Capítulo 1

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Manoel

Eu comia um taco bem mal organizado enquanto caminhava pela praça da concórdia, o lugar estava com uma quantidade pequena de turistas, isso pela primeira vez depois de uma boa temporada de verão. Queria pensar, colocar meus pensamentos em dia, me conscientizar de que eu seria o suficiente para mim mesmo, já que meu melhor amigo havia me trocado por uma pianista. Não quero desmerecer os sentimentos de Vincent, no bem da verdade eu provavelmente estou com inveja dele por ter se encontrado emocionalmente e com ciúmes dela, eu nem a conheço ainda, mas já não quero ser educado com ela, talvez assim ela deixe meu melhor amigo em paz e eu consiga ter minha rotina de volta. Eu chutava algumas pedras quando escuto uma voz incrivelmente doce junto ao dedilhar das cordas de um violão, cantava uma música quase desconhecida por mim – Duele, Natalia Lafourcade – Mas com dizeres bonitos, talvez de saudade de um amor perdido. Procuro pela dona da voz e me arrependo assim que a encontro, estava sentada no parapeito da fonte, era ruiva, tinha seus cabelos presos em uma trança embutida e como o sol batia em suas costas parecia reluzir, seu rosto era muito pálido e seu corpo muito magro, usava uma calça de tecido fino e de azul desbotado, uma blusa branca de manga curta, tocava um violão velho e um chapéu estava com sua entrada para cima, recolhendo dinheiro de alguns que passavam por ali e depositavam pela arte bela que era ouvir sua voz linda, pronunciar de maneira mais linda ainda um espanhol maravilhoso.

Acabo me perdendo no tempo, o sol que antes batia em suas costas já estava a se por, e eu continuava ali, em pé, diante a moça ruiva de olhos claros que agora guardava o seu violão em uma maleta amarela e cheia de adesivos infantis, sua mão era pequena, seus movimentos eram lerdos, e sua cintura tão fina que sua calça se segurava com a ajuda de um cadarço, ela pega o dinheiro arrecadado e guarda dentro de algum compartimento do violão. E então encara a fonte e joga uma moeda depois de beijá-la, eu nunca fiquei tão vidrado em alguém como eu fiquei nela, sua voz me acalmara, me distanciara de todos os problemas que eu estava sentindo, havia um ânimo novo em meu coração e eu não podia deixar aquela ruiva, que aparentava estar doente, ir embora sem ao menos um elogio.

- Moça – Eu digo assim que ela passa por mim de cabeça baixa, tinha um cheiro de baunilha marcante - Moça – Repito assim que percebo que ela não me ouviu. Quando a vejo parar e olhar para trás, percebo como seus olhos estavam inexpressivos, alguém que tocava tanto com a voz deveria ao menos ter olhos mais acolhedores, minha espinha se congelou com tanta frieza e ali eu percebia seus lábios rachados e pálidos também – Você canta muito bem, parabéns – Eu digo com um sorriso, ela assente com a cabeça e se vira. Simplesmente se vai, assim como o vento, ou uma pluma que o vento leva. Eu fico intrigado, meus dias não estavam um dos melhores, mas depois de tanta guerra ouvir sua voz doce me fez acalmar.

- Ela toca aqui todos os dias, vão fazer três anos – Uma senhora me diz assim que percebe que eu ainda encarava o vazio de onde ela saíra – Seu nome é Laura – Eu a encaro agora com mais afinco, usava uma bengala e tinha bochechas fofas e enrugadas.

- Ela é bem tímida para alguém que se apresenta em ruas – Comento enquanto faço uma nota mental de voltar aqui amanhã pela tarde.

- A necessidade faz a pessoa, meu filho – A senhora sorri para mim – As oportunidades ou a falta delas, formam caráter e relacionamentos – Ela suspira e encara o vazio de onde a ruiva, supostamente Laura, cantava – Laura é vítima dessa tal desigualdade – Logo que ela acaba de falar, um trovão soa por ali – Já me vou indo, tenha uma boa noite. – Ela vai mancando com sua bengala até o ponto de taxi do outro lado da rua e eu? Bem, vou até o meu carro depois de comprar um sorvete.

Laura

Vou andando da praça para a minha casa como todos os dias, caia uma chuva colossal e desnecessária enquanto eu caminhava pelas calçadas agora escuras, já que a periferia não era muito bem movimentada muito menos reurbanizada. Meus tênis estavam incrivelmente encharcados e talvez isso me prejudique para ir a faculdade no outro dia, mas não iria correr, até porque o que era um peidinho para alguém que já estava cagádo.

Ao chegar no condomínio, eu subo as escadas com um pouco de pressa, chegando em casa eu vou direto para o banheiro, tomo um banho gelado já que não havia pago a conta de gás, e coloco um macarrão instantâneo para fazer no micro-ondas. Nunca houve época melhor, sempre fui acostumada a vender o almoço para pagar a janta, ou sofrer de manhã para não sofrer a noite, as coisas nunca foram fáceis, mas eu ainda achava que poderia ter uma perspectiva. Aos meus 23 anos eu nunca pensei que estaria tão ruim, claro que não esperava ter uma estabilidade financeira muito boa, mas desde os 18 ela é péssima, após eu e meus colegas sermos resgatados do orfanato onde vivíamos, fomos obrigados a passar por uma série de médicos e cuidados, aliás muitos ali estavam extremamente machucados, como eu, mas isso acabou rápido, eu fui resgatada aos 17 anos então logo teria que arcar com a minha própria vida e como nunca fui educada a aceitar gentileza, simplesmente acabei seguindo meu extinto de não confiar em ninguém e tentar viver uma boa vida sozinha.

Aluguei essa quitinete, por um valor de 100 euros mensais, teria que arcar com as contas, coisa que eu não obtenho êxito, mas pelo menos consigo pagar meus livros e comprar minha única refeição diária, tinha o plano de conseguir um emprego em algum museu, ou escola, já que eu faço faculdade de história, mas não conseguia, então vivia de cantar após as aulas todos os dias na praça mais movimentada de Paris.

Ainda que hoje eu tive a novidade de receber um elogio de um homem desconhecido, ele era lindo, alto, musculoso, seus cabelos estavam tão arrumados em um topete que eu tenho quase certeza que ele não espirrou hoje. Usava uma roupa social, parecia empresário, comia uma comida tipicamente mexicana e magicamente não se sujava. Ficou um bom tempo me encarando, não parecia ter más intenções, mas eu não dei tanta vazão, até porque não o conheço.

Antes de dormir dou uma revisada no conteúdo da prova do outro dia, até porque minha bolsa não se sustenta com força divina e eu preciso terminar a faculdade, e já em sono profundo eu sonho com o loiro bonito e musculoso que resolveu me surpreender hoje.

[...]

O relógio marcava 12:50hrs quando eu cheguei na praça, hoje parecia menos movimentada do que o normal, era quarta-feira um dos dias que eu menos rendia, já não ganhava muito, então nesses dias as coisas eram um pouco piores. Bebo um pouco de água antes de começar a cantar uma música animada para o pessoal que está ali para almoçar – Barcelona, Ed Sheeran – Muitas vezes, enquanto eu esfolo meus dedos em dedilhados impossíveis no violão, eu percebia que estava agradando algum casal de jovens ou até mesmo de senhores e adultos, sei que as vezes componho a trilha sonora de algumas pessoas ou o almoço diário de muitos ali, eu já até me acostumei com alguns rostos e isso é um pouco estranho, já recebi pedidos, uma vez um moço me pagou para tocar algumas músicas enquanto ele pedia sua amiga em namoro e seis meses depois ele pediu a mesma coisa para mim, mas ele iria a pedir em casamento. Eu os vi uma vez após o casório, continuam lindos juntos, é exatamente como uma música brasileira diz, pessoas com sorrisos bonitos foram feitas para ser feliz, e aquela moça tinha o sorriso mais brilhante e singelo do mundo. De início eu sentia inveja, achava ruim porque eu sempre era o essencial para alguns relacionamentos, mas nunca nem havia flertado, hoje eu apenas me contento com o pouco que posso proporcionar, minha voz já gritou muito, meus olhos já choraram muito, acho que me dar a oportunidade de ver coisas boas que minha voz canta é como uma cura de tudo aquilo que já vivemos, eu, meu corpo e meu psicológico.

Assim que termino minha terceira música, sinto um arrepio novo na espinha, dessa vez ele vinha com um toque doce e um pouquinho de ansiedade, meus olhos não acompanhavam a presença que o meu corpo sentia, mas quando eles encontraram o sujeito causador, tudo se intensificou. O moço loiro bonito estava ali, em pé, comia pipoca em saquinho e me encarava com expectativa, eu me sentia ruborizar e até consegui enxergar um sorriso de lado vindo do loiro, mas decido tentar ignorar e com muito esforço eu começo a tocar uma música típica francesa – Le Festin, Camille – Havia visto latinos americanos com sotaque forte e camiseta verde amarela passarem por mim, alguns sorridentes tiravam fotos de tudo ao redor inclusive da fonte onde eu costumava me sentar para tocar, era divertido esses momentos, mas mesmo assim o moço ali estava, ainda em pé me encarando com o mesmo saquinho de pipoca...

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Hey fantasmas. U.U

Esse foi o nosso primeiro capítulo, espero que vocês tenham gostado. Logo logo sai outro, assim como fizemos na outra história.

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