pequeno. – Eu quero me sentir feliz.

- Mas você sabia que depois da tristeza a alegria vem? Katy Perry disse uma vez “depois da tempestade, vem o arco-íris.” – Sussurrei, e soltando um pequeno sorriso ela me apertou. – O que você está sentindo é complemente normal, e vai passar.

- E se não passar nunca? – Perguntou sussurrando de volta.

- Gostaria de me contar o que houve?

Paramos em frente ao carro, mas ela não fez sinal que iria me soltar. Em vez disso, afundou ainda mais o rosto em minha pele.

- Você promete que não conta pra ninguém? – Sua voz saia abafada.

- Promessa de dedinho. – Ergui o mindinho.

- Você lembra daquela menina que toca muito melhor que eu? – Começou falando, enquanto seu dedo ainda estava enroscado no meu.

- Amber, não é?

- Isso. – Ela pausou puxando o ar, tomando coragem para seguir em frente. – A irmã dela é a minha melhor amiga desde que eu era bem pequena, muito menor que o Colin. E nós sempre brincamos juntas, a mamãe até deixa a gente fazer festa do pijama, as vezes. Só que... – Ela me apertou forte, enquanto limpava uma lágrima que escorria. – Só que eu acho que gosto dela, e não é só como minha melhor amiga.

Aquilo me pegou de surpresa, e senti um soco no estômago. E não foi por ela ser tão nova e já ter sentimentos sobre uma outra garota, mas porque eu conhecia bem a mãe que ela tinha. Fechei meus olhos com força, tentando usar as melhores palavras para confortar seu pequeno coração. Eu precisava demonstrar o que a mãe dela jamais faria, confiança. Eu não conseguia ver seu rosto, mas eu sabia que estava encolhido em tristeza. Acariciei suas costas e abaixei meu corpo, tentando ficar em sua altura. Ela era enorme para uma garota de quase 12 anos.

- E por qual motivo você está chorando, Mel? – Limpei uma lágrima que escorria em sua bochecha rosada.

- Porque eu não sei se ela ainda vai querer ser minha amiga. Eu... Eu dei um selinho nela hoje de manhã. – Ela deu de ombros. – Foi rápido, e escondido, mas saiu sem querer. – Dizia rápido enquanto novas lágrimas se formavam em seus olhos.

- Vocês são muito amigas, não são? – Ela concordou balançando a cabeça. – Então por que ela deixaria de falar com você? Se fizesse isso, ela seria uma tonta.

- Porque ela saiu correndo depois! E mesmo eu correndo atrás dela, ela não parou. E eu acho que ela foi embora, não a encontrei em lugar algum. – Seus ombros caíram, e seu nariz ficou ainda mais vermelho. – E se ela contar pra mãe dela, então provavelmente a minha também vai saber e... – Ela voltou a chorar, e partiu meu coração. – E se a mamãe souber, eu sequer vou chegar a fazer 18 anos um dia.

- Ei, calma. – A abracei, tentando lhe dar conforto. – Ela não faria isso.

- Ah, pode crer que ela faria sim. – Disse com os olhos arregalados. – Eu nunca deixaria ela saber sobre isso! Nunca, entendeu?! Ela acha isso uma coisa feia!

- Ó, deixa eu te contar uma coisa... – Segurei em sua cintura, e olhei firme em seus olhos. – Você nunca, nunca, deve deixar que ela te diga o que é bonito ou não, certo? Tudo bem que você é uma criança, meu Deus...

- Correção! – Ergueu um dedo no ar. – Sou uma pré adolescente, semana que vem eu completo 12 anos.

- Desculpa, tudo bem que você é uma pré adolescente... – Repeti a frase da maneira que ela queria ouvir, e ela assentiu com um sorriso fraco. – Mas eu tenho certeza que aqui dentro. – Apontei pro seu coração. – Você sabe se é ou não feio.

- Eu sei sim. – Ela segurava minha mão por cima do seu peito. – Eu não acho feio, Wave. Quando eu estou na arquibancada vendo a Payton jogar basquete, eu sinto uma coisa esquisita no estômago quando ela faz uma cesta e sorri pra mim. Mas não é uma coisa ruim, sabe? Eu me sinto... Feliz.

Sim, eu entendia perfeitamente bem esse sentimento. Mas temia por ela. Não por sentir algo tão lindo e único, mas pelo ambiente em que ela vivia. Uma casa tóxica onde Michelle jamais aceitaria uma filha lésbica, e uma escola pior ainda! Onde o bullying era algo tão presente.

- Eu sei. – Sorri com os olhos. – Nós temos muito em comum, eim. – Pisquei pra ela.

- Temos? – Ela limpava as lágrimas com as mãos. – Você já gostou de uma... menina? – Perguntou fazendo uma concha com as mãos, como se fosse me contar um segredo, e eu não consegui segurar o riso.

- Já gostei sim.

- Faz muito tempo?

- Mais ou menos. – Sorri fraco. – A primeira vez que senti isso no estômago eu era um pouco mais velha que você, e foi exatamente aqui, nessa mesma escola.

- Sério? – Ela arregalou os olhos. – Ela era sua melhor amiga também?

- No começo não, mas depois ela acabou se tornando muito mais que uma amiga. – Pisquei novamente para ela.

- Vocês eram... namoradinhas? – Ela sussurrou e eu afirmei com a cabeça. – E  que aconteceu depois?

- O que sempre acontece, paçoquinha. – Respirei fundo. – A vida. – Dei de ombros.

- A vida as vezes é esquisita, não é, Waverly? – Disse encostando a cabeça em meu ombro outra vez.

- Bastante, amor. Mas... – Ergui seu queixo, queria encarar seus olhos azuis. – Ela as vezes pode te surpreender da melhor forma possível, uhm. Não duvide disso. – Toquei a ponta do seu nariz.

- Obrigada por me ouvir, e por me tirar dessa situação chata, você sabe... – Ela chutava pequenas pedras no chão. – Agora percebo que foi muito melhor que você tenha vindo me buscar e não a Hetty.

- Sempre que você precisar, pode me ligar, tá bem? Deixarei meu número anotado no final de seu caderno. – Ela abriu um enorme sorriso me abraçando.

- Mas Wave, como você pode ter certeza que tudo isso vai passar?

- Por que sempre passa, e nós nunca devemos dar um gostinho pra tristeza habitar dentro da gente.

- Mas ainda assim ficamos tristes e choramos. – Ela se distanciou alguns centímetros e segurou meu rosto com ambas as mãos, como quando alguém se prepara para um beijo. – Por que isso, afinal?

- Por que somos humanos, e aqui e aqui. – Apontei pra sua cabeça e em seguida seu coração. – Temos um cérebro um coração que por diversas vezes, pregam uma boa peça na gente.

- Seria melhor se fossemos robôs. – Constatou por fim, me fazendo gargalhar.

- É, seria bem mais fácil. Mas eu gosto de ser humana, e sabe por que?

- Por que? – Ela me olhou confusa, com as sobrancelhas juntas.

- Porque significa que eu posso ir ali. – Apontei pra lanchonete do outro lado da rua. – E comer uma fatia enorme de torta, o que me diz?

- Acho perfeito! Chocolate cura tristeza, eu li na revista uma vez. – Mel abriu um sorriso enorme, e eu distanciei alguns fios que caiam em seu rosto. Ela era uma menina espetacular, e eu estava preparada para criar laços ainda mais fortes com ela. – Mas precisamos esperar o Colin sair, ele ficaria chateado de saber que fomos comer torta sem ele.

                                ***

Na lanchonete deixei que eles escolhessem qual mesa queriam sentar. Colin correu em direção ao mostruário de doces, passando a língua nos lábios como se estivesse saboreando tudo com os olhos. Mel era discreta, se aproximou do irmão colocando a mão sobre os ombros do menor.

- Colin, tenha modos. Papai ficaria desapontado em te ver tão guloso assim.

- É que eu nunca vi tantos doces bonitos na vida. – Seus olhos corriam por cima do vidro. – Eu quero aquele ali, o azul. – Disse saltitante e apontando para um cupcake com um glacê chamativo.

- Eu aceito uma fatia de torta de morango. – Mel disse trazendo seus olhos sorridentes até os meus.

- E refrigerante de laranja! – Colin jogou o dedo no alto.

- Eu prefiro suco de laranja. – A garota deu de ombros.

- Tá, tudo bem, eu vou pedir tudo isso, mas voltem pra mesa e me esperem lá, tá bem?

Os dois balançaram a cabeça e seguiram calmamente até a mesa. Fiz todos os pedidos e fiquei aguardando na lateral do balcão enquanto uma senhorinha simpática preparava tudo organizado dentro de uma bandeja. Quando o sino da porta da frente soou dentro do salão, e inevitávelmente  chamou minha atenção. Um garoto alto e magro entrou no estabelecimento segurando uma mochila nos ombros, ele me parecia familiar. Minutos depois logo atrás dele, o inconfundível cabelo ruivo entrou, por baixo de um boné rosa claro, soando mais uma vez o sino acima da porta de entrada. A primeira coisa que lembrei foi da frase de Mel horas atrás falando sobre sentir algo esquisito na barriga, e era exatamente isso que eu estava sentindo. Virei meu rosto sem motivo algum, tentando disfarçar como se não tivesse percebido sua presença. A mais velha se aproximou do balcão, deixando a bandeja diante de mim.

- Bom apetite, senhorita.

- A sua boca vai ficar azul com esse glacê. – Sua voz fez meu corpo estremecer.

Girei meu corpo para olhar pra trás, enquanto meu olhar penetrava no sorriso que ela tinha estampado no rosto.

- Eu sempre sonhei em ser um avatar. – Ela riu, colocando as mãos nos bolsos. – Oi, Haught, quanto tempo. – Soei irônica.

- Oi Earp. – Seu olhar penetrava no meu. – Uma semana, pra ser mais exata.

- Você andou contando? – Maneei a cabeça.

- Tinha como não contar? – Respondeu me lançando um sorriso. – Eu vim buscar meu irmão na escola, o ônibus escolar quebrou, sabe como é. – Apontou com o queixo sobre os ombros, na direção onde o garoto estava sentado.

- Aquele é o Thomas?

- O próprio. – Disse revirando os olhos.

- Deus, eu estou realmente ficando velha! – Uma careta involuntária se formou em meu rosto.

- Os anos só te fizeram bem, Wave.
Sua voz soou sexy, e eu senti o tom malicioso disfarçado.

- Está vendo aquelas duas crianças ali? – Apontei com a cabeça. – Se eu não chegar com esses doces em alguns segundos, é capaz do mais novo colocar esse lugar de cabeça para baixo. – Ela gargalhou, encarando a mesa onde os dois estavam sentados nitidamente impacientes.

- São os da Michelle, não é?

- Exatamente.

- Uau. Vocês estão próximos? Isso é maravilhoso, Wave.

- Longa história... – Encolhi os ombros. – Vamos ver no que vai dar.

- Wave! – Colin acenava freneticamente na mesa, chamando minha atenção.

- Eu tenho que ir agora.

Ela se aproximou um pouco mais de mim, e precisei segurar firme a bandeja em minhas mãos. Sem dar espaço para que ela perguntasse qualquer outra coisa, voltei para a mesa sem olhar para trás. Implorei para Colin trocar de lugar comigo, onde meu olhar não pudesse cruzar com o dela enquanto eu tentava comer. A essa altura, tinha perdido completamente a fome.

Mel comeu pequenos pedaços, seu olhar permanecia longe e preocupado, mas respeitei o seu espaço. Havíamos tido uma ótima evolução por hoje. A mais novo devorava o bolinho como um jacaré quando encontra uma presa, deixando os cantos da boca em um tom azul forte. Estava encarando os carros passando do lado de fora da lanchonete, com meus pensamentos distante, quando percebi Mel erguer a cabeça e sorrir para quem quer que fosse que estivesse atrás de mim.

- Oi oficial, Haught. – A garota tinha um sorriso de um canto ao outro do rosto. – Bom te ver novamente.

- Oi Mel, como andam as aulas de piano? – Nicole sentou na cadeira ao meu lado, sem ao menos pedir permissão.

- Vão bem, obrigada.

- Espero que me ensine uma música algum dia, eim. – A ruiva piscou em direção a garota, que corou as bochechas em seguida.

Girei minha cabeça para encará-la.

- Por que você não me mandou nenhuma mensagem? – Ela apoiou os cotovelos na mesa, e aproximou a cabeça do meu rosto, perguntando baixinho.

- Por que vo-cê não me mandou também?

Ela soltou uma risada pelo nariz.

- Não queria que você achasse que sou louca. – Ela começou a bater os dedos devagar na mesa.

- Você não é louca. – Respondi suavemente.

Ela esticou o braço na mesa, fazendo com que sua mão tocasse a minha discretamente.

- Você acha que seria possível a gente recomeçar outra vez? – Ela me olhou curiosa. Sua pergunta me pegou de surpresa. – Sabe, Waverly, você foi a melhor amiga que eu já tive. E eu gostaria que continuássemos amigas, pelo menos. Você poderia me dar uma chance... O que me diz de tentarmos nos conhecer de novo?

Pensei um pouco sobre a proposta, pensei se deveria negar e simplesmente ir embora, e conclui que provavelmente não haveria nenhum problema em tentar uma aproximação melhor. Ao menos não vi como algo errado. Sorri de leve e fiz que sim com a cabeça.

- Eu adoraria.

- Perfeito! – Ela abriu um enorme sorriso. – Que tal um jantar? Conheço um lugar que serve a melhor lasanha da cidade.

- Me parece ótimo. Onde?

- Minha casa. – Gargalhei, e ela me seguiu. Percebi o olhar curioso de Mel sobre nós. – Eu juro, é a melhor que existe. Tudo bem pra você? Pode ser amanhã?

- Sim, tudo bem. Parece uma ótima ideia.

- Te espero amanhã. Você pode chegar mais cedo? Tipo, as três da tarde? Gostaria de te mostra uma coisa antes.

- As três estarei lá. – Sorri com o canto da boca.

Ela sorriu, e com a ponta do polegar limpou o canto da minha boca antes de levantar e ir embora. Enquanto observei Nicole se afastando, reparei na tensão que tinha ficado no ar. Passei a mão por meus cabelos e deixei a leve brisa que saia do ar condicionado acima de nós acariciar meu rosto. Inspirei profundamente e segurei o ar por um momento, sentindo os músculos em meus ombros relaxando aos poucos, a medida que eu soltava o ar. Por fim, abrindo os olhos, contemplei dois olhos sustentados em mim que aos poucos, se juntaram a um sorriso no rosto da garota.

- É ela, não é?

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