A madrugada seguinte foi fria. O vento que entrava pela janela aberta cooperou para os meus pesadelos. Esses mesmos que me fizeram suar a ponto de inutilizar meus cobertores. Mas entre todos os sonhos ruins daquela noite, um se destacou:
Há muitos anos ele não me assombrava. Era como uma cicatriz que o sol queimou. Como uma ferida cauterizada. Ela estava ali, eu sabia, mas não doía tanto quanto deveria. Eu estava suado e preso no que mais parecia um inferno. Aquele mesmo inferno que eu havia passado seis anos antes.
Eu e minhas irmãs comíamos biscoitos na frente da lareira. Nevava do lado de fora, mas ali estava quente e protegido. Minhas mãos sentiam a quentura do copo de leite. Eu possuía um pavor pelas chamas tão grande que não conseguia tirar meus olhos dela. Tudo era muito real. Por um momento, pensei estar naquele lugar. Jude e Lilly abriram seus presentes de natal enquanto eu permanecia com os olhos nas chamas. Entre uma piscada e outra, tudo foi lentamente se alterando. Cada pequena rachadura na lenha se tornava uma tora queimada do celeiro e, quando dei por mim, eu estava lá. Era apenas eu no meio das chamas. Minhas irmãs estavam do lado de fora, como tudo aconteceu. Lilly ao chão, tendo sua blusa tirada pelo meu avô e Judith a abraçando logo em seguida. No fim de tudo, o celeiro caía sobre a minha cabeça e eu acordava. O único que morrera naquele pesadelo foi eu.
Acordei assustado. Meu corpo estava ensopado. Apenas a luz do luar estava ali conosco. Phillip permanecia em sua poltrona, coberto com um edredom de flanela que o aqueceria até mesmo no inverno mais rígido.
Levantei da cama com certa dificuldade. Meu corpo estava fraco, todo aquele inferno havia me afetado. Ou seria o início de uma gripe? Eu não podia saber. Andei o suficiente para chegar no banheiro e me banhar com água quente.
Eu sempre achei que dormir era uma grande perda de tempo, principalmente depois de descobrir meus poderes. Dormir menos não me expunha tanto a pesadelos.
Não conseguiria dormir novamente. Minha mente sempre se perturbava depois de um pesadelo. Eu precisava de algo que me tirasse "das chamas". Vesti uma blusa branca de manga longa, o capuz xadrez por cima e saí pela janela. Eram três e quinze da manhã, segundo o meu celular. O sereno caía sob a grama e o telhado escorregava um pouco. Fechei a janela por fora, deixando-a destrancada. Deslizei até a ponta das telhas retas e saltei para o gramado. Por um momento, pensei no quão incríveis eram todas aquelas pequenas coisas que eu estava aprendendo. Mas minha mente estava turva, meu peito ainda era pressionado pela dor que senti no pesadelo.
Apoiei minhas mãos no joelho, agachado. Minha respiração condensava no frio da noite. Os vidros da caminhonete estavam embaçados. Era o típico clima noturno do norte. O cansaço ainda estava comigo, meu corpo estava dolorido por toda aquela bagunça na piscina da escola.
Minhas irmãs não saíam da minha cabeça, dividindo espaço com o pouco tempo que me restava.
Apanhei o celular e liguei para Dylan com certo receio. Mesmo sabendo que o mesmo jogava até tarde.
- Ah, é você. O que houve? - respondeu Dylan, sonolento.
- Preciso que você use sua parafernália digital para encontrar um endereço.
- Um minuto que eu vou ligar o computador. Aconteceu alguma coisa?
- Tive um sonho com a minha família, a de antes. Esse prazo que o Aigner deu pode ser o último, não sei o que vai rolar comigo até eu voltar. Isso se eu voltar.
- Pc ligado. Sabe pelo menos o nome da pessoa?
- Tente procurar por Halford e Geraldine Marshall.
- Hm... pesquisando. Você tá em casa?
- Do lado de fora. Por quê?
- Uau. - Dylan se calou por quase dez segundos - Acho que você deveria voar até aqui.
VOCÊ ESTÁ LENDO
CAPUZ XADREZ (Saga Chess Hoodie)
General FictionViu sua irmã morrer queimada aos dez anos. Sobreviveu à queda de um penhasco sem maiores explicações. Não há idade certa para conhecer a dor, e a dele veio cedo demais. Seis anos depois, vivendo longe de casa, Elliot é mais uma vez confrontado por t...