Capítulo 26 - Passados Clínicos

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João Gilberto estava muito pesado, nem lembrava aquele filhotinho que Juca levou a primeira vez para a consulta na doutora Julia. O cachorrinho resmungava e choramingava em seu colo. Ao lado, Ana caminhava, desta vez empurrando a bicicleta, não queria causar outro acidente.

— Ficou com medo de atropelar mais alguém? – perguntou Juca, ironizando Ana em não estar pedalando.

— Engraçadinho. Não paguei a bicicleta ainda. Melhor não arriscar mais.

Chegaram ao comércio circular. Os passos de jucás foram desacelerados. O suor escorreu em sua testa e não era pelo peso de João Gilberto em seus braços, mas sim pelo fato de que estava tão próximo da clinica da doutora Sá. Juca sentiu o coração bater forte.

— Você esta bem? – Ana perguntou, vendo que Juca estava com uma aparência ruim. – Olha, desculpa pelo cachorrinho, foi realmente sem querer.

— Tudo bem – Juca respondeu. – São outros fatores que, neste momento, estão me deixando assim, nervoso.

— Pode me contar?

— A veterinária.

— Ah, você já a conhece? Que bom. Assim fica mais fácil.

— Não fica mais fácil coisa nenhuma – Juca gritou, quase a derrubar João Gilberto dos braços.

Ana se assustou com a resposta grossa que Juca deu à ela, não esperava aquilo, tão pouco o viu daquele jeito, agressivo e nervoso. Ficou todo o percurso em silêncio.

Chegaram à clinica veterinária. Ana deixou a bicicleta do lado de fora. Não acho que aqui tenha casos de roubos de bicicletas. Assim que abriram a porta e entraram, Ana pode ouvir um sininho que badalava anunciando que alguém entrou. O mesmo sino que já era um conhecido de Juca. E aquele pequeno e baixo som mexeu em suas memórias recentes de tal modo a deixá-lo perturbado.

— Olá... – falou a doutora Julia chegando à recepção e, imediatamente, ficando petrificada quando viu quem estava a sua frente. – Olá, Juca. Quanto tempo não o vejo. Mas esse mocinho vejo com freqüência – ela falou olhando para João Gilberto e dando um leve sorriso. – O que posso fazer para ajudá—lo hoje?

— Ele foi atropelado – Ana falou afobada indo em direção a Julia e a segurando pelos ombros. – Quero dizer, eu o atropelei... de bicicleta, nada de mais, mas acho que ele se machucou.

— Atropelado? – Julia falou arregalando os olhos – Venha, Juca, traga ele para a mesa, vamos examiná-lo.

Juca ficou um momento parado na entrada da clinica, onde permaneceu desde que chegou ali. João Gilberto em seu colo começava a reclamar de novo e uivou baixinho.

— Anda logo – Ana falou puxando Juca pelo braço. – Leva ele pra mesa.

*****

A doutora Julia já estava com João Gilberto há mais de quarenta minutos no consultório e ainda não retornara. Ana e Juca estavam sentados na recepção a espera. Ana estava aflita, sentia—se culpada por tudo aquilo. Atropelar o cachorro de Juca a deixou triste, aliás, ela nem sabia que ele tinha um cachorro.

Duas ou três vezes ela se levantou para olhar se a bicicleta ainda estava ao lado de fora e sim, ela estava lá, intocada, exatamente do jeito que a deixou. Aqui não é a cidade grande onde se rouba tudo, Ana. Relaxe!

Juca não tinha falando uma palavra sequer desde que levou o cachorro a mesa da doutora. No começo, Ana suspeitava que era preocupação pelo estado de saúde do seu animal, mas, depois de analisar toda a situação com mais calma, ela constatou que não era só isso. Desde que tocara na idéia de levar o animal a um veterinário Juca ficou esquisito, agindo de uma forma que Ana nunca viu antes, foi até estúpido com ele no caminho a clinica. Sem falar que Juca conhecia a doutora e a doutora conhecia ele. Juca ficou visivelmente desconfortável assim que entrou no consultório e ainda mais quando viu a doutora Julia. Ana estava curiosa e perguntou:

— Juca, você já conhecia a doutora Julia?

— Sim. E ela a mim. Você a ouviu falando meu nome, não foi?

— Por que você está agindo como um estúpido desde que estávamos vindo pra cá?

— Desculpa, Ana – Juca falou colocando a mão no rosto. – Eu estou sendo um escroto mesmo. Perdão.

— O que está acontecendo? Por que está nervoso aqui? Aconteceu alguma coisa aqui no consultório que te deixa assim?

Juca tirou a mão do rosto e encarou Ana: estava sério e suando, seu rosto vermelho e a respiração pesada.

— Ana – Juca falou pausadamente, — não queira perder seu tempo tentando me entender. Eu sou uma confusão que nem eu mesmo consigo entender ou organizar.


Todas as Paixões de Juca AomiOnde histórias criam vida. Descubra agora