A cota de azar

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Elena sabia que não deveria correr. Correr devia sempre ser a ultima opção, a opção de emergência. Mas talvez aquilo talvez pudesse se encaixar em uma emergência.

E o mais engraçado era que o início daquele dia não foi um daqueles que pressagia o azar. Pelo contrário, o sol cálido a acordou, os pássaros cantando lhe deram bom dia, e nem sequer quis se virar e voltar a dormir como na maioria das manhãs.

Penteou os cabelos sem puxar nós, lavou as mãos sem molhar o chão e se vestiu sem tropeçar ou rasgar nada. Sua imagem no espelho parecia tão vivida quanto o próprio dia, o que era um milagre quando geralmente se via com olheiras cara de sono.

Quando desceu as escadas nem sequer caiu ou esbarrou em uma de suas irmãs. Não, tudo estranhamente calmo.

Nos dias anteriores àquele houve uma pequena temporada de chuvas que durou semanas, e mesmo depois dessa ter cedido aquele era o primeiro dia que o sol brilhava tão forte e que o dia se exibia com a paisagem primaveril que nomeara o condado.

Sr. Desmond, em seu lugar na ponta da mesa, se ocupava com seu jornal. Sra. Desmond bebia seu chá e tentava dar de comer a filha caçula, Valerie, ao mesmo tempo. As garotas a mesa formavam uma escada da maior até a menor, todas ocupadas com seu próprio café da manhã, só quebrava a escada a cadeira vazia entre a mais velha e a terceira mais velha, ao menos mais velhas das que viviam em casa ainda. A escada foi completada quando Elena se sentou entre elas.

— Vão precisar de mim? — perguntou ao invés de dar bom dia, o que lhe custou um olhar repreensivo de sua madrasta. — Eu gostaria de dar um passeio, agora que o diluvio deu trégua.

Seu pai deu de ombros, mal havia levantado os olhos de seu jornal.

— Bem... — Delphine, sua madrasta, se pronunciou. — Seria bom que voltasse antes do almoço. Ia ser de bom tom que estivéssemos todos em casa quando os convidados chegarem para o almoço. Faz um tempo desde a última visita dos Doyle.

O marido dela riu.

— Não se preocupe, querida. — Sr. Desmond, demonstrando bom humor, deu um olhar significativo à esposa. — A vantagem de se ter tantas filhas é que é difícil notar se uma delas desaparece.

— Não nesse caso... — Delphine sorriu divertida para ele. — Tim Doyle com certeza só gasta seu tempo vindo nos visitar com os pais para ver Elena.

Isso fez Elena rir. Não havia ninguém àquela altura que não sabia que Tim tinha sentimentos por ela, e não por excesso de vaidade da sua parte, mas por economia de discrição da parte dele. Por sorte, era medroso demais para pedir sua mão. Elena agradecia por isso, pois mesmo que aquela atenção afagasse sua vaidade, se casar com Tim Doyle seria no máximo tolerável. Seria uma filha a menos para seu pai se preocupar e ela seria dona de sua própria casa, a grande e bela Riverfield Hall que ele herdaria, com certeza. Mas não sentia nada por Tim, o que a faria ter um casamento insipido que faria o resto de sua vida ser tediosa até ser resgatada pela viuvez ou pela própria morte. E o maior obstáculo: Os sentimentos não retribuídos que sua irmã Louise nutria por ele.

Ela olhou para o lado onde Louise estava sentada, mas essa mantinha uma expressão de indiferença, como se não estivesse sequer ouvindo a conversa.

Ela tomou seu café da manhã, sem morrer engasgada no processo, e perguntou se alguém desejava a acompanhar na caminhada. Cecília declinou, ficaria para ajudar Delphine que teria muito trabalho em conferir tudo desde a refeição até a organização da casa antes que os convidados chegassem. E receber convidados com elegância e hospitalidade era um hobby de Delphine que era constantemente alimentado pelo incentivo de Cecília. Louise não queria nem pensar em correr o risco de se atrasar e não estar presente quando os Doyle chegassem, então prontamente recusou. E Celestine estava de castigo por um mau comportamento na semana anterior, caso contrário iria.

Woodrest: Tempestades no paraísoOnde histórias criam vida. Descubra agora