Capítulo 6

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Após rejeitar todas as ofertas de Hi Na, Daniel se trancou no quarto, dispensando os serviços de Ever, mandando-a descansar, por enquanto.

Pela janela Ever via o que seu lugar se tornou, as florestas, o palácio, o povo, tudo havia sido engolido pela modernização, ela não podia ouvir o som dos animais; não havia um jardim secreto, e principalmente não havia um príncipe com quem se encontrar. Ver aquela terra tão diferente sempre lhe causava uma confusão de emoções. Ela tocou o vidro da janela, não havia um lugar para voltar.

Depois de tantos anos ela percebeu que um lugar para voltar não era realmente importante, era mais importante ter para quem voltar; ele estava lá, em algum lugar, sua mente insistia que ele não descumpriria suas promessas.

[ – Você não pode me deixar aqui sozinha! – Ela choramingou quando o príncipe disse que precisava ir. As vezes seus encontros secretos eram interrompidos, ele não podia se ausentar sempre por muito tempo, precisavam disfarçar.

– Eu nunca vou te deixar sozinha! – Ele segurou na mão dela tentando passar confiança. – Preciso ir por um tempo, mas vou voltar quando der.

– E se você demorar? E se me encontrarem aqui sozinha, o que eu faço?

– Me espere. – Ele pediu. – Me espere, vou tentar ser rápido. Mas se demorar muito, vá embora, não quero você vagando por aqui à noite. E não precisa se preocupar, esse é o nosso lugar. Nosso lugar secreto. ]

Ela devia ter perguntado se ele à estava esperando. Seu coração se apertava. Lágrimas inconsistentes molhavam suas bochechas. Ela devia ter dito pra ele que tinha medo de escuro, e que ficou esperando por horas, mas naquele dia ele não voltou. Seus afazeres de príncipe o ocuparam por dias, e ela esteve sozinha o esperando todo o tempo, mas ele nunca estava lá quando ela chegava. Foi horrível! Mas numa tarde ele apareceu, tão lindo como ela se lembrava. Sorrindo.

E se ele estivesse esperando ela? E se ele estivesse sozinho à tanto tempo? E se ...? E se?

Seu coração ficou pesado. Ever encarou a mancha que seus dedos deixaram no vidro. Suas impressões digitais ainda existiam, isso a tornava real? Seu coração ainda batia, isso a tornava viva? Sua mente ainda lembrava, isso a tornava consciente? Ou tudo não passava de uma brincadeira cruel, onde era uma marionete manipulada. Ela só queria saber se ele estava bem.

Um sombra semelhante à sua imagem apareceu na sua frente, ela podia estender os dedos e tocá-la, mas aí saberia que ele não era real.

– Você está bem? – Os lábios fantasmagóricos movimentaram formando palavras. Seu cérebro estava lhe pregando uma peça, mas ela ia deixar.
– Sinto sua falta! – Confessou.

– Eu sei! Me desculpe por isso! – Ela pode ouvir a voz dele. Era tão forte, como se fosse verdade.

– Pode ficar essa noite?

O fantasma sorriu, ela sentia tanta falta das risadas dele. Mas seu corpo era como uma fumaça meio disforme. Era como se ele estivesse se dissipando em névoa. Ela estendeu a mão, mas tocou o nada, ele não estava lá. Ele não era real!

– Por quê? Por quê me deixou sozinha? – Chorava. – Por quê? – gritou.

"Você prometeu nunca me deixar sozinha! Você prometeu sempre me encontrar! Onde você está?" Ela queria gritar, entretanto sabia que não haveria resposta.

Precisava respirar, se sentia sufocada dentro daquele quarto de hotel.
Rapidamente ela pegou um elevador, deixando para trás o hotel e seu passado turbulento. Se ela pudesse sentir o mundo ao seu redor diria que estava frio demais para caminhar sem um casaco. Um humano normal perceberia isso. Mas ela estava cansada de fingir ser normal. De fingir ser humana. Seu suspiro profundo, era o único som que ouvia.

Com as mãos nos bolsos caminhou sozinha por caminhos que ela nunca percorreu, mas não lhe eram estranhos. Hoje ela seria livre. Sem livro. Sem maldição. Apenas uma estrangeira caminhando sozinha à noite.

Ever via carros e pessoas movimentando-se. Eles estavam alheios ao mundo que ela conhecia, vivendo suas vidas sem nem sequer imaginarem que não sabiam nada, eram leigos no que se tratava do mundo. Aquilo lhe chegava a ser engraçado. Será que continuariam fazendo tudo o que fazem se soubessem que o mundo é muito mais cruel do que imaginam?

Seus tênis gastos já haviam caminhado por longas estradas tortuosas. Sua pele pálida já havia sido beijada pelo sol escaldante, mas continuava sem vida. Ela facilmente podia passar por um fantasma. Nem tinha certeza do que era. Não estava viva, mas também não estava morta.

Ela empurrou ambas as mãos nos bolsos dianteiros do jeans, ombros baixos, a imagem de alguém cabisbaixo, triste. O vento balançou seus cabelos. O príncipe os chamava de raios de sol, mas agora eram fios sem brilho. Tudo nela murchou quando perdeu ele.

Seus passos seguiam sem qualquer direção, ela queria se perder; queria poder se perder.

[ – Você será meu amanhã! – Ele afirmou.

– Por quê não seu hoje? – gracejou.

– Porque se você fizer parte do meu amanhã eu serei imensamente feliz! ]

Ocasionalmente, ela achava que seu coreano devia ser ruim, era difícil acreditar em todas as declarações de amor dele. Mas ele nunca mentia para ela.

“Devíamos estar juntos. Viver juntos. Partir juntos”. Assim ela pensava. “Não pertenço à essa era. Não pertenço aonde você não está. Somos um”.

Um sinal vermelho. Pare. Sempre havia sinais de pare para ela. Se ela se jogasse na frente de qualquer um desses carros, eles a atravessariam, ela não podia morrer. Por mais que desejasse deixar esse mundo, ela nunca iria conseguir.

Um pé tocou a faixa de pedestres, as luzes de um farol iluminavam ela. O motorista não se lembraria de a atropelar, e ela não iria sentir nada. Mas sua mente podia fingir ser o fim. Outro pé. Só precisava de alguns minutos.

Mãos a agarraram puxando-a para a calçada.

– Você não viu o sinal fechado? – Daniel sacolejava seu corpo paralisado.

“Como ele havia chegado ali?”

– O que faz aqui? – Ela conseguiu perguntar.

– Eu que devia estar fazendo essa pergunta!

Ever só conseguia pensar em por quê ele estava tão nervoso. E Daniel só conseguiu agradecer por ter saído do quarto no exato momento que viu ela deixando o corredor. Alguns minutos, permitiram que ele seguisse aquela garota visivelmente fora de si. Quem sairia sozinha de um hotel tão tarde, sem nenhum casaco?

Ele viu ela passar pelo saguão, deixar o hotel e caminhar sem rumo. Não sabia se existia seres sobrenaturais, mas estava grato por poder salvá-la. Se não tivesse ficado entediado, se não tivesse decidido ir beber em um bar, se tivesse deixado pra lá, talvez ela fizesse alguma bobagem. Suas mãos ainda agarravam os braços frios delas, ele não sabia o motivo, mas Ever Love tinha poder sobre ele, igual a um feitiço.

Os olhos dela pareciam grandes espelhos capazes de refletir sua alma. Quando ela o olhava, como estava olhando naquele momento, ele se sentia nu, totalmente exposto à ela.

– Por quê está aqui? – Ever repetiu. – Me seguiu? – Aquela ideia parecia tão medonha em sua mente, porém ficou pior ao ser expressada em palavras.

Daniel sorriu, uma risada de escárnio. E ela teve certeza que ele a seguiu.

– Vi você saindo do hotel por coincidência. – Ele afirmou. – Não tinha a intenção de te seguir, mas você parecia com problemas, então pensei que ficarei mais segura se eu estivesse por perto.

Fazia muito tempo que alguém havia se preocupado com ela. Não sabia como agir.

– Está muito frio! – Ele comentou. – Vamos voltar para o hotel, você precisa se aquecer. – tirou sua jaqueta e jogou sobre os ombros dela, e fez massagem nos seus braços sobre o tecido. – Não deve sair sem estar bem agasalhada, pode acabar ficando resfriada.

Um estranho desconforto cresceu em seu interior. Ela estava no meio da rua, nos braços de outro homem. “Será que ele sabia que suas ações podiam ser mal interpretadas?” Outra garota teria achado que era importante. Sorte, ela saber da verdade. Um cupido não tinha par romântico. O trabalho era eterno.

A Maldição do CupidoOnde histórias criam vida. Descubra agora