Capítulo 5 - Luto

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  Como toda cidade pequena, Orange Falls parecia ser constituída por uma só família. Bastaram alguns telefonemas para que a cidade inteira soubesse da morte de Enn. Frank estava desolado, mas sabia que havia muito a ser feito. Custou para que o velho se entregasse.

  Fiquei parado na cama pensando por onde começar. Mesmo doente, Adrienne se mostrou muito presente em todas as atividades do lar e sabia como coordenar nossas vidas. A partir dali, eu tomaria suas responsabilidades para mim. Cuidar da fazenda, da casa e de Phillip seriam minhas obrigações daquele dia em diante.

  Horas após a partida de Andrew, Frank apareceu no quarto e pediu que eu vestisse o antigo terno de Phillip. O velho vestia um terno que usou no casamento da filha dos Hernandez. Calado, caminhou em minha direção e me olhou profundamente nos olhos. Parecia que o velho desabaria a qualquer momento.

- Frank, me desculpe por essa madrugada. Queria ter ajudado...

- Não estou intrigado com isso. Velhos têm certeza de que partirão um dia. – O velho me interrompeu e se sentou ao meu lado – O que não entendi foi como você chegou tão rápido ao centro sem a caminhonete.

  Lembro-me que quando ouvi Frank falar aquilo, congelei. Minhas pernas tremiam e eu não sabia nem como olhar para ele. Até mesmo o fluxo de ar em meus pulmões parecia ter parado.

- Consegui uma carona na estrada. Um desses garotos que costumam acampar me deu carona de moto.

- E como essa motocicleta o jogou em cima dos galões?

- ...

- A velha sempre o defendeu de tudo, até mesmo de mim. Eu sempre quis saber sobre o seu passado, mas ela insistia em deixá-lo à vontade.

- Frank, eu não me lembro do meu passado! Acha mesmo que eu não gostaria de lembrar quem são meus pais, se tive irmãos ou algo do tipo?!

- Muito pelo contrário, Elliot... – O velho levantou-se e caminhou até a porta – Dá para ver em seus olhos que você não gosta de lembrar deles.

  O silêncio se instaurou naquele quarto. Frank descera as escadas, me deixando ali com Phillip e uma sequência de lembranças. Tive tantas dúvidas se contava tudo que passei a ele ou não que corri em sua direção. O velho estava na sala, usando o telefone que ficava pendurado na parede perto da televisão. Frank olhou para mim e desligou o telefone como quem sabia que ouviria algo importante.

  Eu queria desabafar com ele, mas não disse uma palavra sequer. Meus olhos estavam saltados, eu não conseguia expor o que queria. Apenas lágrimas conseguiam escapar de mim.

- Assim que tudo acabar e Adrienne for enterrada, teremos uma conversa definitiva. Somos só nós dois agora, moleque. Não vou tolerar segredos entre nós.

- O que quer dizer com isso?

- Se você não abrir o bico sobre o seu passado, terá que escolher outro lugar para morar.

  Meu mundo caiu naquele momento. Parecia que todo o peso de minhas perdas havia voltado de uma só vez. Um peso tão grande que impedia até mesmo o tempo de passar.

  Naquela manhã, eu estava preso em minha própria dor.

  Em minhas próprias dores.

  Subi as escadas, entrei no quarto. O terno estava em cima da cama. Ele parecia ter sido usado poucas vezes. Ele era tão negro quanto aquele dia. A gravata era de listras diagonais, umas pretas e outras cinzas. Aquela seria a primeira vez que eu usaria aquele terno e em meu íntimo eu desejava que fosse a última.

CAPUZ XADREZ (Saga Chess Hoodie)Onde histórias criam vida. Descubra agora