Capítulo 1

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Ever correu para fora da galeria e viu ele entrar em um carro. Mesmo que se desencontrassem, o livro sempre a levaria até ele. Ficou o observando ir embora, por fim, sumindo do seu campo de visão. O famoso aperto no peito a assolou mais uma vez, será que nunca se sentiria livre de novo?

Ela carregava o peso de fazer parte da história de amor de vários casais, sem lhe ter sido permitido viver seu próprio romance. Se ela tivesse nascido diferente, talvez, só talvez, ela fosse aceita. E não estaria caminhando sobre a terra por tanto tempo.

Ela ao menos ainda tinha as lembranças dele, do seu sorriso, do seu porte elegante. Ela realmente encontrou seu príncipe encantado.
Carregada de momentos bons, ela ainda podia pensar, e sonhar com ele. Não podiam controlar sua mente. E por mais que ainda controlassem seu corpo, por mais que não fosse livre; seu coração ainda amava ele.
Ever sorriu. Segurou com força o livro. Ela precisava ir para casa. Iria descansar antes de ter que enfrentar ele. Não estava preparada para um novo romance, seu último casal tinha finalmente se acertado à menos de 24 horas.

Caminhou tranquilamente pelas ruas movimentadas, invisível aos olhos mortais, ela admirava as reações das pessoas, crianças conversando com seus pais, casais se abraçando, amigos aproveitando o dia.

No final do dia, ela tinha vagado despreocupada sem nenhum lugar em mente. Só queria esquecer sua vida amaldiçoada e pensar em outras coisas. Mas ela via seu passado em todos os lugares, em todas as pessoas. Não conseguia fugir de seu destino.

Ever olhou para o céu noturno coberto por estrelas brilhantes, se lembrou de um dia feliz onde o príncipe a levou para ver vagalumes em uma área escondida da floresta, seu lugar secreto; o lugar que passariam a se encontrar. Ele tinha lhe contado seus segredos mais obscuros, tinha lhe feito rir, e mostrado a ela uma face que ninguém jamais tinha visto. Nem mesmo sua noiva havia estado tão próxima a ele, a ponto de obter sua confiança e seu coração.

Lembranças nostálgicas tinham o poder de derrubar toda sua força interior, e ela se pegava desejando voltar ao passado.

– Você ainda me ama? – Ela perguntou ao céu. Onde quer que ele estivesse desejava ser ouvida.

O vento frio soprou seus cabelos, e ela se sentiu abraçada em sua solidão.

Ela desceu os degraus do metrô, tomou a forma física e passava esquivando dos últimos passageiros. As pessoas estavam voltando para suas casas, para suas famílias. Ever se sentou em um banco distante, observando os passos apressados indo em diversas direções. Se existisse outra vida, se ela pudesse viver outra vida, eles com certeza estariam voltando para sua casa depois de um longo dia exaustivo no trabalho, loucos por se reencontrarem.

Um casal distante aguardava sua linha, ele segurava as mãos dela entre as dele e esfregava tentando aquecer seus dedos. A garota ria da ação dele. Ever não podia sentir frio ou calor, ela se baseava nas pessoas. Aquela garota não sabia o quanto tinha sorte. O casal e ela pegaram a mesma linha, ambos se sentaram distantes, a garota encostou a cabeça no peito dele, e se deixou ser abraçada. Ever a invejava.

Ela observou todos saindo aos poucos, o vagão cada vez mais vazio.
Seu livro começou a brilhar, ela sabia o significado daquilo. Iria doer. Humanos não podiam ver a magia no livro, para eles era apenas um caderno de capa dura com páginas em branco, então só ela sabia o que estava acontecendo; ela abriu a página brilhante. Casal número 689. Dave Monroe e Eva Klint. Ele não estava mais vivo.

– Ah! – um gemido escapou de seus lábios.

A dor era tão forte, como se ela estivesse perdendo o príncipe de novo. Dave tinha sido um bom rapaz, apaixonado desde criança pela mesma mulher, sua melhor amiga do jardim de infância, a Eva encrenqueira. Mas ela nunca tinha percebido que amor deles era mais do que amor fraternal. E Dave precisava de uma ajudinha para se confessar. Ever se lembrava do sorriso tímido e gentil dele, do cuidado excessivo com Eva. Ele a tratava como se ela fosse quebrar a qualquer momento. E ela sabia que podia contar com ele a qualquer momento. Mas infelizmente a vida dele tinha chegado ao fim. O peso dos anos se tornou muito pesado para carregar, e ele morreu tranquilamente enquanto dormia.

– Ah! – Ever sentiu as pontadas doloridas enfraquecerem as batidas do seu coração. Seu querido Dave tinha ido embora.

A foto colorida de Dave se tornou opaca e sem vida. Demonstrando que era realmente o fim.

Uma mulher tocou seu ombro, uma das últimas passageiras dentro do seu vagão.

– Você está bem? – Ela perguntou preocupada.

Ever chorava ao ponto de soluçar, os três passageiros restantes demonstravam preocupação e curiosidade. Ela se levantou e enxugou o rosto úmido. Tentou sorrir.

– Não é nada. – Murmurou. E ficando de pé, desceu na primeira parada. Ela não sabia onde estava, mas provavelmente caminharia até em casa.
Tentando controlar a dor, ela segurava firmemente o livro contra o peito. Uma estação vazia a esperava, era até um consolo para sua tristeza. Ela parecia uma garotinha perdida.

A brisa fria da madrugada a recebeu na rua, poucos veículos ainda perambulavam aquela hora.

Ever olhava para os próprios pés.

– Vocês são tão cruéis! – Ela falava para o vento. Sabia que suas palavras eram ouvidas, mas ignoradas. – Me fazendo sentir a mesma dor sempre que eles se vão. Eu ainda vou amar ele! – Ela jurou.

A pontada atravessou seu peito.

– Não vou desistir! – por maior que fosse a dor que os deuses a infligissem, nada se compararia a saudade que ela sentia. – Ai! – Ela foi jogada no chão, parecia ter topado com uma parede. Mas a parede tinha pés, e usava sapatos caros. Envergonhada ela se levantou sem encarar o homem a sua frente. Não estava com cabeça para conversar. Limpou as roupas rapidamente e desculpou-se, fugindo antes que ele pudesse dizer qualquer palavra à ela.

– Moça! – a voz dele se perdeu no silêncio da noite. Ever já tinha desaparecido. – Garota estranha!

Daniel bagunçou os cabelos como de costume, e olhou para onde a garota tinha caído. Um livro de aspecto velho estava jogado a alguns passos dele, ele tinha quase certeza que pertencia à ela. Se abaixou e pegou-o. Estava em branco. Ele não tinha como entrar em contato com a garota. Mas se algum dia se encontrassem, ele o devolveria.

Entrou no seu carro estacionado como pretendia anteriormente, e jogou o livro no banco traseiro.

A Maldição do CupidoOnde histórias criam vida. Descubra agora