Capítulo 47 - A História

11 5 0
                                    

Juca ficou com semblante preocupado e perdido; não sabia o que fazer nem reagir com a reação que Ana teve com o que ele falou. Toda aquela história era um trauma pra ele. Ele sentia-se culpado por destruir, assim ele pensava, sua família.

Ana tremia deu meia volta e foi até a pia. Pegou um copo e encheu de água da torneira mesmo. Bebeu em um gole único.

— Ana – falou Juca se aproximando dela.

Ana virou e, enfim, o encarou. Estava suada e tremendo.

Juca colocou as mãos nos olhos, parecia envergonhado, culpado.

Mas Ana segurou aos mãos dele e as tirou do rosto.

— Não se sinta envergonhado – ela disse baixinho.

— Eu sei que você vai me odiar, que vai ter nojo de mim e todas as coisas ruins do mundo, assim como minha ficou, mas eu...

Juca não conseguiu finalizar a frase, na verdade, não sabia como prosseguir.

— Eu não queria perder a pessoa que eu estou gostando – ele falou.

Era a primeira vez que ele falava que estava a gostar de Ana.

— Você gosta de mim? – Ana perguntou.

Juca abriu os braços, como se falasse que aquilo era obvio de mais. Voltou a sentar-se na bancada da cozinha.

Ana serviu-se de mais vodka, para ela e para Juca.

— Fala! – Ana disse se aproximando de Juca. – Fala!

Ana queria que Juca falasse mais sobre. Estava muito confusa, mais do que o dia em que Juca disse que amava todas as meninas. Então ela precisava ouvir mais de julga, não uma justificativa, mas os fatos.

Juca deu um gole em sua bebida na caneca. Ele não estava preparado para aquela conversa. Fazia muito tempo que não aflava disso. Começou:

— Ana, minha família sempre foi muito feliz, unida, uma família incrível. Não havia defeito nenhum. Tínhamos a loja mais bonita e querida da cidade. Nada parecia estar fora do normal.

Juca fez uma pausa, mas depois continuou ofegante:

— Mas desde adolescente eu era isso, essa pessoa que você agora conhece. Falei disso para o meu pai, para minha mãe, para minha avó. Claro que eles acharam uma loucura, como todo mundo acha, como você achou. Já me acostumei com isso – Juca falou essa frase nervoso. Continuou: - Primeiro meus pais acharam que era coisa de jovens, mas minha avó disse que era coisa de falta de deus no coração, essas besteiras todas que esse povo fala.

Juca suspirou entediado, parecia que falar tudo aquilo lhe causava tédio, como se já tivesse falado ou que explicar lhe era chato demais.

— Mas depois parece que meu pai foi mais compreensível, não por ele ser inteligente suficiente de ter empatia com as pessoas ou entender relacionamentos, mas por praticidade mesmo. Minha mãe era mais reservada, quase não falava, não queria dar opinião, mesmo eu sabendo que pra ela era tudo bem isso tudo, só minha avó mesmo que causava pânico na família com tudo isso. Foram dias e dias, jantas e jantas sobre essa conversa e nunca chegávamos em nenhum consenso. Os dias foram passando, minha avó foi ficando cada dia mais quieta, sem tocar no assunto, mas meu pai e minha mãe sempre me perguntavam se eu estava bem, como eu estava no momento, ou seja, queriam saber se eu estava namorando com alguma garota, ou algumas garotas. Acredita que minha mãe um dia me perguntou até se eu era gay – Juca riu. – Não é legal da parte dela? Mas não, eu sabia da minha condição sexual. Eu sei que, a principio, todos eles acharam que era coisas de jovem encantado. "Vejam, ele está na fase de querer namorar todas as meninas mesmo. Mas, cada ano que passava, mais certeza eu tinha do que queria e era isso o que queria. Eu me apaixonei por todas meninas possíveis na cidade, Ana. Todas. Colegas de sala, professoras, vendedoras de outras lojas, freiras. 

Ana deu um pulinho. Por mais que ela tentava aceitar para si mesma que aquilo era um caso normal, até corriqueiro, ela se pegava às vezes pensando nisso. Não se acostumara com a ideia totalmente. Ela o encarou, soltou um sorrisinho. 

— Sabia que eu ofereço flores para outros tipos de amores também? - Juca falou num tom saudosista.

— Como assim? - Ana perguntou, começando a ficar mais nervosa. Será que tinha mais coisas aí nessa história? O que Juca iria inventar agora.

— Outros amores, Ana. Como sentimos por pessoas. Amor de mãe, de tia, de avó.

Ana respirou aliviada.

— Esses tipos de amores tem que ser homenageados também.

Ana sabia que Juca queria falar da mãe. Lembranças dela o deixava feliz, ela sentia isso, mesmo com o sofrer de sua ausência.

— E qual era a flor da sua mãe? - Ana perguntou.

— Camélias – Juca falou. – minha mãe era bela como as camélias. Elegante, cheia de vida, de presença. Um dia em enchi a floricultura de camélias. Meu pai, já sabendo de como as coisas funcionavam, que eu dedicava uma flor para cada menina que eu gostava, logo perguntou "Quem é a flor camélia, Juca?". E eu, sorrindo, falei que era para o maior amor da minha vida: minha mãe, que as flores também eram para esses amores, e que logo faria um dia para minha vó, mas ainda estava a pensar qual flor poderia ser ela. Meu pai sorriu inocente de volta. Talvez fosse uma esperança de estar "me tornando" normal.

Ana passou a mão na cabeça de Juca de novo. Ela sabia que ele se sentia bem contanto tudo aquilo, revivendo sua mãe.

— E foi exatamente nessa noite - Juca continuou -, no dia em que enchi a floricultura de camélias, que minha mãe resolveu ir embora. Papai e eu chegamos para o jantar e vovó falou que ela partira. 

Ana viu os olhos de Juca encher de lágrimas.

— Ela foi embora, Ana. E eu nunca mais a vi. Desde então, evitamos falar disso. É essa a história.


Todas as Paixões de Juca AomiOnde histórias criam vida. Descubra agora