De todas as lembranças que ressurgiram, uma me incomodou: O modo que sobrevivi ao penhasco. Era algo tão louco que eu mesmo havia descartado dos meus pensamentos.
Se eu não sabia o porquê, logo esquecia.
Eu tinha que lembrar a causa da minha sobrevivência. Tudo tinha um porquê e aquilo não podia ser ignorado, não mais. Aos poucos, me lembrei do vento e da queda. O jeito que o vento me tocou e fez com que eu caísse se repetiu naquela noite chuvosa. Foi só lembrar a sensação que o meu corpo foi envolvido pela mesma, imediatamente.
Eu não queria o alívio que senti seis anos antes daquele dia. Era algo tão libertador que levava a culpa para bem longe e eu me culpava por aquilo. Era para eu chorar, espernear e querer tudo de volta ao invés de levar a culpa para outro lugar.
Mas... do que mesmo eu me culparia?
A caminhonete não pegou, não era minha culpa. Não foi eu quem deu o câncer à Enn. Ali, naquela noite, eu era o único capaz de mudar aquele quadro.
Eu precisava daquela sensação novamente.
Havia um tronco grande e largo bem no centro da floresta. Era a única sequoia de Orange falls. Nela, tinham várias marcas minhas, pois a usava como referência para não me perder. Eu precisava daquela árvore.
A maior árvore da floresta.
Seria impossível subir pelo seu tronco. Procurei então uma árvore por perto que fosse tão alta quanto ela, e achei. Subi com pressa por seus galhos até chegar no topo, que era equivalente ao primeiro galho da sequoia.
Fechei meus olhos.
Imaginei o vento me consumindo novamente.
Ele veio, e então abri os olhos.
A chuva atrapalhava minha visão, mas mesmo assim notei que o galho da outra árvore me sustentaria. Daquele, poderia alcançar outros galhos ou até mesmo o topo.
Um leve arrepio me consumiu. Todo e qualquer barulho daquela noite se calou enquanto meu corpo recebia aquilo que eu pensava ser um vento qualquer. Eu não tinha fé em mim mesmo, mas naquela noite eu sabia que, mesmo estando a metros de distância daquela sequoia, meus pés a alcançariam.
Fazendo aquilo por Adrienne, estaria fazendo também por Lilly.
Me agachei no galho como um corredor olímpico prestes a dar a largada. Minhas mãos seguravam os galhos laterais. Aquele tênis escorregava um pouco. Mantive minha respiração controlada, ainda sentindo aquele arrepio. O galho da frente se tornou um ponto isolado dos demais e o vento ainda me consumia.
Sabe aqueles sonhos em que voamos e, quando acordamos, ainda pensamos que é possível voar? Momentos antes de voltarmos a si, algo em nosso interior realmente acredita que se tentarmos voar, conseguiremos.
Eu senti isso tão forte quanto o frio daquela noite.
E com a pouca fé que possuíra, saltei para a sequoia. As gotas de chuva levadas pelo vento agressivamente contra o meu rosto funcionavam como resistência. Eu saltei, subi e cairia se não tivesse sentindo tudo aquilo dentro de mim. O mesmo vento que seis anos daquele dia me conduziu, naquele exato momento era parte de mim.
Eu o conduzi.
Quando o efeito do salto acabou e eu provavelmente cairia no chão, aquele vento e aquela sensação me levaram vagarosamente para o galho da sequoia. O que antes parecia impossível foi mais fácil do que pensei.
Ainda era o começo. Eu teria que alcançar o topo da grande árvore. Me apoiei nos galhos fortes e saltei de um para o outro com certa dificuldade. Minhas mãos estavam totalmente molhadas e com bolhas. Mesmo sofrendo física e psicologicamente, cheguei aquele topo.
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CAPUZ XADREZ (Saga Chess Hoodie)
General FictionViu sua irmã morrer queimada aos dez anos. Sobreviveu à queda de um penhasco sem maiores explicações. Não há idade certa para conhecer a dor, e a dele veio cedo demais. Seis anos depois, vivendo longe de casa, Elliot é mais uma vez confrontado por t...