"Jamais se guie pelas aparências; sempre se funde em dados concretos. Não há melhor regra que essa." (Grandes Esperanças - Charles Dickens)
"Sine cera."
Era o que diziam os escultores romanos, orgulhosos de si mesmos, por terem feito um belo vaso com ornamentos da onde se poderia enxergar o interior. Não se via nenhuma mancha, rachadura, fissuras. Significando que eram trabalhadores habilidosos. Não haviam quebrado o objeto durante a fabricação. Nem tão pouco o deixado demais dentro do forno que os aquecia para que ficassem prontos. Também tinham cuidado de o deixarem descansar em um lugar seguro para que pudessem esfriar. Por fim, eram ornamentados com belos desenhos, traços de um bom escultor.
Mas haviam aqueles que acabavam cometendo alguns deslizes durante a fabricação. Estes não contavam aos seus clientes que a obra vinha com defeitos. Mas a cobriam com uma camada de cera que escondia qualquer imperfeição. Poderiam não se orgulhar do que fizeram, mas fingiam que estava tudo bem. Apenas o tempo diria o que estava debaixo daqueles ornamentos pintados na superfície frágil. Não se poderia manter escondido por décadas. Muito menos por séculos. A posteridade veria que algo deu errado durante a produção daquele vaso.
"Cum cera."
Ao se sentir totalmente absorta naquele parágrafo de Dickens que lhe dizia para jamais se guiar pela aparência, Yarin Davies lembrou-se de sua professora no ensino médio lhe contando a história da palavra sinceridade. O impacto que este relato fez no coração daquela menina de dezesseis anos foi gigantesco. Seus colegas não sabiam, nem a professora Ana Estevão, que Yarin sofria palpitações, sentimentos depressivos, vontade de não sair de casa, por esconder detrás de uma grossa camada de maquiagem as rachaduras de sua superfície.
De repente, ao ter sensações semelhantes as que presenciou na escola, seus olhos castanhos ficarem marejados. Ameaçando derramar lágrimas salgadas sobre as páginas de uma obra que não lhe pertencia. Respirou fundo. Fungou. Ao balançar a cabeça dizia a si mesma que não poderia se deixar levar por algo que leu. Pelo menos, não de novo. Também agitou seus cabelos para expulsar de sua mente os pensamentos que diziam "Você é uma farsa! Como um vaso quebrado que esconde suas imperfeições detrás de cera! Você não é verdadeira! Não é sincera! Vaso quebrado!".
Ao correr os olhos pelas linhas impressas, releu a mesma frase. Se perguntou como não se guiar pelas aparências. Ainda mais em um mundo onde as pessoas pareciam se importar apenas com o que viam. Sem ligarem tanto para o que os outros carregavam por dentro. Quase anulando suas histórias por causa de aspectos na pele que chamavam mais a atenção. Chegando até mesmo a se assustarem com o que era diferente como manchas marrons em um rosto pálido. O que os fazia se manterem distantes e temerosos.
Seria possível encontrar alguém que não a julgaria a partir do que visse ela levando por fora e se aventurasse a descobrir o que tinha por dentro?
- Desculpe, senhorita Davies, mas já vou fechar a biblioteca. - disse uma senhora de um metro e meio de altura, cabelo grisalho, rosto redondo.
Ela tocou no ombro da menina que estava debruçada sobre um livro.
- Como? - Yarin levou um susto com a voz da bibliotecária lhe chamando. Levantou os olhos para encarar a senhora.
- Eu disse que vou fechar a biblioteca. A senhorita sabe que horas são?
- Na verdade, eu não faço ideia. - se a bibliotecária tivesse perguntado "Yarin, onde você acha que está?" ela responderia do mesmo jeito confuso.
A menina ainda estava tentando se recuperar daquele livro e perdera a noção do mundo ao seu redor. Estava naqueles momentos onde apenas a história em suas mãos existia e tudo em volta sumia.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Livro Perdido de Yarin Davies (DEGUSTAÇÃO)
RomanceESTA É A PRIMEIRA VERSÃO DO LIVRO 📖CAPÍTULOS INÉDITOS E FINAL EXTRA NA EDIÇÃO EXCLUSIVA LIVRO FÍSICO NO MEU SITE E-BOOK PELA @AMAZONBR O QUE VOCÊ FARIA COM UM VASO QUEBRADO: CONSERTARIA OU JOGARIA FORA? MAS SE ELE FOSSE UMA PESSOA COBERTA DE RACH...