Capítulo 3

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Manoel

Já haviam feito 15 dias, e nessas duas semanas todos os dias eu ia à praça ficar um pouco para ouvir Laura, nesse meio tempo eu consegui perceber que ela anda emagrecendo muito, mas eu passei a ajudar com algumas notas enquanto ela cantava, até porque o que adianta eu apreciar o trabalho e não a pagar por isso?

No dia em que eu a vi no bar ela saiu de lá extremamente assustada, seu corpo tremia e eu fiquei preocupado, mas lá estava ela no outro dia, ainda com os olhos fundos, cantava para alegrar o passeio de um casal de idosos que chegou a pedir quatro músicas antigas para ela, eu até a vi sorrir um pouco. Percebi que a maioria das vezes ela não estava bem, e eu nunca a via comer alguma coisa, por tal motivo decidi começar a pesquisar sobre ela. A primeira coisa que me chamou atenção foi seu sobrenome, Laura Johnson Miller, ela não teria nunca relação com os Miller, não morando na França e cantando em praças para sobreviver, mas mesmo assim eu deixei essa lacuna em aberta, pensei em mandar detetives, mas não precisei ir muito longe, seu nome estava em uma lista de crianças que moravam em um orfanato, crianças que sofreram abusos, tanto sexuais, quanto agressões físicas e psicológicas, no documentário sua idade era de 17 anos, ela era uma das mais velhas de lá. Em seu depoimento ela retratou que apanhava bastante e que era obrigada a limpar e manter todo o orfanato junto a algumas outras meninas, ela havia sido diagnosticada com alguns problemas psicológicos e de saúde física, mas não fez o tratamento como deveria, eu estava muito mais do que preocupado, eu cheguei a me apavorar quando li o relato de algumas crianças. Por fim, descobri que ela faz faculdade de história, é bolsista em uma boa universidade no centro, consegui seu histórico com a ajuda de Vincent e logo eu já estava abismado com suas notas, ela era inteligente, foi como aquela senhora me disse, apenas mais uma vítima da desigualdade, mas agora eu sabia que ela era vítima de uma sociedade.

Hoje era sábado e eu estaria mentindo se não estivesse animado para vê-la tocando, quando o meu relógio bateu 11:30hrs eu já estava dentro do carro indo até a praça. Era assim nessa última semana, eu ia para assistir suas primeiras músicas, voltava para o trabalho e tentava ir assistir as suas últimas, hoje eu assistiria tudo até pensei em aplaudir para ver se consigo tirar um sorriso daquela ruiva bonita, mas decido amadurecer a ideia depois de chegar lá.

Laura

Eu havia virado a noite estudando, não havia conseguido entender a matéria sobre religiões sul-americanas e a miscigenação, então teria que me esforçar, mas mesmo assim precisava trabalhar. Visto mais uma vez a minha calça velha e uma blusa branca de tecido fino, coloco os meus tênis e então pego meu violão seguindo para a praça, eu me via animada para encontrar o moço bonito, aliás já fazem 15 dias que ele vai todos os dias para a praça me ver, eu me sentia importante, quer dizer... Sei que o que o agrada é a música, mas não custa nada eu sonhar que é por mim, aliás eu tenho o direito de sonhar com algo que eu não posso ter ou viver.

Quando eu chego na praça começo a ver uma movimentação, um tanto quanto maior do que dos últimos dias, aquilo me anima para tocar. Me sento no parapeito de todos os dias e já começo com uma música – My Way – Frank Sinatra – Eu via um casal conhecido de velhinhos apreciando a minha música, algumas mocinhas também balançavam a cabeça e quando eu menos esperei senti um corpo cheiroso e grande sentar-se ao meu lado, eu sabia que era o moço Manoel, sabia porque ele sempre se sentava ao meu lado, e eu mentiria se eu falasse que não gostava. Fui tocando as minhas músicas e olhando para o meu chapéu, ele nunca enchia, mas como hoje a praça estava mais movimentada ele acabou ficando mais completo do que o normal, quando o relógio bateu 17hrs eu toquei a minha última música – Quelquum ma dit, Carla Bruni – E eu até vi algumas pessoas suspirarem, realmente era uma das melhores músicas francesas que já havia sido feita. Termino e então começo a guardar tudo, o moço continuava ao meu lado e eu as vezes espero ansiosa por ele me falar ao menos um oi.

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