Capítulo 20 - Resiliência

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  Por horas me perguntei sobre o que Ariel seria. Naquele momento, quando eu ainda era apenas um garoto confuso, ele fora um como um pai. Não era deus algum, pois era limitado em alguns aspectos. De fato, aquele homem destemido salvou o dia me mostrando que muitas coisas existiam além da vida problemática que eu levava. Seja lá o que eu escolhesse para mim dali em diante, seria recompensado de alguma forma.

  A luz nos levou até o beco de antes. A índia olhou para mim e sorriu, como se tudo aquilo tivesse sido apenas um sonho. Havia apenas uma forma de constatar o mesmo.

  Corremos juntos até a cafeteria. Os clientes estavam ali, na mesma posição de antes. A garçonete ainda sorria e servia quem chegava por ali. O mesmo canal sintonizava aquele programa chato. Era possível ver a cobertura daquele prédio de poucos andares, mas seria difícil voar até lá sem que fôssemos notados.

  Subimos pelas escadas com certa pressa. Eram oito lances, dois em cada andar. Uma luz vermelha indicava que já havíamos chegado no topo, só restava uma última porta de incêndios para ser aberta. A índia chutou com tanta força que a porta se arrebentou no trinco, logo depois vimos que não havia nada por ali. Nenhum móvel ou indício de locação, apenas um enorme vazio no cômodo que mais parecia um flat. Andamos pelo lugar e não vimos nada além de uma janela aberta. E então, na frente de nossos olhos, um bilhete veio planando com o vento que entrara ali até cair no chão. Andei até o mesmo e o peguei, lendo-o em voz alta.

"Passe duplo para a biblioteca."

  Jackie sorriu, assim como eu. Aquilo tudo realmente havia acontecido, mesmo sendo muito difícil de acreditar. No papel havia um passe, mas não sabíamos como usá-lo. Deixamos o apartamento vazio e voltamos para a rua, ainda entusiasmados pelo que havia acontecido. Estávamos com fome. Ainda possuíamos alguns euros, mas não o suficiente para jantar. A índia então teve mais uma ideia sem nexo de conseguir dinheiro sem ter que chamar Aigner pelo tablet.

- Olha, eu não sei você, mas temos vinte e quatro horas para aproveitar a Itália antes de sermos presos por Aigner. Quero curtir cada segundinho.

- E o que a gente faz aqui? Não tem nada além de pessoas idosas e turistas. Presta atenção naquela moça com o chihuahua?

A índia esboçou ter pensado em algo brilhante e beijou minha testa.

- Você é um gênio, Elliot!

  Ela puxou minha mão e correu na direção das pessoas que estavam amontoadas na orla. Só deu tempo de eu tirar o casaco, amarrá-lo na cintura e ficar com a camisa branca que estava por baixo dele. Meu coque se desfez quando corri. Chegando na calçada de pedrinhas brancas, Jackie começou a gritar em italiano como se estivesse chamando o público, o que não pude entender muito bem. Pessoas chegaram perto com o olhar atencioso para a jovem.

  Inclusive a moça idosa com o chihuahua.

  Jackie, já com a atenção de todos ao redor, começou a fazer firulas como se fosse uma atriz de circo. Olhei afastado, como se nem a conhecesse. Ela direcionou seu olhar para mim e me chamou. Em seguida, interagiu ainda mais com o público.

- Precisamos de algum voluntário que possua algum bichinho de estimação. - E então aquela senhora do chihuahua se aproximou com descrença. - Temos aqui um lindo cachorrinho, e esse mesmo me dirá seu nome!

  O povo começou a rir e cochichar entre si, ninguém acreditou nela. Jackie me entregou o cachorro e pediu que eu o segurasse. Ele tinha cheiro de lavanda, similar ao aroma do quarto de Adrienne. Quando mais novo, sempre pensei que a lavanda era algo em comum que toda pessoa além dos sessenta anos possuía.

  A garota o olhou nos olhos e começou a conversar com ele. O povo ao redor começou a rir desenfreadamente. Um aperto forte de vergonha em meu peito começou a incomodar, quis ser como Aigner apenas para sair dali num piscar de olhos. A índia não se abateu com a reação das pessoas, apenas forçou uma conversa com o animal.

CAPUZ XADREZ (Saga Chess Hoodie)Onde histórias criam vida. Descubra agora