Capítulo 6

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Se houve algo que Miguel não conseguiu controlar foi a inveja que sentiu quando aquela mulher desapareceu na sua frente. Primeiro, ela nem ao menos sabia que estava dentro de um sonho e o que aqueles sonhos podiam causar. Segundo ela estava acordando. Seu corpo começou a sair do estado sólido, ganhando espécie fantasmagórica. O vapor foi se dissipando e dissipando até sumir totalmente.

Miguel não conseguia se lembrar da última vez que esteve acordado, isto é, totalmente acordado. Fazia pouco menos de um ano que começou a ter aqueles sonhos. Sonhos tão fatais que poderia levariam um a morte. Em seu primeiro sonho ele acordou preso em uma cela escura e suja. Estava em um colchão fino em cima de uma cama de ferro. Ao lado um vaso sanitário que exalava um forte cheiro de fezes.

"Onde estou?" Aquela deveria ser a primeira frase que todos pensavam quando chegavam ali. "Um sonho?" pensou enquanto se lembrava de ter ido deitar com a esposa há poucos minutos.

Levantou-se, controlando a vontade de vomitar e abriu a porta de grade, se libertando daquela cela imunda. O cômodo seguinte dava para um largo corredor, com celas dos dois lados. O corredor estava com uma iluminação fraca abaixo da sua cabeça e para ambas as direções não dava para enxergar nada. No chão ainda conseguia enxergar as várias baratas que vagavam sem direção. A cabeça latejava. O som de alguma coisa batendo nas grades fez com que ele em um solavanco, olhasse para trás. Nada. Apenas o silêncio. Mesmo sabendo que era um sonho (seria mesmo?), o medo começou a dominar seu corpo. Nunca em sua vida estivera em um lugar tão bizarro como aquele.

Uma barata caiu do teto em cima de sua cabeça, fazendo Miguel soltar um grito que ecoou pelo corredor. O eco voltou em forma de um gruído bizarro. As duas mãos se sacudiam entre seus cabelos oleosos na esperança de que a barata caísse. Quando a mesma foi lançada ao chão de barriga para cima, Miguel levantou seu pé sobre o corpo que se debatia e desceu com tudo, esmagando não só ela, mas duas outras baratas que cruzaram o caminho do seu pé na hora errada. Olhou para o teto que estava cheio de baratas. Alguns iam em direção à lâmpada fluorescente que piscava o teto, levava algum tipo de queimadura ao se aproximar se desequilibravam e caiam. Os detalhes daquele sonho pareciam tão reais e ele mesmo parecia tão consciente de tudo.

Ficar ali parado não resolveria nada, mas para qual lado deveria seguir. Escolheu então sua esquerda. E entrou no escuro, pisando sem querer em algumas baratas. Desejou acordar logo, ou mudar de local, como sempre acontecia quando sonhava. Mas o escuro predominava. Olhou para trás e viu a rastro de luz de onde acabara de sair. Pensou em voltar, mas antes que tomasse alguma atitude viu lâmpada do teto pipocar, lançando cacos de vidro e baratas para todo o lado. E então tudo escureceu.

Sobre sua cabeça veio um clarão, olhou para cima e viu a lâmpada acesa. Estava novamente dentro de uma bola de luz no meio do vasto breu. Dos seus lados mais celas. A da direita estava com a grade escancarada. Miguel entrou para ver se encontrava alguma coisa e então não conseguiu segurar o vômito. O cheiro era pior do que o da cela em que acordara. Um cheiro frio de podridão. Vomitou em cima de algumas baratas que passeavam pelo chão, que se sacudiam e abriam as asas tentando em vão voar para fora daquela poça de vômito. Miguel achou estranho mais sentiu que a barata o encarava com um tom ameaçador.

Um enorme zunido preenchia a cela e quando Miguel olhou para o teto viu entre várias moscas o cadáver de um gato já em decomposição amarrado no teto pelo rabo. O gato tinha os pêlos todo preto. O rosto estava se deformando, com um buraco onde se começava a enxergar o branco do osso do lugar que seria os olhos e a parte superior do focinho. Miguel ficou hipnotizado com a situação daquela criatura. Nunca vira animal algum entrando em decomposição. Com a mão direita tapando o nariz para evitar sentir aquele forte cheiro, subiu em cima da cama para enxergar melhor.

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