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SEXTA-FEIRA, 5 DE ABRIL.

Faltam dois dias.

Estou sentada na sala de espera do hospital há horas. Encaro a luz branca
fluorescente piscando, tentando tirar o corpo amolecido e inconsciente da
cabeça. A sala de espera cheira a café queimado, desinfetante e sal das lágrimas.

Você nunca acha que o medo ou a tristeza têm cheiro até passar um bom tempo no hospital.  Será que a culpa tem cheiro? Um odor fedorento, horrendo que os pais de Camila conseguem detectar. Estou sentada entre os dois, e eles mal falaram comigo, exceto para perguntar às vezes se estou bem. Como ainda podem estar preocupados comigo? Não sabem que fui parte do problema, que estava nos planos? Tenho certeza de que me odiariam se soubessem a verdade.

Os dois voltaram para visitar Camila. Felizmente, ela está estável. Oscila entre a consciência e a inconsciência. Acho que não teve a chance de lhes dizer que traidora eu sou, para ela e para eles.

Eu me contorço na cadeira. O assento de plástico está úmido de suor e gruda
nas minhas coxas. Deveria ter usado jeans e não shorts. Enquanto cutuco a pele ao redor das unhas, fico cada vez mais furiosa com Camila. Talvez eu seja uma traidora, mas ela também é. Foi em frente e tentou morrer sem mim.

A mãe de Camila põe a mão no meu ombro, trazendo-me de volta à realidade.

– Querida, a enfermeira disse que Camila deve acordar logo. Expliquei quem você era, e ela me disse que pode visitá-la em alguns minutos, se quiser. – Sua voz é suave, quase uma canção de ninar. – Eu disse que foi você quem salvou a vida de Camila. Se não fosse você…

Ela me puxa em um abraço para sufocar o som de suas lágrimas.

– Somos tão gratos.

Ela me solta e abre um sorrisinho triste.

– Como poderemos retribuir?

Meu fôlego fica preso na garganta. Não consigo encontrar palavra nenhuma, é como se minha boca estivesse cheia de areia movediça, e cada palavra que eu quisesse dizer fosse puxada para a boca do meu estômago.

– Tudo bem, querida. – Ela acaricia meus cabelos com as unhas perfeitas. – Não precisa dizer nada. Sei que é coisa demais para lidar. – Ela inclina a cabeça para me olhar nos olhos. – Quer ver Camila, não quer?

Faço que sim com a cabeça. Quero ver Camila. Quero mesmo. É tudo o que
quero. Mas, ao mesmo tempo, não sei como encará-la.

Fico sentada com Sinu por mais alguns minutos. Alejandro volta da cantina do hospital com um café para ela e um biscoito para mim. Deixo o biscoito na mesinha ao lado. Não o toco de novo.

No fim das contas, a enfermeira com cabelos cor de canela se aproxima de
nós. Sinu aponta para mim, e a enfermeira meneia a cabeça. Quando me levanto, minhas pernas grudam no estofado de couro da cadeira da sala de espera. É como se a cadeira implorasse para eu não ir, me alertasse para não ir.

A enfermeira me conduz pelo corredor azulejado até o quarto de Camila. Examino os cartões e as palavras de incentivo que foram coladas nas outras portas. Em uma delas estava grudada uma porção de balões amarelos. Será que eu deveria ter trazido balões? Que pensamento estúpido. Não parece uma ocasião para balões.

Por fim, chegamos ao quarto de Camila. A enfermeira gira a maçaneta de metal e entra. Fico do lado de fora, no corredor, por alguns momentos, apertando as mãos, respirando fundo, murmurando o “Concerto de Piano nº 15” de Mozart.

– Entre, querida – encoraja a enfermeira.

Será que ela lida com isso o tempo todo? Visitantes que não conseguem
aguentar, encarar a realidade.

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