O dia seguinte chegou, mas não como qualquer outro. Se o mundo não tivesse a levado, comemoraríamos o aniversário de Adrienne.
Naquela manhã eu seria acordado com dois beijos na testa. Ao descer as escadas, panquecas estariam me esperando. O Frank sorriria como se fosse natal e faríamos nosso desjejum com alegria.
Saí daquele quarto empoeirado e fui à cozinha. Phillip estava sozinho à mesa, olhando para o nada. Frank não estava na varanda - como de costume - e sim na janela. Seus olhos estavam tão distantes quanto os do Phill. Me aproximei como se fosse apenas um dia comum na esperança de que o mesmo não lembrasse daquela data.
O café estava pronto e posto à mesa.
Me servi sem olhar para os lados, ignorando qualquer chance de diálogo. O café não estava tão quente e isso era bom. Eu odiava café quente demais, pois sempre queimava os lábios e passava o dia inteiro mordendo a ponta da língua.
Frank sentara perto de mim. Seus olhos ficaram tão baixos que pareciam fechados do meu ponto de vista. Ele mordia aquelas bolachas mergulhadas no café com certa pena. Elas haviam sido preparadas por Enn. Eram as últimas.
- Será que ele sente falta dela? - Disse Frank sem desviar o olhar do prato.
- Todos nós sentimos, Frank.
O velho se endireitou na cadeira e ficou calado. Eu sabia só de olhar para ele que o mundo estava preso em sua garganta. Adrienne era o calcanhar de Aquiles do Frank, nem ele estava preparado para perdê-la.
O seis anos que passei ao lado daquela grande mulher fizeram com o que o meu coração se acalantasse. Ela era a alma da casa, carregava toda a bondade que superava a de qualquer pessoa que um dia eu conhecera.
Terminamos o café que mal começamos e levamos Phillip em sua cadeira de rodas até a saída traseira da casa, que dava acesso ao túmulo. Descemos pela rampa e seguimos o caminho de pedrinhas. O velho caminhou mais rápido até o túmulo, se ajoelhou e chorou como eu jamais havia visto.
- Um pedaço de mim havia ido embora junto de Phillip há dezessete anos, o que restou está enterrado aqui.
- Seu filho está vivo, Frank! Ele ouve, pensa e sente tudo que também sentimos... infelizmente, ele perdeu o direito de se expressar.
- Se ele ainda estivesse inteiro, me odiaria. Não fui um bom pai para ele, ela era uma mãe e um pai ao mesmo tempo e olha só? Estamos aqui, de frente para a cova da única pessoa que se importou com todos nós.
Eu respeitei a dor de Frank e não manifestei a minha. Freei a cadeira do Phill e voltei para dentro de casa. Eu não queria chorar, não queria ser consolado.
Não haveria ninguém ali para me consolar.
Entrei na cozinha e percebi meu celular vibrando sob a bancada. Era Dylan.
- E aí, cara! Tá pronto pra ir ao colégio?
- Hoje não é um bom dia, Dylan. Não estou muito na vibe da escola.
- Tarde demais, cara! Estou a duas quadras da sua casa. Se arruma e vem logo, talvez dê tempo de comermos alguma coisa antes da aula.
Desliguei o telefone e fui me preparar para o colégio. O dia seria bem pior se eu ficasse em casa.
Mesmo sabendo que eu jamais a usaria durante o dia, fazia questão de levar a blusa xadrez na mochila. Era só ela, na verdade. Meu material sempre ficou guardado no armário da escola.
Depois de toda aquela chatice matinal, eu estava pronto. Voei da janela direto para o carro de Dylan. O garoto continuava me olhando com aquela face paspalha. Ele jamais enjoaria de me ver voando.
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CAPUZ XADREZ (Saga Chess Hoodie)
General FictionViu sua irmã morrer queimada aos dez anos. Sobreviveu à queda de um penhasco sem maiores explicações. Não há idade certa para conhecer a dor, e a dele veio cedo demais. Seis anos depois, vivendo longe de casa, Elliot é mais uma vez confrontado por t...