// PRÓLOGO //
"O que achou?" Joanna me perguntou, gesticulando para o espaço a nossa volta, quando saí do quarto e a encontrei sentada no balcão da cozinha anexada à sala, fazendo palavras cruzadas enquanto comia um picolé.
Era um dia realmente muito quente. As estações na cidade eram muito específicas e o verão, esse especificamente, não era como a maioria das cidades do norte do país e ficava apenas 'menos frio"; aqui era tipo o inferno.
"Pequeno, aconchegante, bem mobiliado e bem localizado." Citei e respirei fundo antes de sorrir para ela. "Eu amei."
Ela sorriu animadamente e jogou o palito do picolé no lixo antes de voltar para seu livro de passa-tempo. Ela já tinha passado para o Caça-Palavras àquela altura.
Joanna era apenas cinco anos mais velha que eu; enquanto ela começava seu primeiro ano após a faculdade, eu começava o meu último no colégio. Vir morar longe da minha antiga vida era uma tarefa difícil; começar meu último ano num lugar completamente diferente e desconhecido era um tanto assustador. Agravado pelo fato de eu ter tido apenas dois meses para me despedir da minha melhor amiga da vida inteira.
Em uma semana eu teria que enfrentar uma multidão de adolescentes que muito provavelmente não facilitariam minha vida. E só torcia para não ser o centro das atenções em nenhum momento por nenhuma razão.
"Hoje eu não vou poder ficar com você." Joanna me mandou um olhar se desculpando enquanto descia do balcão. "Tenho uma entrevista, torça por mim." Assim que terminou, ela bateu as palmas das mãos e respirou fundo. "Está planejando algo para mais tarde?"
Balancei a cabeça. "Quero descansar um pouco, desfazer as malas me destruiu." Desabei no sofá com um suspiro. " Além do mais, não conheço ninguém."
"Por pouco tempo." Joanna se sentou ao meu lado e segurou fortemente minha mão que estava apoiada em meu joelho. "Vai ficar tudo bem, irmãzinha."
Eu assenti e forcei um sorriso. "Eu sei, estou tendo um bom pressentimento sobre esse lugar." Tudo bem, era uma mentira, eu estava na verdade com um pé um pouco atrás mas eu precisava contar essa mentira porque não suportava passar minha dor para os outros. Minha irmã não merecia sofrer pela minha miséria; só o apoio que ela me dava já me era suficiente.
Ela não se mexeu, mas senti seu olhar amolecer mais ainda, se fosse possível. "Nós vamos nos divertir morando juntas."
"Não, sua idiota!" Eu gritei para Rachel na tela do meu notebook. A mulher estava prestes a assistir a porcaria da fita que faria ela morrer em sete dias. Por acaso era alguma regra de que toda mocinha de filme de terror tinha que ter o nível de inteligência e de curiosidade inversamente proporcionais? "Não bota essa porcaria pra rodar, sua burra!"
No momento eu estava sozinha no meu quarto, assistindo O Chamado num sábado a noite. Joanna tinha passado em casa algumas horas antes e chegou falando que iríamos sair para nos divertir porque ela tinha tido uma ótima entrevista e estava em clima de comemoração. Eu tive que recusar, já que estava cansada ainda e meu humor ia acabar arruinando a noite dela e de seus amigos. Depois de um longo tempo tentando convencê-la de que eu ficaria bem sozinha, ela se foi.
Desse jeito que eu acabei deitada no meu quarto assistindo filme de terror no meu computador e com um balde de pipoca no colo. Devo adicionar a informação de que eu estava no escuro. Pelo menos eu não tinha uma televisão no quarto, de um modo que eu, então, não corria o risco de ter a Samara saindo de nenhum lugar para me pegar. E aquilo, por mais que fosse infantil demais, me dava um certo conforto.
Nos créditos finais já eram quase duas da manhã e eu deveria ir para cama em breve. Não queria perder o dia todo dormindo; não quando eu tinha uma cidade inteira à minha frente. Após um longo suspiro, deixei um computador de lado na mesa de cabeceira e me levantei para colocar o pijama.
Como um movimento inofensivo e súbito, passei os olhos pela janela assim que havia colocado minha blusa de alça que mostrava demais do meu sutiã e eu quase caí de susto. A apenas uns três metros de distância, um casal fazendo... sexo? Cobri minha boca um tanto enojada. Um homem definido e levemente bronzeado em pé com uma loira despenteada, em seu colo com as pernas em volta da cintura dele. Os dois completamente nus. Graça à alguma divindade eu não conseguia ouvir os sons nojentos que deveriam estar sendo feitos. Percebi que estava encarando por um tempo desnecessariamente longo e acendi a luz para que achasse o fio que fechava a persiana.
Péssima idéia. O acender da minha luz chamou atenção do homem e ele se virou para a direção da minha janela, seus olhos pousando em mim com a blusa de alça e sem short nenhum, apenas de calcinha. Sem saber o quê fazer eu o encarei por um segundo com a testa franzida percebendo por seus traços que ele não era um homem, e sim um garoto, talvez da minha idade até. Logo em seguida detectei um sorriso malicioso vindo dele, antes de voltar seu rosto para a loira e continuar a ação. Sem pensar duas vezes fechei a persiana rapidamente e me deitei na cama depois de apagar as luzes.
Que vergonha, meu Deus.
++++
Na manhã seguinte levante cedo, porém não tão cedo a ponto de pegar Joanna em casa. Ao chegar no balcão da cozinha vi um bilhete dela avisando que já tinha saído. Depois de alguns minutos sentada no sofá o tédio bateu e eu resolvi colocar uma roupa para sair para correr.
Voltei ao meu quarto e depois de escolher minha calça legging e blusa, me despi e vesti o top de ginástica antes de colocar a roupa. Enquanto colocava os tênis, me atrevi a olhar para a minha janela, agora parcialmente aberta e notei o quarto estranhamente organizado e vazio. Curiosamente, me aproximei e dei uma olhada em volta: paredes brancas, lençol de cama azul marinho e alguns móveis de madeira. Tomei um susto quando o tal garoto apareceu, apenas de toalha, escovando os dentes ao mesmo tempo que falava ao telefone. Sem pensar, me agachei no chão para me esconder e peguei meu celular, os fones e as chaves antes de sair do quarto. Eu era mesmo uma psicopata.
Me apressei pelas escadas e coloquei os fones quando pisei na calçada. Como uma apaixonada por corridas matinais, tinha a paixão de experimentar a corrida no Central Park como em todos os filmes o mocinho ou mocinha fazia; porém não saber como chegar até lá nem como voltar depois, me impediu de sequer pensar. Seria Missão Impossível demais para uma pessoa só àquela hora da manhã. Então, no final, optei por correr na calçada mesmo e me surpreendi com a quantidade de gente que fazia o mesmo.
Corri por quarenta e seis minutos e cinqüenta segundos, cronometrados. Parei apenas porque meus pulmões não me deixavam mais continuar. Caminhei num ritmo bom até o prédio da minha irmã e parei no Café do térreo. Tinha decidido tomar café-da-manhã ali depois que voltasse da corrida, uma vez que na geladeira da Joanna só tinha uma caixa de ovos, uma jarra de chá verde e caixas de picolé de limão no freezer.
Ao passar pela porta, ouvi o som de um sino e o atendente pousou os olhos em mim. Pedi meu muffin e um chá de frutas vermelhas e me sentei em uma das mesinhas. Estava apreciando o sabor de laranja do meu muffin e vendo as novas fotos que Heather, minha amiga de Westchester, havia postado no dia anterior. Eu estava na maioria delas. Minha amiga tinha feito um álbum de fotos apenas do dia da nossa despedida. Fechei a página do perfil dela sem terminar de olhar, com medo de desabar em choro ou algo parecido.
Assim que levantei meus olhos, percebi meu vizinho pouco tímido parando em frente ao balcão com o braço nos ombros de uma menina. Uma outra menina, uma vez que aquela era loira e essa tinha cabelos pretos. Instintivamente corei e baixei o rosto para minha comida, com a esperança de que ele não me percebesse. Porém, a sorte não estava comigo; ao se virar para ir embora, com um café gelado na mão, o vizinho percebeu minha presença e pelo seu sorriso malicioso que reconhecera da noite anterior, ele lembrava de mim.
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Alguém Para Dizer Bom Dia
Ficção AdolescenteHailey é uma menina pouco inocente mas controlada e pé no chão. Teve um namorado ou outro durante a infância mas sua última relação foi a que marcou. Um incidente durante um de seus encontros com seu namorado da época acabou levando-a a uma mudança...