DOMINGO, 31 DE MARÇO.
Faltam sete dias.
Acordo com a claridade do sol da manhã. Os braços de Camila ainda me
abraçam, e eu rolo para longe de suas mãos. Caímos no sono a poucos metros da barraca, e minha camisa e meu jeans estão com marcas de grama enlameada.Puxo o telefone do bolso e vejo que tenho uma chamada perdida e uma
mensagem de voz de um número desconhecido. Começo a me afastar de onde Camila está dormindo, mas paro quando a ouço grunhir, sonolenta.– Aonde você vai? – Ela se senta e esfrega os olhos. – Que horas são?
– Quase oito.
– Ai. – Ela volta as costas para o chão e aperta bem os olhos. – É tão cedo e já
está claro assim.– Alguém tomou vinho demais – digo em uma voz o mais normal possível.
Sei que ela disse que nada mudou na noite passada, mas não sei agir como se as coisas não tivessem mudado. Ela não é mais AlmaCongelada, minha Parceira de Suicídio da internet. É Camila, a garota que me beijou na beira do rio e me abraçou a noite toda. Para mim, tem uma diferença aí. Uma grande diferença.
Ela não é mais a pessoa com quem quero morrer; é a pessoa com quem quero viver.
– Volto já – digo e parto na direção do rio. Faço o mesmo caminho de ontem.
Olho mais uma vez para a tela do celular. Perdi a chamada por volta das sete da noite de ontem. Talvez eu já estivesse bêbada demais para perceber a vibração do telefone.
Encosto o ouvido no telefone e ouço a mensagem. É Jacob, o guarda da prisão, ligando com informações sobre meu pai. Minha respiração acelera quando aciono novamente a mensagem. Jacob localizou alguém que trabalha no Hospital de Saúde Comportamental de Saint Anne e sabe algo sobre ele. Jacob me dá o nome da pessoa, Tara Woodfin, e o número de telefone. Toco a mensagem de novo e olho para o telefone.
Provavelmente é cedo demais para ligar para Tara, ainda mais num domingo. Vou ter de esperar um pouco.
Quando volto para o acampamento, encontro Camila na mesma posição que a deixei. Está deitada de costas, os cabelos espalhados a suas costas, olhos bem apertados e o rosto paralisado em uma careta dolorida. Ajoelho ao seu lado e balanço seus ombros.
– Vamos, temos que ir. Vamos levantar acampamento.
– Por que tão cedo? – Sua fala ainda é arrastada, e ela rola para o lado.
Vou até a barraca e tento descobrir como derrubar aquela coisa sem quebrála. Fuço nas estacas até perceber que podem ser removidas das abas e, assim que estão fora, dobradas ao meio. Com certeza há uma maneira mais fácil e mais bacana de desmontar, mas Camila está tonta demais para me julgar e, se fizer o que deseja, nunca mais vai precisar usar esta barraca.
O pensamento é quase insuportável, e eu afasto a sensação desesperadora,
engolindo o bolo na garganta. Se ocupe. Não vá lá. Assim que a barraca cai, enfio todas as partes na bolsa em que Camila a trouxe. Não há uma ordem, mas tenho certeza de que Sinu vai arrumar quando voltarmos. Vou até o isopor pegar uma garrafa d’água para Camila e percebo sua mochila jogada ali perto. Dou uma olhada para ter certeza de que ela ainda está dormindo e abro. Tiro o bloco de desenho. Sei que é errado, mas não consigo evitar.Sento de pernas cruzadas no chão e folheio o bloco. Perco o fôlego quando
chego à última página, meu desenho. A garota que estou encarando não sou eu, mas ao mesmo tempo sou eu. Os olhos grandes não estão concentrados em quem a olha, mas há algo neles que não reconheço de imediato: esperança. Sua postura parece mais reta que a minha, como se ela fosse mais forte, mais resistente.
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Parceiras de Suicídio
FanfictionLauren tem dezesseis anos e não quer mais viver. Só está à espera do momento certo para acabar com a própria vida. Há apenas um problema: ela não sabe se tem coragem de fazer isso sozinha. [Adaptação]