Um outro beijo

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No outro dia, acordo com mamãe me chamando, dizendo que o médico já estava aqui... Sinto-me desnorteada, mas peço para que entre de qualquer forma.
- Bom dia senhorita, consegue se levantar?
- Ainda não tentei senhor.
- Deixe-me examinar primeiro. - Após observar os lugares que me machuquei, o doutor disse que está tudo bem aparentemente. - Agora me dê as mãos, e tente se levantar devagar.
Consigo realizar normalmente, dói um pouco mas não como ontem, digo a ele que minha cabeça está doendo, e ele me dá um remédio e pede para que tome novamente em seis horas, em seguida me deixa a sós com mamãe...
-Mãe? O Thomas está aí? Ele veio hoje?
-Ele saiu tarde da noite daqui ontem, junto comigo, pode ser que ele esteja dormindo ainda... Quer falar com ele querida?
-Quero sim mãe, por favor.
-Assim que achar ele, pedirei para que suba, mas quero que me conte o que aconteceu noite passada, achei que iria perder você.
Conto para mamãe com menos detalhes que consigo, sei que ela não está surtando pois está preocupada comigo agora, mas se a situação fosse diferente e não tivesse me machucado, provavelmente já teria matado Thomas por nos colocar nessa situação. Ela chora, muito, mesmo não escutando nos mínimos detalhes.
-Acabou querida, vamos para casa, e vamos esquecer isso.
-Mãe, eu quero ir pra faculdade, eu preciso, depois de ontem, percebi que é o que mais quero. Não sei se vai ficar com o papai depois disso tudo, ou se irá para a França, mas eu tomei minha decisão e eu vou.
-Oh minha filha. - Ela desaba em lágrimas novamente. - Você vai, você vai para a faculdade meu amor, tenho orgulho da mulher que está se tornando, sei que essa fase está fazendo de você uma pessoa diferente com todos esse problemas, mas tudo vai voltar como antes.
Paro para refletir, mamãe tem razão, antes disso tudo, eu era muito feliz e muito alegre, animada, sorridente e agora pareço uma pessoa amarga e totalmente diferente do que realmente sou.
- Mãe, eu estou com fome, poderia buscar o café da manhã? - Minto.
- Volto em um instante, não saia daí.
Passado alguns minutos mamãe volta com o meu café da manhã.
- Encontrei com Thomas lá em baixo e pedi para que ele viesse aqui, ele já deve estar vindo, quer que os deixe sozinhos?
- Por favor mãe, quero perguntar como ele está.
Em instantes ele bate na porta e peço para que entre.
- Como você está?
- Como você está?! - Pergunto.
- Estou bem. Como estão as dores?
Ele parece calmo.
- Sim, me sinto melhor, obrigada pelo médico, venha se sente ao meu lado.
Ele continua parado ao pé da cama.
- Por favor, não faz assim, como se não me conhecesse.
- Não precisou de nada Katheryn, nada, pra colocar você em perigo. - Ele caminha pelo quarto para não olhar para mim. - não nos cansamos, não temos um filho, ninguém sabe sobre a gente, e ainda assim, você quase morreu, por minha causa.
- Ei, aquilo aconteceu por minha causa... Só minha! Eu me coloquei em perigo! Eles tinham alguém infiltrado Thommy, eles meio que sabiam sim sobre nós.
- Não tenho dúvidas disso. O que você estava fazendo quando te pegaram.
- Fui pegar um dinheiro...
- Pra que?
- Para ir embora... Eu te disse que não ficaria mais aqui... ia para a França.
- Por causa da nossa discussão?
- O que você acha Thommy?
- E ainda diz que a culpa não é minha? Eu sinto muito por ter dito aquilo, e eu já te pedi desculpas, eu...
interrompo antes que termine.
-Não tem lugar para mim na sua vida, tinha razão quando disse aquilo, você é quase um rei nessa cidade, tem tudo no seu comando, mas nós, eu e você, isso está fora de cogitação sabemos que nunca irá dar em nada... Não vale a pena, você precisa se casar, eu preciso ir para a faculdade, você não vê um futuro para nós e eu também não. - Minto, para o bem dele.
- Fique e dividiremos tudo, darei um jeito de você ser intocável. Falhei em te proteger uma vez, não falharia novamente Katheryn. - Sei que ele fala sério, mas eu não posso.
- Thommy! Não é com isso que eu me preocupo, já disse que o que aconteceu não foi sua culpa! Sei que sentimos paixão, mas não é o suficiente. - Minto novamente, é mais do que paixão sim. Vou para a faculdade, e você vai se casar e ter filhos, daqui alguns anos seremos apenas dois conhecidos se encontrando na minha casa ou em alguma festa, falando só sobre os negócios.
- Sabe Katheryn, me dói ver você relutar tanto sobre a gente, mesmo sentindo o mesmo por mim. Eu sei que sente, não precisa fingir, sei que sente o mesmo por mim, só não quer admitir. - Ele faz uma pausa. - Vou estar aqui quando voltar, sei que vai ser uma mulher brilhante, uma mulher pela qual vale a pena. Estou indo para Londres, para tratar de negócios, farei um baile no palace como no dia em que nós nos conhecemos, me dê uma última noite pelo menos, e uma última dança.
Ele sai pela porta. Eu o amo, sinto isso, mas eu não posso me deixar entregar, não terei uma vida completa se não estudar e realizar meus sonhos profissionais, vou me arrepender se ficar, vou engravidar e me casar, sei que seria muito feliz ao lado dele, Thommy é algo com que sonhei e nem sabia...
Passado algum tempo mamãe entra pela porta e pede para me dar um banho, acho que preciso mesmo de um banho. Ficamos lendo o restante do dia, cada uma com seu livro atual.  Estou lendo Jane Eyre, é magnífico!
- Mamãe, quando vamos embora? - Estive ansiosa para esse momento, e só agora me dou conta de que, vou sentir falta.
- Ah sim! Esqueci de te contar, iremos amanhã! Teremos alguns homens de guarda ainda só para garantir.
Tomei mais comprimidos para a dor de cabeça que voltou mas já estava melhor, jantamos e continuei a ler até pegar num sono.

Acordo com o barulho de mamãe organizando minhas coisas, às vezes acho que essa mulher não dorme, ela deve estar ansiosa para voltarmos... Ele nem está aqui para nos despedirmos.
- Bom dia mãe! - Ela se assusta, é engraço.
- Bom dia filha! Estamos quase prontos, só falta te arrumar! Ah, John esteve aqui ontem, e antes de ontem também, mas já estava dormindo.
- Ah sim, ele é, muito gentil!
Tento me levantar sozinha, mas mamãe corre para me ajudar.
- Mãe está tudo bem! Estou quase nova em folha, chega de se preocupar, vamos logo pra casa!
Me visto o mais rápido possível, mas mamãe chama minha atenção dizendo que estou mal vestida para me despedir das pessoas queridas que arrumamos aqui, acho que ela se refere somente a Polly e as moças que trabalham aqui mesmo.
- Mãe, faz uma trança em mim?
Me sento na cama com as costas para a beira, mamãe trança meu cabelo com uma trança embutida vindo do topo da cabeça, quando ele termina solto alguns fios para não ficar tão certinha, ela desaprova com o olhar, acha que estou estragando a arte dela. Coloco um vestido rosa claro, não é muito rodado, é bem simples, estava no armário desde que a moça arrumou algumas roupas aqui, mas ainda não tinha usado, o melhor vestido era o da noite retrasada, agora deve estar no lixo depois do estado em que ficou, é uma pena. Ao invés das botas, calço o outro sapato que foi deixado aqui também, um salto estilo boneca, mas não quero abrir mão das botas, elas são especiais de alguma forma.

- Mãe, onde estão minhas botas?
- Estão lá em baixo querida, elas precisavam de uma limpeza.
- Quero levá-las comigo.
- Vou procurar lá em baixo para você então.
- Deixa mãe, eu mesma procuro.

Desço as escadas em busca da bota, preciso ver na lavanderia, que fica em uma porta depois da cozinha.

Chego na lavanderia e quando abro a porta, as botas estão no chão, limpas, sinto uma sensação de alívio ao ver que ainda estão aqui, levo de volta para cima e entrego para mamãe guardar.

- Vou sentir sua falta Polly! - Está tudo pronto para ir, só falta nós nos despedirmos.
- Oh querida, também sentirei a sua, você terá que vir me visitar. - Ela diz enquanto me abraça.
Nos despedimos das moças gentis que trabalham aqui, de Adda, que também está voltando para sua casa e de linda.
Pensei que o motorista que iria nos levar, mas será John. Agora que lembrei do motorista do outro dia, acredito que esteja bem, apenas o ameaçaram de matá-lo, segundo Thomas.
Entramos no carro e a viagem não é demorada, nem consigo acreditar, que estamos de volta!

- Katheryn! - Me viro para olhar pra ele.
- Pois não, John.
- Sentirei sua falta, desejei que tivéssemos mais tempo juntos para nos conhecermos melhor, mas já que nós não temos, tenho que fazer uma coisa.
Ele coloca uma mão em minha nuca e a outra em meu rosto e me puxa para um beijo, quando me dou conta o beijo já aconteceu. - Só consigo sentir alívio por papai já estar lá dentro com as malas.
- Pense nisso. - Ele entra dentro do carro e eu só consigo andar em direção a minha casa, fecho o portão atrás de mim e vou correndo para dentro.

- Seremos só nós essa noite! Terei que cozinhar, não esperem grande coisa. - Mamãe sorri enquanto conversa conosco.
- Nós e alguns homens do Thomas que estão lá fora, ficaremos bem. - Papai diz.
Estamos todos na sala de estar de casa, é tão clara e tão iluminada, totalmente diferente da casa dele.
- Vá tomar banho minha filha! Vista um pijama de frio essa noite.

Evitei pensar no beijo o dia inteiro, mas estou aqui na minha banheira, sozinha com os meus pensamentos e não consigo evitar, não entendo a razão para ele ter feito aquilo, e me dizer para pensar nisso, não tenho que pensar em nada, vou embora daqui uns dias, e se for para pensar em um Shelby, não será nele. Thomas tem meu coração e uma enorme parte nos meus pensamentos. Deixá-lo antes mesmo de começarmos algo de verdade, será tão difícil quanto deixar minha casa, eu só não conseguia admitir, e agora vejo isso claramente.

Comemos peixe empanado com batatas fritas, está maravilhoso, não consigo acreditar que foi mamãe que fez, era um prato simples e típico, mas mesmo assim, ainda acho que ela chamou uma das moças da cozinha. O suco era de groselha e estava tudo muito bom. Depois ficamos na sala de estar juntos, conversando sobre tudo o que ocorreu e vejo que estamos em paz, acho que não terá um divórcio entre esses dois, fico aliviada. O relógio marca que já passou da meia noite, então vou para a cama.
- Boa noite mãe, boa noite pai! Eu amo vocês.
- Também amamos você! - Eles respondem em coral.
Me deito em minha enorme e aconchegante cama, senti muito a falta do meu quarto! Não posso esperar para ver Dorotta e Cindy. Faço uma breve leitura do livro que roubei da casa dos Shelbys, não queria parar de ler, sei que é feio roubar, mas acho que ninguém se importa.

ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora