Duas semanas se passaram após a captura daquela garota. Aigner e Char eram os únicos que cuidavam dela. Um pano úmido com um barril de água e alguns itens de higiene pessoal ficavam do lado direito da cela, enquanto do lado esquerdo havia um colchão, roupas de cama e vestimenta. A jovem havia se habituado com a prisão, sem reagir negativamente a nenhuma interação deles. Mas aquilo tinha um preço: ela não disse nada em todo aquele tempo.
Em minhas conversas noturnas com Aigner, o mesmo dizia que era preciso mantê-la na prisão. As celas não tinham fechaduras, era apenas o ferro crivado na parede de pedra. Ele era o único que podia tirá-la dali, então não teria como agir em segredo. Eu, com toda a minha covardia, mal conseguia olhar através do portão que dava acesso às masmorras. Foram duas longas semanas olhando por uma fresta, com toda a dor e culpa de tê-la afastado do seu mundo.
Charlotte queria conhecer o Egito e Aigner prometeu levá-la. Os dois combinaram no jantar da quinta-feira, enquanto comíamos kebabs. Naquela noite, o pouco que sobrou foi colocado em um dos potinhos para ser levado à prisioneira. Aigner disse que eu o faria.
Cruzei o castelo inteiro, indo ao salão inferior central. Diferente do hall, aquele salão possuía as paredes brancas com detalhes dourados e gravuras no teto. Era por ali a entrada principal e das masmorras, na porta disfarçada de estante. Desci cada degrau de pedra cuidadosamente, pois estava escuro e o chão não era perfeito. Muitos degraus depois, cheguei ao portão de acesso. Lembro-me também do quão difícil foi abrir aquele portão e saber que ela me veria com aqueles olhos antes divinos. Cheguei perto de sua grade em passos lentos, reparando no corredor que não atravessava há algum tempo. Ela estava ali, deitada no colchão e lendo um livro de fantasia. Mesmo notando minha chegada, a mesma não fez questão de olhar para mim. Agachei, coloquei o pote no chão e o arrastei para dentro da cela com minha mão. Na outra, havia uma garrafa de refrigerante. Fiz o mesmo.
- Itah. - Disse a jovem, antes que eu cruzasse o portão.
- O que disse?
- Itah era o nome da onça negra que ia te atacar naquela noite, e não Bagheera.
- Eu sei, ele só quis fazer referência ao...
- Mogli. Sim, eu li "The Jungle Book" quando pequena.
- E o que está lendo agora?
- Lugar Nenhum, do Neil Gaiman. Ele é a única coisa da Inglaterra que eu gosto, minha mãe é de lá.
- Achei que fosse brasileira.
- Minha mãe era uma médica inglesa que fazia trabalhos voluntários nas tribos brasileiras. Ela curou a aldeia inteira de uma febre que matou muitas pessoas. Meu pai era um guerreiro dessa tribo que ficou muito debilitado e também foi curado por ela. O resto você já pode imaginar.
- E quando descobriu os seus dons?
- No dia do meu nascimento, vários animais seguiram o meu choro e tentaram atacar os índios da tribo. O pajé interpretou minha vinda ao mundo como uma ofensa aos deuses e ordenou que me sacrificassem. Meu pai ajudou minha mãe a escapar e isso custou a vida dele. Anos mais tarde, depois de passar uma infância solitária na Inglaterra, minha mãe achou melhor retornarmos à tribo. Eu já usava meus poderes desde muito nova, o que ajudou a convencer os índios de que eu era algum tipo de deusa. Isso me manteve viva por bastante tempo e permitiu que eu explorasse meus dons, mas minha mãe não teve a chance de participar da minha adolescência.
- Não a deixaram ficar.
- Exatamente. Mamãe sempre dizia que eu não pertencia à Europa, que me deixar trancada naquele apartamento lendo e aprendendo sobre uma outra cultura era um crime. Aigner tirou a única chance que eu tinha de abandonar a tribo e reencontrar minha mãe.
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CAPUZ XADREZ (Saga Chess Hoodie)
General FictionViu sua irmã morrer queimada aos dez anos. Sobreviveu à queda de um penhasco sem maiores explicações. Não há idade certa para conhecer a dor, e a dele veio cedo demais. Seis anos depois, vivendo longe de casa, Elliot é mais uma vez confrontado por t...