Capítulo 14|parte 1

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1 de maio de 2013

        — O que tem nesse tomate? Ouro? — Isabel reclamava enquanto pagava as compras, parecia uma velha rabugenta e fazia careta para o preço de cada item.

Eu, ela e Alice estávamos fazendo as compras do mês, na feirinha a céu aberto de Beldam, uma semana exata após minha conversa com Lucas. Não consegui falar com Ben, fato. Mas possuía uma boa justificativa, o momento certo nunca aparecia e mais, o que eu iria falar? Éramos melhores amigos e havíamos nos beijado, qualquer coisa que saísse da minha boca soaria ridículo. Não, estava melhor assim, cada um fingindo que nada aconteceu.

   — Parece que a cada semana isso aqui fica mais caro! — Isabel jogou a sacola de tomates na bolsa de pano que eu carregava e revirou os olhos mais uma vez, puxando o rabo de cavalo de Alice, que babava diante um pincel de madeira com arabescos desenhados. — Não estou querendo pagar nem a comida, acha que vou te comprar um pincel bobo?

  — Tenho dinheiro! — Alice respondeu orgulhosa, mostrando a carteira farta.

   — Uau! Onde conseguiu tudo isso?

   — Eu trabalho, não fico em casa me lamentando o dia inteiro.

   — Ei, vocês duas, ainda temos que comprar os temperos e as carnes — interrompi, antes que Isabel pudesse responder, antes que mais uma discussão fosse feita e estragasse mais um dia que, até então, estava indo mais que bem.

Caminhamos lado a lado pelo corredor extenso de barracas, meu estômago roncava com o cheirinho de pastel e das frutas se misturando. O domingo estava preguiçoso, as nuvens espaçadas no céu e o sol passeando majestosamente entre elas. O dia não estava tão quente, o semestre estava acabando, afinal, logo o inverno começaria e com ele viria a geada, a neve e as quedas de energia. Logo viria aquela deliciosa preguiça de ir a escola e a vontade de ficar na cama lendo. Eu mal podia esperar.

  — Aquela barraca está vendendo uma cartela de ovos à oito reais. — Apontei o local, onde um bigodudo e sorridente senhor xavecava com uma moça.

   — Ele tem uma granja, já fui lá com Ben e ele nos vendeu por cinco. — Isabel, além de sua fama de ser excepcionalmente dramática, também tem a habilidade de saber pechinchar.

  — Você e Ben? — A pergunta saiu contra a minha vontade, me arrependi no exato momento em que a deixei sair e finji interesse nos mirtilos que uma menininha vinha oferecer.

Alice pegou um punhado e demonstrou certo interesse em mim, os olhos — sempre cansados e distantes — estavam brilhando, e podia jurar que o brilho era travesso.

  — Sim, quando fomos a Monte Félix há um mês, antes do aniversário dele. — Isabel continuou, passando a ponta dos dedos em um conjunto de bijuterias, sorrindo de canto. — Conversamos o caminho inteiro, Ben é tão engraçado e confesso até… interessante.

Segurei a bolsa com mais força e fui até o vendendor de laranjas, éramos clientes fiéis dele e nem era necessário fazer pedido, ele já sabia que deveria me dar duas dúzias, que acabariam antes do anoitecer. Entreguei o dinheiro e esperei pelo troco, enquanto Alice e Isabel trocavam algum tipo de mensagem secreta com o olhar.

   — O que foi? — O joguinho delas, seja qual fosse, estava atingindo o limite da minha paciência, e da curiosidade.

  — Você não acha, Florence?

  — O quê?

  — Que Ben é interessante?

  — Não sei. — Eu até achava, mas desde o incidente do beijo tudo que eu sabia, ou achava que sabia, a respeito de Ben mudou para algo que eu ainda não poderia detalhar com clareza. Ele era sim, interessante, inteligente, gentil e bonito, mas dizer isso as meninas seria com confessar algo vexatório.

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