Capítulo 11

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Laura

Passei o resto da tarde tentando estudar, eu até conseguia, mas em dado momento estava querendo mandar mensagens à Manoel ou me distraia imaginando qualquer coisa com ele junto. Era estranho como eu me sentia, e mais estranho ainda perceber que eu poderia não ser a única, é certo que eu não tenho nenhuma vivencia amorosa, mas eu não sou tão burra assim. Sei como é ter alguém interessado, só não sei como é ser a interessada.

Queria poder contar para alguém, nem que fosse uma criança, as vezes eu sentia falta de alguma amiga ou mãe, só não internalizava muito aquilo, pelo simples fato de ter medo e não saber me comportar direito com as pessoas que tentavam conversar comigo. Era engraçado, em interações sociais eu gaguejava e também facilmente perdia o foco por estar analisando a pessoa, ou as vezes eu ficava com tanta vergonha que apenas ignorava tudo ao meu redor e fingia não ouvir.

Me deito no tapete e encaro o teto, agora iluminado porque já estava escurecendo e o sistema da casa estava programado para a meia luz, Bored se juntou a mim e colocou sua cabeça em minha barriga, em baixo da minha mão. Ele era carinhoso, as vezes eu me sentia como ele: muito cansado para correr atrás da vida, mas não abria mão de um carinho. Acho que eu me daria bem se eu fosse um cachorro, ficar em casa sem fazer nada, comer e beber, e ainda receber um afago... Ainda que tudo pareça perfeito, sou muito ciente que Bored sofreu na rua, e que talvez, se eu fosse um cachorro, não teria tanta sorte em encontrar um lar. Loucura pura.

Gostaria de as vezes saber como é simplesmente acordar, comer e receber um afago, sem nada para se preocupar, algumas lembranças ou até mesmo um café com bolacha doce e um livro. Faz tanto tempo que eu não descanso desse jeito que eu nem consigo me lembrar se teve alguma última vez que fiz isso.

O tempo foi se indo assim como os meus pensamentos, talvez eu devesse ver como era o papel de descanso do meu computador, ele mudava toda hora e era engraçado ver bolhas voando pela tela, mas eu havia decidido que eu iria fazer algo para o jantar. Assim eu me sentia menos inútil e parasse de ser um problema na vida de Manoel.

Ele pode dizer que não, mas eu sei que eu sou mais uma preocupação em um tempo errado, ainda bem que eu não tenho o intuito de ser assim a longo prazo, quer dizer... Eu vou embora, então... É o certo a se fazer, ir embora assim que eu conseguir me estabilizar melhor. Posso continuar cuidando de Bored, mas não preciso dormir aqui para isso, Manoel não vai me carregar como fardo por muito tempo, mesmo eu já sentindo saudade até mesmo de sua voz...

Decido fazer arroz com alguns legumes e acabo cozinhando uma carne com as batatas, tudo parece mais fácil aqui, claramente a panela de pressão não iria explodir na minha cara e eu poderia simplesmente organizar tudo enquanto ela fazia o trabalho dela sozinha, porque aqui parecia que os moveis tinham vida própria.

A luz ligava sozinha e se mantinha acesa porque havia movimento no local, o ar condicionado ligava sozinho dependendo da temperatura externa, a mesma coisa com o aquecedor. O sofá da sala aumentava de tamanho, as portas de vidro abriam durante o dia, a cortina se afastava em certa hora da manhã, a campainha tinha o modo silencioso. Qual é a função de uma campainha se ela está desligada?

E a melhor parte, o elevador apitava quando alguém direcionava a senha para o apartamento, ou seja, ele avisava quando alguém estivesse chegando. E claro, que eu estava parecendo uma criança esperando a porta abrir e Manoel aparecer e jantar junto comigo, me contar dos problemas que teve na empresa ou até mesmo reclamar de algum tipo de documento ou contrato, mas.... Não foi bem isso que aconteceu.

- Você chegou, eu já fiz o jantar. Queria te mostrar uma redação de 2500 palavras que eu fiz para a aula do livro, achei bem fascista, mas é uma escrita incrível. – Ele começou a caminhar, eu achei que ele iria até a cozinha, mas Manoel nem se quer me encarou. Ele estava todo soado, tinha um corte no seu lábio e muito cansaço em seu rosto, um dos seus braços estava imobilizado por uma tala e a manga da camisa estava bem arregaçada. – Você está bem? O que houve em seu braço?

- Laura... Olha, eu preciso me deitar. – E se foi...

É. Ele simplesmente se foi. Subiu os degraus e me deixou plantada na sala com um jantar gostoso em cima da mesa, é.... A maneira como andava e suspirava a cada degrau me deixava muito abalada, ele era lindo até de costas, mas parecia não ligar muito para mim.

Eu não queria ter ficado triste, quer dizer. Eu não sou a prioridade dele e pelo horário, provavelmente eu nem era algum tipo de esperança para depois do trabalho. Eu só sou a menina que ele salvou, as pessoas são assim... Elas ajudam os outros, as vezes, mas só. Eu que fui uma boboca por ter achado que ele se importava ou ao menos gostava de ser meu amigo.

Eu coloquei a comida no meu prato e guardei as outras panelas, já havia levado os meus livros para o quarto, então eu apenas chamei a atenção de Bored e fui para o lugar onde eu estava dormindo. Tudo parecia horrível e eu nunca sei como me expressar então antes mesmo de eu chegar na porta eu já estava chorando, vocês se lembram né?

Eu nunca sei o que fazer, então eu acabo apenas chorando, chorando muito, muito mesmo. Parece que é a única maneira que eu tenho de colocar algo para fora, sendo bom ou ruim, ultimamente é só ruim, mas eu tinha a esperança de mudar com o tempo. Minha situação era realmente patética, mas tudo bem... Pelo menos eu poderia assistir Padrinhos mágicos enquanto eu comia o jantar que eu havia feito e o cachorro tentava me acalmar lambendo meu dedo do pé. Não estava chovendo muito então nada de trovoes, fora que eu teria que revisar minha redação, então... Não era agora que eu ficaria deitada na cama chorando, eu até continuaria chorando, mas eu estaria tocando minhas obrigações. Assim como eu sempre fiz.

Chorando sempre. Fazendo corpo mole, nunca.

Manoel

Eu havia passado um dia daqueles, com direito a roubo, falta de respostas e ainda uma minibatalha com a namorada do meu melhor amigo, a responsável pelo meu braço torcido, mas eu deixei algumas dores nela também. Então, tudo sob controle.

Eu estava com dor, com fome e fedendo, precisava de um banho, uma aspirina e talvez um pouco de cafuné. Nada parecia dar certo e eu estava cansado demais para perceber que eu tinha tudo o que eu queria, mas ignorei. Eu estou falando da Laura, a ruiva que fez um jantar simples, mas muito saboroso e que passou pela porta do meu quarto enquanto chorava porque eu fui um insensível.

Eu sou ciente das coisas que estão acontecendo, mas também sou responsável por tudo que trouxe para a minha vida, a Ferrugem foi uma delas, e eu não tinha o direito de simplesmente destratar, mas eu estava cansado demais. Nem eu me aguento, ela não era obrigada a me aguentar.

Eu tomei o meu banho e junto o remédio para dor, o braço estava ardendo por dentro e talvez eu tivesse um problema para os próximos dois dias, mas a comida estava tão gostosa que eu simplesmente esqueci realmente que eu estava com problemas, eu me sentia péssimo por estar comendo sozinho, mas não queria importunar Laura então apenas a deixei com os próprios pensamentos, talvez ela melhorasse.

[...]

Eu acordei com um barulho na cozinha, e sabia que era Laura então eu apenas fiquei contente por ela ter se decidido mais rápido com as roupas hoje e agora está perambulando no ambiente com as panelas na mão. Vou ao banheiro e tomo um banho com uma certa dificuldade devido ao braço, tento ao máximo não mover muito, e até demoro mais do que o esperado, hoje eu iria sem paletó. Ao descer as escadas eu sinto o cheiro do café e talvez de queijo, e não estava errado ao ver o brioche recheado de requeijão quente, mas junto com tudo havia um papel:

Bom dia! Eu já coloquei a comida para Bored, fui andando para a faculdade, não quero te atrapalhar mais. Obrigada por tudo. ~ Laura

Não era bem aquilo que eu esperava e fiquei até um pouco confuso, mas eu poderia busca-la. Bored estava deitado no tapete da sala e quando eu fui lhe dar um afago pude sentir uma esquiva dele, pode ser loucura minha, mas o meu cachorro cansado não estava muito afim da minha presença hoje. Tomei o café sozinho e fui até a empresa com muita cautela, o meu braço estava uma bosta.

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Eu gosto de plantar a discórdia, queima quengaral!!!!!!!!!!

Bjus. até a próxima

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