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SÁBADO, 30 DE MARÇO.

Faltam oito dias.

Estaciono diante do acampamento. Se é que se pode chamar de acampamento.

Parece mais um terreno lamacento. Não sou especialista, mas na minha opinião é o mais básico que se pode conseguir. As únicas facilidades que oferece são um local para fogueira – completo, com lenha meio queimada e cinzas –, um carvalho grande e uma lata de lixo enferrujada.

Camila sai do carro e vai até o porta-malas para pegar a barraca. Ao longe, vejo as margens rochosas e o rio batendo nos seixos. Talvez não seja tão ruim.

Talvez vá nos dar um tempo para conversar. Talvez eu enfim encontre as palavras para explicar o que está acontecendo comigo.

Pego a mochila do banco traseiro e sigo Camila até o local onde vamos montar acampamento. Quando ele abre a bolsa da barraca, percebo que havia escondido duas garrafas de vinho.

– Chique – digo.

– Dá para beber vinho tinto quente. Cerveja quente é nojenta. Foi uma decisão difícil.

– Poderia ter colocado a cerveja no isopor.

Ignoro o fato de que ela está falando comigo como se eu fosse uma alguém
que nunca tomou álcool antes. Mas, para ser sincera, sou uma alguém que nunca tomou álcool antes. A menos que entrem na contagem algumas bicadinhas na cerveja de Steve que ele me dava quando eu tinha, tipo, onze anos, durante algum churrasco que ele e minha mãe ofereciam no quintal para os amigos.

– É, mas minha mãe preparou o isopor. Ela teria notado.

– Poderia ter colocado depois.

– Meu Deus, você quer tanto beber cerveja assim? Posso ir correndo até a
cidade buscar.

Enfio as mãos nos bolsos dos jeans pretos e caminho na direção do rio.

– Não, tudo bem. Eu só estava te enchendo.

Ela tira a barraca da bolsa e fuça nela. Penso, por vezes, em oferecer ajuda,
mas não sei nada sobre barracas. Ouço-a xingar entredentes e decido caminhar nas margens do rio.

– Volto logo – grito, e ela não responde.

Vou até o outro lado da colina. Meus tênis afundam na grama úmida. Quando me aproximo do rio, vejo um cais vazio. Não há ninguém por ali. Linhas de pesca quebradas flutuam na água, e tento imaginar o lugar cheio de gente,famílias felizes e pescadores ávidos. Não parece que fique sempre cheio. Parece mais um lugar feito para a solidão. Ouço alguns pássaros piando um para o outro, e o rugido de um motor de barco a distância, mas só consigo me concentrar no tilintar na minha cabeça. Cubro as orelhas com as mãos e cantarolo. A “Missa em Si Menor” de Bach enche minha mente.

Eu me recosto à balaustrada de madeira lascada e uma rajada de vento desliza pela água e toca meu rosto. Às vezes, parece que o vento tem mãos, dedos. Às vezes, me pergunto se eu poderia estender a mão e pegá-las. Se ele poderia pegar minhas mãos, preencher o espaço entre os dedos, me levar embora. Será que Camila pensa nessas coisas? Será que alguém mais pensa nessas coisas?

Olho para trás e não enxergo o acampamento. Volto a encarar a água. O fundo pedregoso da margem do rio está coberto com algas pegajosas e anzóis enferrujados. Sei que, se pulasse, só ficaria molhada e suja. Não acabaria morta.

Não é Crestville Pointe. Lá o salto vai me matar, vai matar Camila.

Volto para o acampamento. Meus passos são pesados e lentos. Não estou com pressa de voltar para Camila e seu isopor sem cerveja e seus questionamentos sobre se vou dar para trás. Vejo-a antes de ela me enxergar. Acho que conseguiu montar a barraca – uma estrutura azul balança ao vento. Ela está de costas para mim, agachada junto ao buraco da fogueira, riscando um fósforo.

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