21 de outubro de 2015
Mais uma vez não quis trabalhar, ou melhor, fui um desastre e Rosângela me expulsou após eu errar o mesmo pedido pela terceira vez e derramar café quente em um agricultor. Fiz tudo com intenção, contra todas as minhas virtudes, mas quem age com consciência quando está desesperado?
Ben estava começando a perceber algo em meu comportamento. Se era a má alimentação, as longas horas dormindo ou a pouca interação, era difícil dizer e eu tão pouco diria a verdade. É claro, ele ia me dar toda a credibilidade se eu dissesse Ei, Ben, o fato é que desenvolvi mediunidade e estou vendo pessoas mortas.
Ri sozinha, enquanto caminhava pelas ruas da cidade. Poderia ir até Monte Félix, mas o lago estava congelado e a estrada escorregadia, o que eu menos precisava era de um machucado para acrescentar a extensa lista de problemas.
A cidade parecia um gigante adormecido, nenhum sinal de vida, nenhum passante nas ruas, nenhum animal vagabundando. Nada, além de mim. Por um minuto ousei pensar estar sozinha no mundo, poderia ser assustador para qualquer um, estar sozinho, sem ninguém para conversar, cercado de seus piores pensamentos. Para mim seria estar em paz.
O orvalho das plantas havia congelado e virado geada, por onde minha visão alcançava tinha um véu branco cobrindo a cidade. Estou em um inferno congelado, reclamei para o nada.
— Florence! — Alguém chamou, mas não parei de caminhar ou olhei desesperada em todas as direções.
Não, caro fantasma, não vou ceder a insanidade e esquizofrenia, pelo menos não por enquanto.
Segui até os trilhos, próximo a um conjunto de vagões azul acinzentado, meu plano era dar a volta na cidade, seguindo o caminho do trem. Nem sobre a mira de arma voltaria para o café. Ver todas aquelas pessoas sorrindo me dava nos nervos. Fingir para meus amigos se tornou uma tarefa árdua e chata, dissimular não era meu talento.
Encostei as costas no metal congelado de um vagão e fechei os olhos, a frieza em minhas costas serviam para relembrar que eu estava viva. Mentalmente quebrada, mas viva. Suspirei e ouvi passos, cada vez mais próximos, leves e firmes.
— Florence! — A voz insistiu, era feminina, era docemente contagiante, era do fantasma de Maria.
Cerrei os olhos com mais força, formando uma careta e pressionei ainda mais o corpo contra o metal, tentando me fundir a ele e ficar invisível para a aparição. Os passos ficaram mais altos e pelo som dava a entender que o fantasma estava na minha frente. Abri os olhos. Era ela, quer dizer, era a alma sem descanso dela. Maria.
O ar que entrou nos meus pulmões rasgou minhas narinas e provocou uma ardência por cada célula, meu beiço tremeu e um pouco de baba escorreu de minha boca escancarada. Ela estava ali, a um braço de distância, envolta por um xale xadrez. Séria e impaciente.
— Você precisa me ouvir — pediu melancólica. Não, não vou te ouvir. Não posso te ajudar a encontrar a luz.
Era o que ela queria não? Quando as pessoas continuam na Terra mesmo após a morte significa que elas ainda não cumpriram sua função. Ao menos era o que minha avó dizia. Eu não poderia ajudar, de qualquer forma, porque era como ela, um fantasma no mundo buscando redenção.
— Olha, não posso te ajudar, sinto muito e, por favor, me deixe em paz — disse, tentando manter a calma, tentando provar que tinha controle sobre a situação.
— Não preciso de ajuda, você precisa, e os outros também. Eu posso te ajudar! — insistiu, batendo a mão contra o peito, elevando o tom de voz.
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Se Essa Vida Fosse Minha
Gizem / GerilimFlorence Campos tinha como objetivo primordial se divertir e aproveitar todas as atrações do novo hotel da Warrior Company, mas um suposto ataque terrorista pode levar seus planos por água abaixo e mudar sua vida para sempre. Sendo forçada a se sepa...