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— É verdade que gatos tem sete vidas? — perguntou Chidi, o filho caçula de April, com os olhos arregalados. Ele segurava com força o filhotinho que Sam havia dado de presente à Ariana de natal, Pedro, que parecia muito assustado nas mãos do menino.
Nós estávamos reunidos no quintal para um churrasco de celebração do aniversário de casamento dos pais de Ariana, Michael e Adele. Aquele era um dos poucos momentos de descanso em família que tivemos porque, apesar de estarmos durante as férias de verão, a vida de todos estava muito corrida.
Tommy estava cursando aulas de verão para repor o péssimo rendimento do primeiro semestre. Ele precisava recuperar as notas de, pelo menos, sete matérias; e caso não conseguisse, poderia não se formar. Ariana estava sobrecarregada no jornal da cidade. Já a minha mãe insistia em voltar à trabalhar, mesmo que eu houvesse dito inúmeras de vezes que era melhor se recuperar totalmente primeiro. E April estava com a cabeça cheia por causa do divórcio.
— O que você acha? — me ajoelhei para respondê-lo.
— Não sei. — ele deu de ombros, pensativo. — Eu sinto falta do meu pai. Ele sempre tinha uma resposta.
— Ele só está viajando. — coloquei a mão no seu ombro e o olhei nos olhos.
— Ele está sempre viajando, quase nunca para em casa. — Chidi chutou uma pedrinha e fitou o chão. Pedro aproveitou a distração para pular para longe dos braços do menino. — Eu acho que aquele gato não gosta muito de mim.
— Claro que gosta, você é a criança mais interessante daqui.
— Eu sei, meu irmão e meu primo são chatos. — ele esboçou um sorriso. — Será que eu deveria abraçar ele mais forte da próxima vez?
— Provavelmente não é uma boa ideia. — balancei a cabeça.
— Você sempre foi tão bom com meninos. — ouvi a voz de Ariana, que se aproximava de mim.
— O problema é quando eles crescem. — falei, me levantando. Ariana tinha duas garrafas de cerveja na mão e me estendeu uma delas.
— Ele sabe o quanto estamos preocupados com a formatura dele.
— Hoje é um dia alegre, não vamos falar sobre isso. — suspirei. — Como estão os planos para o casamento?
— Uma loucura! — exclamou ela. — Chloe está muito nervosa, e muitos dos trabalhadores estão assustados com o jeito mandão de Spencer.
— Eles se acostumam.
— Falando nisso... — ela mordeu o lábio. — Ainda preciso da confirmação de quantos convites você vai precisar.
— Eu já falei, só um. — comecei a andar na direção da mesa de aperitivos para fugir da conversa. — Nossa isso está uma delícia. Foi o Sam que fez?
— Não mude de assunto. — ela tirou o salgadinho da minha mão antes que eu pudesse colocá-lo na boca.
— Ei, eu ia comer isso. — fiz uma careta fingindo indignação. — Sabe, eu tenho certeza de que Sam colocou suor, trabalho duro e amor nisso e você está aí desperdiçando.
— Tarde demais. Agora você vai me dizer porque muda de assunto toda vez que eu falo sobre isso.
— Eu não tenho ninguém para levar. — expliquei, tentando sair de perto dela mais uma vez. Ariana, no entanto, foi mais rápida e se posicionou na minha frente.
— E a Melissa? — insistiu. Eu estava envergonhado demais para contá-la o motivo pelo qual eu e Melissa não demos certo, e acabei guardando segredo. Bem como guardei segredo sobre a minha suspensão do trabalho. — Se aconteceu algo, por que você não me fala? Só quero que você pare de mentir para mim. Eu conheço você.
Fomos interrompidos pela mãe de Ariana que batia com uma colher numa taça.
— Se reúnam aqui, por favor. — dizia ela.
— Olha, temos que ir. — repliquei com um sorriso brincalhão.
— Não fuja de mim, Jason Lane Martell!
— Primeiro de tudo, eu só queria agradecer todos que estão aqui hoje, principalmente aqueles que moram longe e tiveram que dirigir até aqui. — começou a senhora Baker. Ela e o marido estavam abraçados ao redor da churrasqueira, esperando todos se reunirem ao redor deles. — Trinta e cinco anos juntos. — ela respirou fundo e olhou para o senhor Baker. — Trinta e cinco anos desde que eu me casei com o amor da minha vida.
— Eu sei que todos aqui já ouviram essa história várias e várias vezes, — disse Michael, fazendo-nos garalhar. — mas eu faço questão de contá-la todos os anos. Lá estava eu, trabalhando como salva-vidas no verão para ganhar um dinheirinho extra, quando eu vejo essas patricinhas entrando na praia.
— Eu não era patricinha!
— Era sim. — ele riu. — Quando elas entraram na água, eu sabia que nada bom podia acontecer. Pelo lado ruim, Adele realmente se afogou. Pelo lado bom, eu pude salvá-la. E o que deveria ser apenas um caso de verão, se tornou o amor da minha vida. Minha melhor amiga, minha companheira, minha esposa, e a mãe das minhas filhas. Eu agradeço todos os dias por esses pequenos acasos. São deles que vem as melhores coisas das nossas vidas. Quando menos estamos esperando.
Involuntariamente meu olhar foi parar em Ariana, que tinha os braços de Sam ao redor da sua cintura. Por um instante, nossos olhares se encontraram e ela sorriu.
— Uma vez eu me peguei pensando... — murmurou Adele. — O que aconteceria se eu tivesse aprendido a nadar quando era pequena. — soltou uma risada. — E eu percebi, que não importa o que eu mudasse no meu passado, eu estava destinada a conhecer o Michael.
— Por isso que fazemos questão de celebrar todos os anos. — ele levantou seu copo para que brindássemos. — Ao amor.
— Ao amor. — todos repetiram.
Me afastei da multidão para terminar minha bebida sozinho. Enquanto refletia, tirei do meu bolso um bloquinho de notas completamente em branco. E, por mais que tudo que eu quisesse era desenhar ali, eu não conseguia. Há anos eu tentava rabiscar qualquer coisa, e nada saía. Não havia inspiração. Ou talvez eu simplesmente tivesse perdido talento.
A última vez que consegui pintar uma tela foi também a última vez que eu e Tommy jogamos uma partida de futebol juntos. Ele tinha quase quatorze anos, estava apenas começando a se afastar de nós, e foi passar as férias em New Heaven, enquanto Ariana estava fazendo uma viagem a trabalho para a Itália. James, que tinha se mudado recentemente para meu apartamento, estava ansioso para conhecer o sobrinho.
— Meio-sobrinho. — eu implicava.
— Não existe essa coisa de meio-sobrinho. — reclamou James. — Ou é sobrinho ou não é.
— Então ele não é. — dei leves tapinhas no seu ombro.
Nós nos divertimos muito naquele dia. Eu insisti para que Tommy chamasse o tio de "Jimmy" e ele ficou tão irritado que nos desafiou para uma partida de futebol. Porém, James era péssimo como jogador, o que facilitou muito para nós dois. Em seguida, paramos no drive-thru de um restaurante fast food e passamos a noite toda assistindo filmes.
Assim, no outro dia, eu estava inspirado e decidi pintar o que eu não sabia que seria minha última tela. Até Tommy me ajudou, mesmo que ele não tivesse jeito algum para isso. Nós a chamamos de "A arte de Jason e Thomas". Era uma pintura colorida e abstrata de nós dois.
Após o churrasco, me despedi de todos e fui para casa, ainda pensando naquela tela, que há anos eu não via. Tudo aquilo parecia ser em outra vida. Uma mais colorida, e menos desanimadora.
— Mãe, cheguei! — exclamei ao abrir a porta. — Mãe!
Estranhei o silêncio, afinal, fazia dois minutos que ela me mandara uma mensagem dizendo que tinha chegado em casa. — Mã...
Antes que eu pudesse terminar, me deparei com a minha mãe caída na cozinha.
— Mãe!
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A MÃE DO MEU FILHO
RomanceQuinze anos depois que Ariana Baker apagara aquela mensagem que o pai do seu filho deixara na caixa postal, a vida de Jason Martell nunca mais foi a mesma. Agora, ele vivia em New Heaven com o meio-irmão, tendo que administrar seu tempo entre o trab...