Capítulo 3 - Uma menina indo para o sul

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Fifia

Do outro lado do continente, numa terra castigada pelo frio duradouro e intenso, há uma pequena vila muito mais ao norte do que qualquer outra, lá o gelo e a neve são eternos, em meio ao frio, há um julgamento por bruxaria acontecendo e há uma mulher amarrada de joelhos na neve, suplicando por sua vida.

A vila em questão é conhecida por Becta Tdanik Frif que no idioma local significa vila do muro de gelo, tem esse nome por ficar em frente da chamada "muralha gelada" que é uma cordilheira, as íngremes paredes rochosas possuem centenas de metros de altura, e se estendem por centenas de quilômetros, do mar do norte ao leste da vila, até a chamada entrada do inferno, uma grande fenda onde é possível observar lava fluindo de seu interior, os nativos dizem que é de lá que os demônios entram no mundo.

                Uma repentina nevasca começa no vilarejo e um vento invade a frágil tenda que fora armada para o julgamento ela subitamente é levantada a vários metros no ar, é a distração perfeita que a suposta bruxa precisava, inexplicavelmente a suspeita se soltou das cordas, corre em direção da sua filha e a puxa pela mão, depois entra na tempestade de neve, os homens da vila tentam persegui-la, mas logo desistem, a nevasca estava muito forte e podiam morrer se tentassem alcança-la. A mulher corre pelo meio da nevasca com sua filha de dez anos, todas as roupas que as duas estavam vestindo eram feitas de pele de raposa com os pêlos voltados para dentro, como é de costume da região, após uns 10 minutos a nevasca para do mesmo jeito que começou: repentinamente, se alguém as visse veria apenas duas ruivas, uma mãe e sua criança morrendo de frio, mas a mãe tem um segredo, as acusações eram verdadeiras, não só ela, mas sua filha também é uma bruxa.

A mão da mãe esquenta rapidamente como brasa aquecendo as duas, a filha decide romper o silêncio:

- Pra onde vamos?

- Para o sul, não irão nos aceitar mais em Becta Tdanik Frif.

- Para Mosvo?

- Sim, e talvez mais ao sul.

O povo daquela região gélida eram conhecidos como Frífianos, que na língua local significa "homens do gelo", eles viviam espalhados em pequenos povoados por toda aquela região gélida, eram muito conhecidos pelos povos do sul pela quantidade de pessoas com cabelo ruivo, esse povo havia construído apenas uma cidade, Mosvo cujo significado do nome e sua origem são desconhecidos, a cidade de Mosvo era o orgulho dos Frífianos, a cidade resistiu a várias tentativas de conquista do Reino da Baía.

A viagem da Vila do muro de gelo até Mosvo levava entre 7 e 8 horas em um trenó puxado por cães, a noite era mortal na Frífia, por isso as viagens até Mosvo só eram feitas no verão quando os dias são mais longos, enquanto as duas caminhavam rumo ao sul, a noite estava chegando e não havia nenhum lugar para mãe e filha se abrigarem, em todas as direções que olhavam havia só uma imensidão branca, eis que no horizonte surge uma pequena caverna, as duas começam a correr em direção a caverna enquanto o sol desaparecia no Oeste, a noite chegou fria e mortal como sempre, as duas conseguiram chegar na pequena caverna, devia ter pouco mais de 2 metros de comprimento e apenas meio metro de altura, a mãe usa o mesmo truque de antes, e com suas mãos "em brasa" se aqueciam, antes de dormir a mãe olhou pra filha e deu uma pequena faca e disse: - Filha, eu quero que você sempre se lembre de mim quando usar essa faca-, a menina pegou a faca sem entender e se acomodou nos braços da mãe, aquela noite de inverno foi longa, durou intermináveis dezoito horas.

Quando os primeiros raios de sol iluminaram a entrada da caverna a menina já estava acordada e ainda presa nos braços da mãe, a chamou várias vezes, quando finalmente se soltou, percebeu que sua mãe estava morta. Porém sabia que não podia ficar de luto, passou-se poucos minutos após descobrir que a noite e o frio haviam ceifado a sua mãe a pequena ruiva se dispôs a andar, tinha apenas 10 anos, mas já sabia que não conseguiria sobreviver sozinha, conhecia muito bem o poder do frio da Frífia. Não demorou muito e ela viu no horizonte dois trenós puxados por cães, cada um deles com um homem, ela gritou e não demorou muito para eles contornarem e viessem na sua direção. - O que faz uma menina sozinha aqui? - perguntou o mais velho dos dois, era um homem alto com cerca de 40 anos, tinha uma barba muito longa e preta, usava uma cabeça de urso polar como chapéu e esta ainda possuía os dentes da arcada superior e usava uma blusa também feita de urso polar, com os pelos para fora e para dentro, uma excentricidade que a pequena ruiva nunca tinha visto, aquele homem parecia um urso se não estivesse conduzindo os cães, de longe ela pensaria ser um urso.

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