Capítulo 23 - Aldeão

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   Assim que sobrevoei o Golden State, não consegui identificar ninguém. O prédio estava cheio na parte de cima - onde haveria o corpo de Kimberly - com muitas autoridades diferentes.

  Não quis aterrissar por ali.

  Voei por mais alguns lugares, mas não achei nenhum que fosse seguro o suficiente para aterrissar. Também estava cansado de usar meus poderes, queria apenas um bom banho e uma roupa diferente. Fiz o percurso para a fazenda dos Bings, na esperança de achar a casa vazia para não ter que explicar nada para ninguém. Seria minha última chance de dormir bem até que alguém chegasse. A morte de Jarod não me impactou tanto quanto as palavras de Andrew, não havia entendido a analogia que ele tinha feito sobre Phillip ser meu pai.

  Eu não tive um pai, nem ao menos sabia quem ele era. Meus avós maternos sempre desconversavam sobre o assunto, alegando que minha mãe não dera detalhes antes de sumir no mundo. Do jeito que Eleanor era dita, até mesmo eu acreditava naquilo. Não que fosse ruim tê-lo como pai, eu não saberia graças à condição de saúde que o mesmo possuía.

  A menos que eu o curasse.

  Minha cabeça estava tão cheia e eu também não possuía esperanças suficientes para imaginar um retorno à casa que morei nos último seis anos. Fui tão leviano que esqueci do que podia fazer com meus poderes. Mas tudo estava indo para onde eu imaginava.

  O tormento havia acabado. Por hora.

Pousei no gramado da fazenda. Tudo estava iluminado do jeito que deixei, então tinha certeza de que não havia ninguém em casa. Pude entrar fazendo barulho, sem me preocupar se alguém acordaria. Tirei a blusa e a joguei na sala, depois deixei um pé de sapato no meio da escada e o outro na porta do meu quarto. Não estava nem aí se tinha ou não toalha no banheiro, sairia nu da mesma maneira para pegá-la. Eu precisava tanto de um banho que trocaria uma semana de comida por um balde d'água.

  Aquele banho frio desceu como uma luva. Lavei o cabelo depois de muito tempo, fiz toda a higiene possível para dormir bem sem ser incomodado. A casa estava com cheiro de madeira antiga, pois não era faxinada há algum tempo. Caminhei pelado até o quarto, me sequei e depois vesti um short de dormir. Senti uma presença antes de apagar a luz, mas não identifiquei o transmissor. Olhei para trás, checando os corredores de acesso à escada, mas não vi ninguém. Quando olhei novamente para o quarto, uma mão tapou os meus olhos e então desmaiei.

  Tonto, fiz força para abrir os olhos. Era dia e eu estava vivo, aquilo era um ótimo sinal. Dormia na cama do Frank, o que também não era algo muito ruim. Sentei na cama e me questionei rapidamente sobre o que havia acontecido. Levantei e não achei minhas pantufas, o que me obrigaria a caminhar descalço. De pé, olhei pela cortina de Frank e vi alguns carros do lado de fora, inclusive a caminhonete velha estacionada perto da cerca.

  A casa estava silenciosa, aquela era minha preocupação. O que fosse acontecer, podia pelo menos esperar uma leve escovada de dentes. O fiz, joguei água no rosto para acordar direito e desci sem me importar com o que estaria ali. Afinal, foram tantas coisas que eu mesmo não me surpreenderia com mais nada.

  A escada barulhenta entregou os meus passos, o que apenas facilitaria para quem estava ali. Sabia do risco de encontrar Andrew, mas ele não seria tão afobado. Pessoas como ele gostam de aproveitar a vingança, então isso me dava a certeza de que eu tinha todo o tempo do mundo para acabar com ele.

  Devagar, cheguei à sala. Muitas pessoas estavam ali, juntos de bolas ornamentais e um bolo enorme. Charlotte, Anee, Jackie, Dylan, Frank... e Phillip, sentado de costas para mim. Todos gritaram "surpresa" ao me verem. Quando viram o quão frígido eu estava, riram e começaram a se aproximar para um abraço coletivo.

   Charlotte se aproximou sorrindo.

- Acho que exagerei um pouco, mas deve ter dormido sem nenhuma interrupção.

- Aquilo sim foi uma surpresa. - A jovem me abraçou forte.

- Bem-vindo de volta, Elliot!

Depois, Anee veio em minha direção.

- Consegue um espaço para mim na escala de vigilantes?

- Só se você aderir ao nome "gárgola", porque eu achei bem a sua cara.

- Eu riria se tivesse graça. - Anee ficou séria, mas riu depois e me deu um beijo no rosto.

- E aí, mano? Poxa, será que eu consigo um espaço nessa escala aí? Tá maior chato ver todo mundo voando.

- Oi Dylan, também senti sua falta!

- Hehehehehe, to brincando! Mas se quiser me ensinar, estamos aí! Ah, desenrola com a Tarynn pra ser aliviado dos dias que esteve fora.

- Sim, pode deixar. Ah, precisarei do seu carro emprestado. Tem uma pessoa que eu quero dar uma volta.

Jackie foi tomando a frente da conversa. Todos ali entenderam que eu estava falando dela.

- Tem que ser hoje. O voo para Bounermouth é amanhã, prometi à minha mãe que não perderia esse.

- Sem problemas, a gente pode dar uma volta no modo tradicional.

  Todos olharam para Dylan e riram, enquanto ele cruzou os braços e riu mesmo estando sem graça. Jackie me deu um beijo curto na boca e foi para perto de Anee, com quem conquistou certa afinidade. Frank não deixou nem que eu o olhasse, apenas me abraçou e disse que era ótimo me ter por perto.

- Velho, temos algumas coisas para conversar.

- É, a gente precisa sim. Precisa me contar umas coisas e eu também quero falar umas boas pra você.

- Concordo, mas o meu assunto é algo um pouco delicado. Melhor deixar para outra hora. - não começaria a falar de Andrew ali, muito menos do que foi dito por ele.

- Cê que sabe, moleque. Ó, vou preparar um guisado bem gostoso pra'gente.

  O velho foi para cozinha. Meus amigos estavam na sala interagindo sobre poderes e redes sociais. O que eu mais gostava neles era como me respeitavam e não me tratavam como o centro das atenções. Era até difícil ser, dividindo dons com tanta gente.

  Passei pelos meus amigos e cheguei à Phillip. Ele estava sentado ereto, como nunca antes visto por mim. Parecia que uma parte do que Andrew disse era realmente verdade. Beijei sua testa e disse "vou te curar daqui a pouco, pai" em seu ouvido. Seu olhar estava longe, mas nem tão distante como antes.

  E foi naquele dia que um pouco do meu mundo retornou. Conquistei amigos, fiz história e ainda sobrevivi às adversidades. Gray Town não ficaria sem mim, mas a família cresceu. Agora ela possuía alguns filhos a mais, assim como eu possuía irmãos. Jovens como eu que cruzavam os céus e davam suas vidas para salvarem pessoas desconhecidas sem pedir nada em troca, e mesmo assim serem caçados pela justiça e mídia, que por sua vez virava a população contra nós. Nem sempre a população do país inteiro sabe o que diz, mas aquele povo que passava todas as noites pela cidade sabia que, se olhassem para o alto, veriam uma pessoa vestindo vermelho no topo de algum prédio, acompanhada de outros borrões voadores que também eram aclamados na internet com pequenos vídeos e frases de incentivo para que continuassem dando suas vidas pelas deles. 

CAPUZ XADREZ (Saga Chess Hoodie)Onde histórias criam vida. Descubra agora