22 de outubro de 2015/ tarde
Estava bem à frente dos meus olhos, visível para qualquer um ver. O lugar onde os cientistas ficavam era um armazém abandonado, no coração da cidade, há umas três quadras do café. Estavam sempre próximos.Maria relutou a princípio, mas depois de eu insistir bastante e apelar para a chantagem emocional ela me deu o endereço. E lá estava eu, do outro lado da rua, abraçando o próprio corpo e olhando para o prédio como quem encara um monstro. Inerte, sem saber muito bem como agir. Sabia que ali dentro estava a tal Lídia — Maria havia me dado o nome dela também — e que ela era a mente por trás tudo o que me acontecera.
A culpa me atingiu mais uma vez. Alice estava rasgando seus desenhos quando saí de casa — aquele som só poderia significar isso — meus amigos precisavam de mim, mas eu não poderia voltar a ser mesma e executar a função de pilar, não. Eu precisava encarar esse último diabo, minhas costas estavam pior do que as de um idoso.
Haviam um grupo de cinco pessoas do lado de fora e um aglomerado de moradores nas proximidades, assistindo a cena. Os cinco entravam e saíam do prédio trazendo caixas e mais caixas e as depositando em uma camionete. Não precisava de muito para deduzir que aqueles eram os cientistas. Havia entre eles uma mulher de cabelo azul, uma voz em minha mente me disse que eu já a vi, mas não recordei de onde.
Criei coragem por fim e atravessei a rua. Os cientistas me encaram, ma ninguém disse nada. Ninguém exceto uma senhora de idade, rescostada contra a porta do carro:
— Sinto muito, Florence! — disse, e pude notar um tom de culpa em sua voz baixa.
— É tarde demais para isso — respondi com um sorriso falso e entrei no prédio.
O interior estava tão frio quanto o lado de fora, o cheiro de mofo e ferrugem se misturavam e criavam um novo e tóxico aroma. Estava escuro, apenas uma luz no canto direito, indicado um corredor. Não fazia ideia de qual caminho seguir, então fui para o corredor. Ele era largo e havia fios elétricos e tubos de encanação visíveis. Havia mais luz, pelo menos, uma vermelha e fraca. Fui a primeira porta que encontrei, que por sorte estava aberta, mas era só um banheiro.
Caminhei até a segunda, e meu coração errou o ritmo da batida quando entrei. Havia mesas e diversas caixas empilhadas sobre o chão e computadores. Me aproximei da tela de um e vi a imagem de Geórgia, em seu quarto, enfiando as roupas em uma mala, com selvajaria. Coloquei uma mecha do cabelo para trás e hesitei uns três passos. Estavam mesmo nos vigiando.
Cheguei mais perto de uma das caixas abertas e retirei o primeiro papel da pilha ali dentro. Estava escrito:
3 de julho de 2009
Florence acordou de madrugada, mais uma vez, sentou na cama e começou a chorar baixinho, em seguida começou a chamar por sua mãe. No dia seguinte, ficou cabisbaixa e sem se alimentar direito. Iremos pedir a Rosângela que a dê palavras de incentivo, que a mostre que os outros dependem do bem-estar dela e, assim, iremos estimular uma melhora.
A data correspondia há um ano após termos chegado em Beldam, quando era mais frequente eu acordar no meio da noite depois de um pesadelo com o hotel. Foi a mesma época em que Rosângela começou com a analogia da casa e seus pilares de sustentação. Tudo se conecta.
Larguei o papel, aquele não era meu objetivo. Sabia que a vida que me deram era uma tremenda mentira, mas não precisava saber do quanto fui manipulada. Saí da sala e prossegui a caminhada. Não queria ficar abrindo todas as portas, ainda restavam três, então fui direto até a última. Era a única que estava completamente aberta, deixando uma luz branca e forte sair e competir com a vermelha.
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Se Essa Vida Fosse Minha
Misterio / SuspensoFlorence Campos tinha como objetivo primordial se divertir e aproveitar todas as atrações do novo hotel da Warrior Company, mas um suposto ataque terrorista pode levar seus planos por água abaixo e mudar sua vida para sempre. Sendo forçada a se sepa...