Capítulo 16

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A "garganta" do palhaço parecia não haver gravidade. Miguel sentiu seu corpo pairando com leveza no ar enquanto os pés iam alcançando o chão. Era uma espécie de poço de pedra circular. Olhou para cima e viu a distância de onde estava para a entrada/boca. Se tivesse gravidade teria caído a cerca de 50 metros de altura e com certeza não sobreviveria. Uma luzinha vermelha brilhava na parede, que fez Miguel lembrar do nariz do palhaço que mordeu seu tornozelo. Ao chegar mais perto se deu conta que a luz era na verdade a maçaneta de uma porta camuflada de pedra. Girou. Viu a sua frente um vasto corredor, tão longo que mal dava para avistar a outra ponta. Era estreito. O teto era iluminado por pequenas lâmpadas vermelhas com dois metros de distancia uma da outra. Deixando as paredes do local também avermelhado.

Miguel entrou cautelosamente observando o local. As paredes, teto e chão eram em uma textura só. Um estrondo veio atrás dele e quando olhou para trás percebeu que a porta pela qual passara acabara de se fechar. Não tinha maçaneta daquele lado, não tinha como abrir. Teve a impressão que as paredes ali estavam ficando mais vermelhas. Gotas de suor começaram a se formar na sua testa e quando percebeu já estava todo molhado de suor. 

As luzes do teto ganharam uma tonalidade mais intensa junto com as paredes. Ele encostou a mão em uma das paredes e a dor o fez tirar rapidamente. Estava quente, mas não o suficiente para queimá-lo. Deu um passo e sentiu a dificuldade de mover seus pés. A parte inferior do seu sapato estava derretendo aos poucos no chão. Percebeu que toda aquela sala estava esquentando, como uma espécie de forno. Sabia que se o sapato derretesse mais seus pés entrariam em contato com o chão e queimariam. Então se apressou para chegar ao outro lado.

Estava com uma jaqueta e a tirou rapidamente enquanto corria, jogando no chão. Ouviu o barulho do couro ferver em contato com o chão, mas evitou olhar para trás. Queria chegar o quanto antes ao outro lado, mas o corredor parecia não ter fim. Sentia seu próprio corpo ficando quente. O suor pingava dos cabelos produzindo um chiado em contato com o chão. Sua vista começou a ficar embaçada, achou que iria desmaiar. Foi quando se viu aproximando da outra porta. A saída daquele inferno. Mais alguns passos. Sentiu a ponta do calcanhar encostar no chão queimando. No final estava correndo na ponta do pé. Levou a mão com tudo até a maçaneta e gritou o mais forte que pode.

O cheiro de queimado incensou o local. Miguel pôde sentir a carne da palma da mão borbulhar e depois fritar. Pensou que iria desmaiar de dor. O calcanhar encostou novamente no chão. Não conseguia mover seu braço. Levou então a outra mão até o antebraço preso na porta e o girou, abrindo a porta. Puxou a mão e viu a carne derretida presa na maçaneta sem querer sair. Puxou de vez, rasgando a carne. E entrou.

Outro corredor, tão longo quanto o anterior, dessa vez com luzes de teto azuladas. Ficou parado observando a mão que queimada a sua frente. Tentou abrir e fechá-la, mas não conseguiu. Com a outra mão socou a parede revoltado e sentiu sua mão esfriando. O frio começou a percorrer seu corpo. Sentiu-se arrependido de ter jogado a jaqueta fora. Voltou a correr. As gotas de suor na sua testa começaram a ganhar solidez, estavam virando gelo. Sentiu sua respiração enfraquecer. Seus músculos começaram a tremer involuntariamente. Olhou para as mãos e as viu pálidas. O joelho fraquejou e ele caiu de frente para o chão. O braço queimou em contato com o chão gélido. Tremia abundantemente. Sentiu sua pele grudar no chão. Puxou com dificuldade. O cabelo oleoso congelara, estava branco e duro, esfriando e pesando sobre sua cabeça.

Olhou para frente, não havia chegado nem na metade do corredor. Jamais conseguiria alcançar a porta. Os dentes batiam uns nos outros tão forte que Miguel achou que iriam quebrar. Tentou se levantar, mas a perna dormente não obedeceu ao seu comando. Desistiu de tentar lutar contra seu destino. Sofria ali há quase um ano, estava na hora de reconhecer a derrota. A imagem de sua esposa veio em sua mente e seus olhos encheram de lágrimas que congelaram dentro da orbita antes que pudesse escorrer pelo rosto. Mas não sentiu o incomodo de ter os olhos congelados. Nada mais incomodou. Um milésimo de segundos depois seu coração deu sua última batida.

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