Capítulo 15

23 7 1
                                    

3 de maio de 2013


          Ícaro apareceu. Não que essa fosse a melhor notícia de todos os tempos, mas ao menos serviu para deixar Rosângela mais calma e o café doce, desde o sumiço dele ela confundia sal com açúcar. Perderíamos clientes se o café não fosse o único lugar bacana da cidade para passar o tempo. Enfim, ele estava em casa e isso era sinônimo de frases como: Vocês têm uma vida fodida pra caralho! ou Eu já abusei suas caras emburradas e tristes.  E ainda coisas sentidos como: Mal posso esperar pra essa maldição acabar, bendita hora em que aceitei… E geralmente Rosângela lhe dá um tapa ou grita um esplêndido CALA A BOCA!

Ele era um grande e rabugento empecilho largado no sofá, reclamando de todo e qualquer tipo de barulho. Estava de ressaca e insuportável, o que fez todo mundo optar pelo trabalho. Então, ali estava eu, atrás do balcão, separando os pedidos e os arrumando nas bandejas para Geórgia e Lucas entregarem, enquanto Ben e Isabel ficavam na cozinha, Alice pintava no jardim — alguma coisa para mim, foi o que disse — e Otávio rabiscava em um caderninho, isolado em uma mesa próxima à janela.

Otávio havia mudado de expressão no momento exato em que Ícaro entrou, na noite anterior, de forma barulhenta e extravagante.

  — Onde estava? — Rosângela abandonou as roupas que passava na sala e o confrontou.

  — Não te devo satisfação! — Ele respondeu com a voz embolada, arrastando o s.

Ela, mantendo a calma com muita relutância, atravessou a sala e o examinou, passando as mãos pelas roupas abarrotadas dele.

   — Está fedendo a... cigarro! — Não, não era cigarro. Maconha talvez, mas não cigarro. Cigarro não tinha aquele cheiro esquisito semelhante a erva queimada, não mesmo. O cheiro se sobressaía da cantiga das roupas e o conhecido odor do álcool. Se tornou tão pesado e sufocante que nos obrigou a sair dali e deixar os dois a sós, o que me impossibilitou de ouvir o resto da conversa.

   — Quer alguma coisa? — ofereci a Otávio, tentando chamar sua atenção, que continuou voltada para o caderno.

Balançou a cabeça em negação e passou a mão sobre a testa, passando os olhos apressados sobre as anotações feitas de forma quase ilegível. Espiei superficialmente por cima de seu ombro e vi um amontoado de datas, algumas circuladas em vermelho e outras rasuradas com violência que quase rasgava o papel. Reconheci uma ou duas, uma era a data do meu aniversário, a outra era do dia que roubaram nossas vidas.

  — O que significam? — Me inclinei sobre a mesa e falei em uma altura que apenas ele pudesse escutar. — Essas datas?

   — Uma pesquisa! — A resposta saiu rápida e óbvia. Otávio me encarou sério e até... assustado.

  — Como?

  — Florence! — Olhou ao redor e imitei seu gesto, ninguém olhava em nossa direção. Por fim, aproximou o rosto do meu e sussurrou: — Eu acho que tem alguma coisa por trás dessa história do hotel.

Me afastei e sentei à sua frente, mordendo os lábios com força, tentando ficar séria, mas a risada escapou, estridente, chamando olhares curiosos. Eu não deveria rir de algo tão sério, mas estava feliz naquele dia, o jogo de Ben estava me ajudando a sobreviver de uma forma diferente e divertida, e Otávio parecia um maluco falando, como aqueles caras que falam do fim do mundo.

   — Está rindo? — Cruzou os braços e revirou os olhos, fechando o caderno e o puxando para si.

   — E você louco! — respondi depois que uma lágrima desceu após a crise de risos. 

Se Essa Vida Fosse Minha Onde histórias criam vida. Descubra agora