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QUARTA-FEIRA, 13 DE MARÇO

Faltam vinte e cinco dias.

Taylor ser líder de torcida em jogos de basquete só é bom por um único motivo: fico com a casa toda para mim durante os jogos, ou seja, posso usar o computador. Normalmente nunca posso usar o computador. Ao menos não sem supervisão indesejada. Temos apenas um computador em casa, e ele é da pré-história. É mais lento que uma lesma manca, e o teclado gruda nos dedos por conta de todo o suco de fruta que Chris já derramou nele.

Embora minha mãe pense que Steve é o homem dos sonhos – um empresário rico, bem-sucedido e honesto –, a verdade é que ele trabalha na linha de produção da fábrica de creme dental Sparkle. A Sparkle, fabricante de creme e enxaguante bucal de segunda linha, basicamente sustenta a economia de
Langston. Claro, o emprego de Steve na linha de produção é um ganha-pão honesto, e até agora ele conseguiu ficar fora da prisão, o que é mais que se pode dizer do meu pai. Mas não quer dizer que Steve possa comprar um laptop para cada um de nós, por isso temos que nos contentar com esse trambolho.

Mas, hoje à noite, o trambolho é todo meu.

Entro no Passagens Tranquilas. Leva cerca de dez minutos para carregar a
página inicial; Steve também acha que não vale a pena pagar por um plano de banda larga. Assim que consigo entrar, vejo que há uma mensagem de AlmaCongelada: Se estiver falando sério, temos que combinar um horário e um lugar para nosso encontro. Mas precisa ser de verdade. Não quero alguém que dê para trás.

– Camila.

Não acredito que alguém com o nome de usuário AlmaCongelada está me acusando de ser medrosa. Parece que seu nome verdadeiro é Camila.

Resisto à tentação de fazer uma piada.

Mando uma mensagem para ela sem zombarias shakespearianas: Sou mais séria que um ataque cardíaco. Não, sem brincadeira, não vou dar para trás. Como eu disse, sou de Langston. Onde vamos nos encontrar?

Fico um pouco mais no site. Segundo os fóruns, os Parceiros de Suicídio
ElmoNaChuva e TBaker14155 se encontraram pela última vez. Não sei como VerãoSoviético231 conseguiu essa informação, mas espero que AlmaCongelada e eu tenhamos o mesmo sucesso. Estremeço e engulo em seco. Deus, essa coisa toda é muito doida. Encaro o teto da sala de estar. Será que eu teria coragem de me enforcar? Se eu conseguisse juntar coragem, não precisaria lidar com esse negócio de Passagens Tranquilas.

O trambolho fez um barulho parecido com uma campainha. Meus ombros
curvam-se para a frente, e vejo que AlmaCongelada respondeu. Parece que não está para brincadeira também. Abro a mensagem: Que tal amanhã no fim da tarde, às cinco e meia? Podemos nos encontrar na lanchonete da Rota Trinta e Seis. Sabe onde é? Deve ser bem perto para você. Vou estar de boné vermelho para você me reconhecer.

– Camila.

Fico um pouco nervosa por AlmaCongelada, mais conhecida como Camila, querer me encontrar em um lugar tão público. Acho que quer dizer o seguinte: ela não é uma serial killer, uma traficante de gente ou algo assim. Por outro lado, não sei se seria tão ruim se ela fosse uma serial killer. Ao menos acabaria com tudo de uma vez. A menos que ela fosse uma dessas pessoas que gostam de tortura. O que não seria bom. Não quero uma morte longa; quero uma que seja instantânea. Sou assim, bem covarde.

Digo a ela que cinco e meia na lanchonete está ótimo. Amanhã eu saio do trabalho às cinco, então é só contar uma mentirinha para minha mãe e dizer que vou trabalhar até mais tarde. Vai ser fácil. Na verdade, não gosto de AlmaCongelada ter escolhido o local, mas não quero começar a coisa toda dando uma de difícil. A lanchonete é popular entre garotos e garotas como minha irmã.

Vai estar bem lotada depois dos jogos de futebol americano e basquete. Líderes de torcida vão dividir taças de sorvete, e os jogadores de basquete vão devorar fritas com chilli e queijo. Eca.

Não preciso dizer que não é lugar para mim. Não que algum lugar seja.
Desligo o computador e subo. Pego o livro de física da mochila. É estranho, mas, quanto mais me aproximo da morte, mais quero aprender. Acho que não quero morrer uma completa imbecil. Abro o caderno e copio os problemas do final do capítulo que o sr. Scott passou para casa.

Estamos começando a unidade sobre conservação de energia. Segundo o sr. Scott, a energia não pode ser criada ou destruída, apenas transferida. Energia potencial pode se transformar em energia cinética e voltar a ser energia potencial, mas a energia em si nunca desaparece. Não faz muito sentido para mim. Releio o primeiro problema prático: “Um paraquedista tem massa de sessenta e cinco quilos e está em pé em um avião a seiscentos metros do solo. Qual é a energia potencial do paraquedista antes de saltar do avião?”

Meu lápis treme na mão, e luto contra a vontade de mastigar a borracha. Não é o enunciado do problema que está incomodando. Sei que fórmula devo usar, e a calculadora pode fazer o cálculo para mim.

O problema é que não consigo imaginar o que acontece com toda aquela energia quando partimos, se ela não pode ser destruída. Meu estômago se revira com o pensamento.

Anoto um problema prático que invento: Lauren Jauregui, dezesseis anos, está pendurada no teto a uma altura de dois metros e meio. Ela pesa cinquenta e dois quilos. Quanta energia potencial ela tem? Quando ela morrer, o que acontece com toda essa energia? Vai se transformar em quê?Um cadáver ainda tem energia potencial, ou ela se transfere para outra coisa?

A energia potencial pode simplesmente evaporar?

Essa é a questão que não sei responder. Essa é a questão que me assombra.

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