Recordações dolorosas

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Christine repousava em um divã que existia na pequena sala da grande suíte. Não conseguiu dormir bem. Raul esteve toda a noite fora e ela se perguntava o que ele estaria fazendo. Ela não poderia ir procurá-lo deixando seu filho sozinho.

- Ora, já está se tornando humilhante demais. Que punição terrível estou recebendo dia após dia. - Por um momento vagou em sua lembrança. Recordando de quando reencontrou Raul em Londres. Ele a viu cantar no espetáculo que o fantasma lhe deu de presente. Fantasma? Ela riu de sua ingenuidade na época. Ela realmente acreditou que ele era um ser de outro mundo. Fantasiou casar-se com um ser mágico! Se entregou a ele por amar seu espírito. Mas quando Raul chegou, com ele vieram os fatos. Seu doce fantasma se mostrou para ela. Ele se permitiu descobrir. Um homem delirante. Um homem perdido em seus desejos e sonhos. Ela uma órfã. Agora acrescentava a sua lista de defeitos estar perdida, desonrada. Só poderia usar algo em seu favor. A música. Sua voz. Mas o fantasma não a deixava em paz... A perseguia, a deixava confusa. O que antes era amor se transformou em loucura. Então ela recebeu a proposta de compromisso do Visconde. Como poderia rejeitar? Precisava reparar os erros que cometeu. Mas tudo piorou. O fantasma pensou nela como sua propriedade. Planejou um sequestro, seu sequestro. No decorrer disso mortes aconteceram. Tudo se tornou um horror. O homem gentil que a visitava nas noites se tornou para todos um assassino. E ela acreditou em todos os boatos que surgiram. Ficou terrivelmente amedrontada, ferida. No meio disso tudo Raul lhe pede em casamento. O pedido foi feito no grande baile de máscaras. Ela aceitou prontamente. Mas Raul a obrigou a participar de um plano para prender o tal homem que a perseguia. E a chance disso acontecer foi dada por seu próprio fantasma. Uma ópera que ele mesmo compôs. Que tragédia foi tudo aquilo. Aquele homem foi mais engenhoso que o seu noivo. A roubou e a prendeu. Que angústia sentiu. Mas Raul foi resgatá-la. O homem gentil que lhe deu aulas voltou a si naquele dia. A libertou. Dizendo que a amava, lhe libertou. Ela sentiu todo o amor que sentia por ele florescer. Mesmo quando o beijou fingindo se render para que ele não matasse Raul, ela sentiu no seu beijo o desejo de ficar. Estava louca? Pensou confusa dentro de si. Mas que bom que ele tomou a decisão certa por ambos. Não libertou apenas Raul, mas a ela também. Ela imaginou naquele tempo que isso fosse o melhor para todos. Desde aquele momento, ela teve plena certeza que ele não era o assassino que todos diziam. Era o gênio da noite que ela amou, e amava. Sim, quem dera tudo tivesse sido diferente. Depois de tudo aquilo, casou-se o mais depressa possível com o Visconde. Na manhã do dia do seu casamento sentiu náuseas e tonturas. Pensou ser o nervosismo que lhe tomava. Na noite de núpcias estava em pânico. Poderia Raul notar que ela não era mais pura? Rezava que não. Mas suas orações foram vãs. Depois de uma intimidade demasiado desagradável, Raul constatou que ela não era mais virgem. Ele a indagou toda a madrugada. Ela não ousou dizer a verdade, pois ele já estava obsessivo na busca pelo fantasma. Talvez tudo seria bem pior se ele soubesse que foi ele que docemente a tornou mulher. Inventou ter sido um rapaz que se aproveitou de sua ingenuidade e a desflorou antes da hora sem que nem pudesse supor o que estava acontecendo. Se humilhou diante dele pedindo que ele agisse de misericórdia e não desfizesse o casamento. Ele disse que não desfaria para não jogar seu nome na lama. Mas que lamentava não ter ouvido seus amigos e que se arrependia amargamente do seu matrimônio. Desde então mudou completamente com ela. Não lhe trata mais com afeto. Vez ou outra parece que se compadece e lhe oferta um carinho. Mas logo passa e vem uma enxurrada de grosserias. Seus vícios começaram há 4 anos. O que mais lhe dói é ver seu nome nas colunas de fofoca envolvido com meretrizes. Certa vez gastou uma fortuna com uma mulher da vida. Quando Christine foi confrontar sua falta de pudor, ele disse que ao menos aquela mulher lhe satisfazia e ele sabia quem ela era desde o início. Como chorou neste dia. Comparada a uma cortesã? Sentiu saudades de suas noites com o fantasma, suas aulas, seu afeto, seu abraço. Sentiu saudades das flores que recebia daquele homem que a amou tanto que enlouqueceu. Todas as vezes que recordava dessas coisas começa a chorar. Voltou de suas lembranças quando ouviu um barulho na porta. Secou as lágrimas, e esperou para ver quem entrava. Mesmo sabendo quem era. Quando entrou, Raul olhou para suas feições abatidas e sentiu um pouco de remorso. Ele tinha ciência que as vezes exagerava. Mas depois tudo passava. Ela merecia. Mas será que ele não deveria dar a sua redenção um dia? Talvez, quando deixar de ser divertido. Ele riu dos seus pensamentos.

- Está aí toda a noite? - Ele perguntou com deboche. Christine pensou em dizer a verdade. Mas deduziu que esconder fosse melhor.

- Não. Eu acordei muito cedo. Estou estranhando a cama.

- Por falar em cama. Porque não vamos nos recolher um pouco. - Ele caminhou até ela e beijou o seu pescoço. Ela sentiu, como já era de costume, seu estômago revirar. Sabia o que ele desejava. Parecia outra forma de castigar sua alma. Mas ela não poderia se negar. Devia muito a ele. E era seu marido. Mas estava ainda mais nauseada pelo cheiro forte de bebida misturado ao perfume de mulher que vinha dele.

- Meu marido pretende me tocar do jeito que está? - Ela contestou. - Dar para sentir a distância que esteve nos braços de outra mulher. Então por que me toma? - Ele olhou para ela com espanto. Ela lhe falar tão abertamente lhe constrangeu um pouco. Ele nunca havia feito aquilo. E nem pretendia, pois estava cansado. Mas desafiar sua mulher parecia dar gosto as coisas. Quem a via falando dessa maneira, diria que era cheia dos pudores.

- Tome a frente. Logo irei. E não vamos discutir. Não quero despertar o menino agora. Temos muito o que fazer antes que ele abra os olhos.

- Isso é humilhante, Raul!

- É o que torna tudo melhor. - Ele viu lágrimas nascerem em seus olhos. Quase mudou de ideia. Mas ela já estava acostumada a ficar apenas parada debaixo dele. O que seria diferente agora? Sinceramente, ela era um fardo que ele teria que levar para o resto de sua vida. Logo ele também seria um fardo para ela. - Ao menos vou me banhar. Para que não reclame tanto. Vá! - Ele falou imperativo. Quando ela se virava para ir, Gustavo saiu do seu quarto com um sorriso tímido. Christine foi abraçar o menino que foi seu anjo da guarda.

- Vá deitar Gustavo! Ainda é muito cedo. - Raul falou aborrecido. Maldito! Gritou em sua mente.

- Não posso mais dormir, papai. Já dormi toda a noite. E já passa das 7. Aprendi as horas... Viu mamãe.

- Muito bem querido! Não precisa ir filho. - Christine nunca ia contra as ordens do Raul, mas dessa vez fez questão. - Fique aqui comigo. Vamos tocar um pouco e vou treinar a voz. O que acha?

- Não se atreva! - Raul gritou. Fora de si avançou para cima de ambos. Arrancou o menino de Christine e o sentou na poltrona. - Já que quer ficar aqui, fique. Mas sua mãe e eu vamos nos recolher.

- Veja como fala com ele. É apenas um menino. Eu vou ficar com meu filho. - Christine o desafiava. Ele olhou espantado. Ela não fazia isso nunca. Ela iria desmoralizá-lo dessa maneira na frente do seu filho.

- Você quer que eu faça valer a minha vontade a força? - Ela engoliu em seco. Meu Deus o que era aquilo? Que demônio o possuiu? Jamais algo desse tipo havia ocorrido. A pele do seu marido estava vermelha, e ele respirava com tanta raiva que bufava. Temeu pelo que Gustavo poderia presenciar.

- Gustavo, seu pai está nervoso. Vou conversar com ele a sós no quarto. Tudo bem? - O menino que já chorava apenas sinalizou que sim com a cabeça. Christine estava dilacerada por dentro. Quando caminhava em direção ao quarto, ouviram batidas na porta. Raul revirou os olhos e Christine se sentiu a mais abençoada das mulheres. Foi atender prontamente. Quando abriu a porta, viu Meg lhe dando um sorriso amistoso.

- Bom dia! Espero não tê-los acordado. Trouxe o café da manhã.

- Já estávamos acordados. Pode entrar. - Raul saiu da presença de todos. A noite ele vingaria sua honra. Meg notou que ele saiu furioso.

- Espero não ter atrapalhado.

- Não, sua chegada foi muito bem-vinda. - Os empregados que seguiam Meg começaram a servir a mesa com muitas coisas visivelmente apetitosas. Meg olhou para Gustavo que ainda chorava, mas parecia se acalmar.

- Por que chora homenzinho? Tenho algo especial para você! - Ela tira de uma sacola um pequeno boneco de madeira. O menino se anima um pouco mais.
- Obrigado, senhorita.

- Oh que amor! Que menino adorável.-  Ela olhou para ele e pareceu conhecer aqueles olhos de algum lugar. Poderia jurar que... Por um momento viu alguém... Não... Que loucura. Voltou-se para Christine e falou sorrindo.

- Minha amiga, temos tanto o que falar.

- Sim. Bastante. E não sabe como lhe sou grata.

Meg a olhou sem entender. Mas ficou feliz que Christine lhe era receptiva. Queria cumprir o prometido ao Erik, e lhe reportar. Pelo jeito, seria algo bom para Christine também. E ela, só queria ver seu amado feliz.

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